As duas caras da paz
Por
Julián Subversivo,
guerrilheiro das FARC
«Sem as mudanças necessárias que erradiquem as causas do conflito nunca poderá haver paz, como dizia Eduardo Franco Isaza»
«Sem as mudanças necessárias que erradiquem as causas do conflito nunca poderá haver paz, como dizia Eduardo Franco Isaza»
Em
nosso constante trasfegar como guerrilheiros revolucionários levando
a mensagem de mudança e esperança, tratando de construir
consciência por todo o território nacional, nos demos conta que a
pergunta pela paz em Colômbia é uma inquietude que não só revela
aos que tratamos diretamente de consegui-la como também que desperta
o interesse de todas as comunidades e pessoas que compõem o povo
colombiano.
Que
seria a paz, porém, de maneira mais concreta, que seria a paz em
Colômbia?, é a pergunta a responder. Aqui há duas posições em
contradição; uma é a paz que queremos as FARC-EP e a outra é a
paz que o governo pretende impor sob o conselho dos opressores
nacionais e internacionais.
A
paz que as FARC-EP queremos, como reiteramos em inumeráveis ocasiões
através destes 50 anos de luta, é uma paz baseada na justiça
social, na igualdade efetiva e não só formal, uma paz que
signifique soberania, segurança alimentar, bem-estar social,
independência e dignidade para todos os colombianos. Pelo contrário,
a paz que a hegemonia deseja é aquela que signifique a morte, a
eliminação do protesto social, uma paz baseada na conservação do
status quo, das condições de desigualdade, fome, pobreza, repressão
e injustiça, é a paz do silêncio dos fuzis do povo e sua rendição
incondicional às exigências depredadoras do capitalismo.
Em
suma, a paz, para eles, é a eliminação completa da resistência
popular ante o tirano e a possibilidade de estender sem obstáculos a
realização de seus obscuros interesses, é a paz do burguês,
falsa, hipócrita, o reflexo de sua idiossincrasia.
Certo
dia, realizando uma reunião de encontro com os companheiros
indígenas na região do Chocó, um deles me pergunta: “Companheiro,
por que o presidente Santos diz que quer a paz e passam tantos aviões
de guerra por aqui?” A pergunta nos ensina algo muito interessante,
e é que o povo está se dando conta da falsidade do discurso
burguês, da incongruência entre suas palavras e suas ações. E é
que ninguém poderia engolir o conto de que a guerrilha é quem opera
sob uma máscara de hipocrisia em seu intento de paz, quando esta
propôs cessar-fogo bilateral, e ante a sem-razão negativa do
governo optou por fazê-lo de forma unilateral, enquanto os aviões
inimigos percorrem os ares em busca de guerrilheiros dormidos para
assassiná-los covardemente.
A
hipocrisia dos detentores do poder é óbvia, não só para os
guerrilheiros e o olho crítico como também para as pessoas comuns
da sociedade, como demonstra a pergunta do companheiro indígena;
pois não podes falar de paz e ao mesmo tempo celebrar e fazer alarde
das baixas inimigas; não podes falar de paz e continuar com o
fortalecimento da força militar e policial à custa do tesouro
público; não podes falar de paz quando contra aquele com quem
tentas conciliar lhes descarrega bombas de 500 libras ou mais
enquanto está imerso no sono. A paz só se pode fazer com passos
concretos para sua consecução e não só com palavrório formal que
não vai mais além de uma entrevista ou um pronunciamento por um
microfone. A este respeito, as FARC-EP sempre estivemos dispostos ao
cessar das hostilidades, pois levar a cabo um processo de paz sob o
fogo da confrontação denota numa contradição que atenta
seriamente contra o êxito das conversações, é a velha contradição
burguesa entre teoria e prática.
O
ataque militar à insurgência por parte do governo se intensifica, e
através de seus meios de publicidade festeja os mortos que seu
ataque terrorista deixa, satanizando as ações guerrilheiras.
Segundo a estúpida e inaceitável teoria hegemônica, é lícito que
o exército burguês mate guerrilheiros a torto e a direito de
maneira covarde quanto estes dormem, porém não se aplica o mesmo
critério para as ações guerrilheiras contra o Exército e a
Polícia, ações que são estigmatizadas como terroristas, como se
os guerrilheiros fossem menos que outro ser humano e fosse lícito
tirar-lhes a vida, ainda quando tivemos que recorrer às armas só
porque os detentores do poder não nos deixaram outra opção.
Assim
que, se quiséssemos responder a pergunta do companheiro indígena,
teria duas vias para guiar-nos: uma seria a retórica que
historicamente o capitalismo tem utilizado, a outra seriam as ações
concretas do governo com vistas à paz. Se nos guiamos pela primeira,
diríamos que sim, que Santos e seu governo querem a paz com justiça
social, segundo alardeiam por seus meios de publicidade. Porém, como
sabemos que a práxis burguesa é contrária a sua teoria, o que
diríamos a este companheiro é que ele intui bem, que há uma
contradição no governo, que diz uma coisa e faz outra, e que tudo
aponta para que só querem a paz sem transformações, a paz do
desarmamento, desmobilização e reintegração dos guerrilheiros à
vida social, o chamado DDR, isso que o império chama paz, a rendição
da insurgência e a eliminação do protesto para poder levar a cabo
seus negócios.
Sim,
lamentavelmente, tudo parece apontar para ali, pois, desde um
princípio, o governo deixou claro que não discutiria mudanças
reais acerca do modelo econômico e das bases institucionais, isto
acompanhado de mostras firmes de continuar sua campanha de ataques à
guerrilha.
Tomara
que estejamos equivocados, tomara, apesar de todos os claros indícios
contra a paz que os colombianos querem e necessitam, possa chegar a
bom porto o barco da mudança, do bem viver da população, da
democracia real, participativa e vinculante; pois sem as mudanças
necessárias que erradiquem as causas do conflito nunca poder haver
paz, como dizia Eduardo Franco Isaza; enquanto existam tiranias,
ditaduras ou desigualdade em Colômbia, continuarão surgindo os que
se oponham a elas pela via que lhes deixem, seja a pacífica ou a
armada, se for necessário.