Nova lei de educação torna o sistema público e gratuito
por elaine
tavares
Era maio
de 2006. Governava o Chile uma presidente dita socialista: Michelle
Bachelet. Das escolas secundaristas da capital chilena saiam meninos
e meninas. Não era recreio, nem hora de ir embora. Renascia uma luta
- aplastada pela ditadura - pela total gratuidade no ensino. A era
Pinochet, que privatizou a educação, já havia acabado, mas sua
terrível face ainda pairava por todo o país. Naquele maio, a
juventude deu início ao que ficou conhecido como a "Revolta dos
Pinguins", em alusão ao uniforme dos secundaristas, parecido
com um desses animaizinhos. Mais de 100 mil estudantes ocuparam as
ruas, em marchas e manifestações que se arrastaram pelos meses
afora, sempre reprimidas com violência pelos carabineiros, gerando
feridos e prisões.
Os
estudantes queriam a revogação da Lei Orgânica da Educação, de
autoria do regime militar e a gratuidade em todas as fases do
processo educativo. Foi um levante monumental, o maior já acontecido
no Chile, que contou com a participação de boa parte da população.
A violência desencadeada e a atitude tímida da presidente, que
fazia um discurso dúbio, sem atendimento das propostas levaram o
movimento a, pelo menos, duas grandes paralisações gerais. As lutas
se estenderam ao longo do ano e as mobilizações de rua foram dando
lugar a discussão de uma nova lei de educação. Em abril de 2007 o
governo encaminha uma proposta para o Congresso Nacional, que leva
dois anos para ser discutida e votada. Ao final, acaba sendo muito
aquém do que reivindicaram os estudantes. Assim, a luta pela
gratuidade e mudanças profundas na educação seguiu se organizando.
Em 2011,
já com o Chile de novo nas mãos da direita, via Sebastian Piñera,
novas manifestações explodiram no país, desta vez com a
participação também protagônica dos estudantes universitários.
Vieram outra vez as grandes marchas e protestos, que conseguiram
mobilizar até os estudantes das escolas e das universidades
privadas. Todo o sistema chileno de educação estava nas ruas outra
vez.
E, de
novo, violência e repressão por parte da polícia. O Chile ardia.
No final
do ano, depois de idas e vindas nas negociações com o governo, veio
uma proposta que apontava para mudanças pontuais, sem mexer no
centro do problema que era a privatização do sistema. Novas
barricadas forma erguidas, novos protestos e mais violência contra
os estudantes. Os estudantes não deram trégua, mas não conseguiram
garantir sua pauta de reivindicações.
Com as
novas eleições para presidência e legislativo, a correlação de
forças para os estudantes - no campo institucional - melhora. Vence
Michelle Bachelet, que já havia se comprometido a, desta, vez,
mandar para o legislativo uma lei que tirasse a educação das mãos
privadas. Dentro do Congresso também contaria com alguns daqueles
que foram líderes dos protestos em 2011, como, por exemplo, Camila
Vallejo.
Nesse mês
de agosto, finalmente, o sonhos dos “pinguinhos” de ter uma
educação pública e gratuita ficou mais perto da realização. O
executivo, por fim, encaminhou um projeto que visa devolver ao ensino
o seu caráter público. Segundo ela, a nova lei colocará fim ao
lucro, à discriminação, estabelecerá a gratuidade escolar e
criará uma nova institucionalidade na educação. Com a nova lei não
haverá mais cobrança nem financiamento compartilhado e serão
congelados os pagamentos que vem sendo feitos aos colégios. Aqueles
que quiserem receber subsídios deverão abrir mão de auferir lucros
com o ensino, o que significa uma mudança muito profunda no sistema,
embora aparentemente não ofereça risco para os atuais empresários.
Hoje, no
Chile, existem 3.470 estabelecimentos educativos privados e para
receberem subsídios do governo deverão transformar-se em fundação.
Todos esses negócios terão dois anos para se readequar a nova forma
societária e ainda poderão ter seu patrimônio comprado pelo
estado, que terá até 12 anos para pagar pelos mesmos, podendo
descontar o que investir em infraestrutura. Segundo a presidente
Bachelet também será criado um organismo estatal que vai organizar
essas compras para não permitir que haja queda no número de
matrículas.
Agora, a
batalha da educação pública passa para o campo do legislativo, mas
pela correlação de forças é bem provável que não encontre
maiores empecilhos.
Em bem
pouco tempo, os estudantes chilenos poderão celebrar a vitória de
suas demandas iniciadas lá em 2006, quando os secundaristas
enfrentaram, sem medo, a violência e a repressão em nome de um
sonho: a educação pública e gratuita outra vez!