Comissão de Esclarecimento
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Por
Hernán Camacho
No
início do ciclo 23 dos diálogos entre a insurgência das FARC e o
governo nacional, em Havana, se filtraram vários temas de ordem
nacional que a guerrilha das FARC pôs sobre mesa. Um deles é a
chamada Comissão de Esclarecimento das Causas e Responsabilidades do
Conflito, que não é igual à Comissão da Verdade, anunciada pelo
governo nacional na voz de Humberto de La Calle. Que as FARC também
acolhem.
E é
que a diferença é significativa. Enquanto o governo Santos pretende
adjudicar responsabilidades a essa guerrilha dos fatos próprios do
conflito em meio século de guerra, a Comissão de Esclarecimento e
Responsabilidades aponta a identificar as causas sociais e políticas,
entre elas as responsabilidades dos governos que, por sua ação ou
omissão, perpetuaram a guerra, aprofundaram a inconformidade social,
reduziram a democracia a sua mínima expressão e excluíram a sangue
e fogo visões diferentes do manejo do país.
O
fundo da proposta
“Como
podem estabelecer-se responsabilidades, ou como pode abordar a mesa o
tema de vítimas, de sua reparação, do perdão e do compromisso de
um ‘nunca mais’, se não se estabelece como se deram os fatos de
violência que derivaram em seis décadas ou mais de conflito
armado?”, se perguntou o chefe da delegação de paz das FARC, Iván
Márquez.
A
Comissão de Esclarecimento pretende estabelecer um período de
estudo histórico desde o ano de 1936, a propósito da lei 200
daquele ano impulsionada pelo presidente Alfonso López Pumarejo,
que, para muitos historiadores, foi a gênese da violência
terra-tenente contra o campesinato beneficiário da redistribuição
da terra.
A
Comissão proposta pela insurgência permitiria dar clareza acerca
dos responsáveis pelos milhões de colombianos em deslocamento
forçado e no apoderamento violento e ilegal de pelo menos oito
milhões de hectares. Inclusive, chegaria até aos responsáveis
materiais e intelectuais do genocídio político da União Patriótica
ou de magnicídios políticos que alimentaram o conflito, desde Jorge
Eliécer Gaitán até Jamie Pardo Leal ou Bernardo Jaramillo, que
continuam na impunidade.
Aquele
que estiver livre de pecado que atire a primeira pedra. Para
as
FARC, o que se trata é de invocar a responsabilidade “do Estado e
das esferas do poder público, dos presidentes, dos partidos
hegemônicos, dos terra-tenentes, dos empresários, dos bananeiros,
dos pecuaristas, dos banqueiros, da Igreja, dos grandes meios de
comunicação convertidos em instrumentos da guerra, dos militares,
dos paramilitares, da polícia, dos guerrilheiros e ex-guerrilheiros,
dos organismos de inteligência, dos Estados Unidos”, isto é, a
todos os atores e fatores do conflito.
“Não
se trata de colocar o Estado contra a parede, nem de desatar
insolúveis consequências judiciais, nem caças às bruxas, senão
que de estabelecer o quadro completo dos horrores da violência”,
dizem as FARC, reconhecendo que não temem aos tribunais de justiça.
A
Comissão permitiria ir adiantando as discussões que se atenderão
no ponto relacionado às vítimas, quando se dê por terminado o de
cultivos ilícitos. Nesse momento, a voz das vítimas vai ter um
espaço primordial para ser atendida. Não obstante, será o governo
nacional quem determine se permitirá ou não escutar as vítimas do
terrorismo de Estado num processo que até agora tem sido hermético
para o povo colombiano. Um “manda calar”.
Outro
dos temas propostos no debate público, desde o Centro de Convenções
da maior das Antilhas, foram as respostas ao ex-mandatário e agora
senador eleito Álvaro Uribe Vélez, quem assinalou, em declarações
à imprensa internacional, que ele quer a paz do país, porém sem
impunidade. E as FARC estão de acordo. Se se trata de não deixar
impunidade nas atuações, a insurgência chamou a responder ao
eleito senador Uribe por assuntos ocorridos ao longo de sua vida
política, em especial como chefe da Aeronáutica Civil, governador
de Antioquia e chefe de Estado.
“Sim.
Que não haja impunidade para quem, desde a governadoria de
Antioquia, regou de mortos, com seu irmão Santiago e seu bando
paramilitar, os ‘Doze Apóstolos’, a Yarumal e o norte do Estado.
Que planejou o massacre do Aro e que não explicou porque o
helicóptero da Governadoria sobrevoava o lugarejo no momento em que
se desenvolvia o massacre. Que lançou contra Urabá, como cão de
caça contra o povo, a Rito Alejo del Río. Que fez matar a
defensores de direitos humanos, como José María Valle”,
manifestou Márquez.
E,
como essa situação em particular, a guerrilha relembrou outros
episódios que invocam a responsabilidade de Álvaro Uribe, como a
impunidade reinante nos denominados falsos positivos ou execuções
extrajudiciais que serviram para elevar as cifras de resultados
operacionais em sua política de segurança democrática.
Ou as
confissões paramilitares indicando que ajudaram a eleger Uribe como
presidente no ano de 2002. Porém, também suas atuações quando
apenas se vislumbrava para a política, ocupando o cargo de chefe da
Aeronáutica Civil. O narcotraficante Pablo Escobar o chamou de “o
rapazinho bendito”, por ajudar-lhe, segundo recentes declarações
de Virginia Vallejo, a outorgar-lhe licenças aéreas para trazer
para a Colômbia pasta de coca para seu negócio. “Uma vida
tortuosa assinalada pelo crime”, destacaram as FARC.
Fonte:
Semanario Voz