Afinal de contas, o que quer a direita latino-americana?
Por Emir Sader
O neoliberalismo tentava fazer com que a direita, que sempre havia representado o passado, tratasse de aparecer como “o novo”, o futuro, a superação de um passado em que a direita se sentia incômoda.
Para a América Latina todos esses fenômenos significaram a proliferação de governos que vinham da mais rançosa direita, assim como outros, originários de forças nacionalistas e da social democracia, assumindo o novo figurino representado pelo neoliberalismo.
Pretendiam, uma vez mais, apagar a demarcação entre direita e esquerda, fazendo convergir tudo para um modelo único ditadores como Pinochet, nacionalistas como Carlos Menem e social democratas como FHC. O pensamento único se traduzia em governos únicos.
As crise mexicana de 1994, brasileira de 1999 e argentina de 2001 liquidaram precocemente essa euforia da direita latino-americana, que foi seguida pela eleição de governos anti-neoliberais. A direita, que pretendia reinar soberana por muito tempo, deixou flancos abertos, a partir dos quais foi se reestruturando a esquerda latino-americana.
A crença que a retração do Estado da economia, a centralidade do mercado, o controle da inflação, seriam suficiente para a legitimidade dos novos tipos de governo no continente, fracassou. Não se davam conta que o principal problema dos países da região é a desigualdade social e que a falta de avanços neste tema impediria esses governos de consolidar-se.
Foi o que aconteceu com governos eleitos com a bandeira do controle da inflação, que em geral conseguiram se reeleger baseados neste mote, até se esgotarem e fracassarem. Foi assim na Argentina, Brasil, Uruguai, Venezuela, Equador e Bolívia, com particularidades em cada país.
Desprevenida, confiante na derrota da esquerda, a direita foi sendo derrotada naqueles países, porém, mais que isso, teve que se constituir, se consolidar e se reeleger a governos populares, que preencheram os vazios deixados pelos governos neoliberais. Sobretudo, privilegiaram o tema central do continente mais desigual do mundo, com suas políticas sociais.
Para isso, recuperaram o papel ativo do Estado, combatendo a centralidade do mercado, elaboraram políticas de integração regional e de intercâmbio Sul-Sul. Como resultado, países que vinham de profundas instabilidades políticas, como a Bolívia e o Equador, passaram a ter os governos mais estáveis e legítimos da sua história.
Um país como a Argentina, que havia sofrido a pior crise da sua história, na saída da política suicida de paridade da sua moeda com o dólar, pôde se recuperar, retomar o crescimento econômico, com grande distribuição de renda. O Brasil pôde sair de uma profunda e prolongada recessão provocada pelas políticas do governo de FHC, retomou um ciclo expansivo da sua economia, promovendo ao mesmo tempo o mais amplo processo de democratização social que o país já conheceu.
A direita, deslocada por esses governos, entrou em um desgastante processo de crise de identidade. O que fazer? Desconhecer os avanços realizados ou tentar incorporá-los? Prometer abandonar os cânones neoliberais ou voltar a promovê-los, contando com um eventual esquecimento que as pessoas pudessem ter do seu fracasso recente?
Ao que tudo indica pelo tipo de candidaturas que a direita promove em países como o Equador – um banqueiro –, a Bolívia e o Chile – grandes empresários –, ou jovens políticos que propõem o retorno ao neoliberalismo pura e simplesmente – como no Brasil, no Uruguai, na Venezuela – faltam ideias, imaginação e sobretudo compromisso com os avanços conquistados e com o futuro desses países.
O que quer a direita latino-americana, que se empenha tanto, valendo-se do que lhe resta – o monopólio dos meios de comunicação, o terrorismo econômico, as reiteradas denúncias de corrupção (dos outros) – para tentar retomar o governo? Está claro que a única coisa que a direita quer é desalojar as forças progressistas do governo, para abrir caminho para o retorno das grandes forças do poder econômico e midiático.
O que fariam no governo? Fica claro também que seriam processos de restauração conservadora, retomando os princípios do neoliberalismo – centralidade dos ajustes fiscais, diminuição do peso do Estado e de suas políticas sociais, rebaixamento do perfil dos processos de integração regional a favor de tratados de livre comércio com os Estados Unidos. Essas posições estão nos programas de todos os candidatos opositores nos países mencionados.
Tiveram, tem e seguirão tendo dificuldades para voltar a ganhar, justamente porque as profundas transformações postas em prática pelos governos que os sucederam, os diferenciam claramente da restauração conservadora. Podem encontrar carinhas lindas, jovens, aparentemente inovadores, mas que carregam o passado neoliberal, do qual não conseguem se livrar.