"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Intervenção de Iván Márquez na abertura da quinta audiência de vítimas do conflito


Com sincero afeto e um respeito profundo, a Delegação de Paz das FARC saúda ao quinto grupo de vítimas do conflito que hoje nos trazem sua dor, amalgamada com o sentimento irrevogável de concórdia, e em suas mãos a tocha da esperança num futuro de justiça, sem guerra.
Bem-vindos e Bem-vindas, Piedad Córdoba, María Susana, Juan Manuel, Jairo, Domingo, Francia, Mauricio, Nilson Antonio, Camilo, Isabella e Magda. Que este cenário de Havana, disposto por seu povo e governo solidário como altar do altruísmo, sirva para dar-nos um abraço de reconciliação e fé na Colômbia nova.
Nossa saudação se estende a Nações Unidas-Colômbia, ao Centro de Pensamento da Universidade Nacional e à Conferência episcopal, organizadores deste desafio; o mesmo que aos países garantidores, Cuba e Noruega, e aos países acompanhantes, Chile e Venezuela.
Primeiramente, manifestar nosso pesar pelos sofrimentos que este conflito gerou e que estamos empenhados em terminar definitivamente, e ao mesmo tempo ressaltar a valentia e o compromisso com a paz, mostrado por todas e todos vocês ao acorrerem a Havana, ainda sabendo que muitos dos que lhes precederam foram re-vitimizados no seu regresso à Colômbia, pelo simples fato de manifestar seu apoio à Paz e à reconciliação.
Enquanto a Mesa de Diálogos avança em Havana sobre a discussão do ponto 5 da agenda, referente a VÍTIMAS, no país a situação destas continua sendo dramática, o qual, após dois anos de conversações, e 4 meses abordando a problemática das vítimas do conflito, nos parece simplesmente inaceitável. Esta realidade mostra a indolência e a passividade do Estado ante os fatos de vitimização que se registram em Colômbia, porque quem, se não as instituições do Estado, estão em condições e têm os recursos para acabar eficazmente com a perseguição e levar ante a justiça os responsáveis de tanta dor e perseguição?
Segundo as NNUU, desde o início dos Diálogos de Paz de Havana em Novembro de 2012, até junho de 2014, se ocasionaram 310.000 novas vítimas do conflito. Organizações que nada têm a ver com a insurgência nem com forças de oposição, como Anistia Internacional, acaba de indicar que, nos 9 meses transcorridos entre janeiro e setembro de 2014, foram assassinados 40 defensores de DDHH em Colômbia. Somente entre setembro e outubro de 2014 100 ativistas defensores dos direitos humanos foram ameaçados de morte por paramilitares.
O respeito aos direitos humanos em todos os confins do território nacional é um objetivo do Estado [...]”, reza o preâmbulo do Acordo Geral para a terminação do conflito de 26 de agosto de 2012. Consequentemente, desde o início da discussão do ponto relativo a VÍTIMAS, manifestamos a necessidade de adotar medidas eficazes para acabar com a geração de novas vítimas, o qual é premissa para abordar seriamente esta problemática e evitar que o fato singular, -nunca antes havido em nenhum processo de paz dos que se desenvolveram no mundo-, de situar no centro da solução do conflito os direitos das vítimas, não se convertesse exclusivamente num espetáculo midiático ou exibição re-vitimizadora daqueles que tanto padeceram por causa das crueldades do conflito.
Considerando que tem sido um clamor geral de todas as vítimas do conflito que acorreram a estas audiências, por experiência temos o convencimento de que nenhuma medida é mais eficaz para acabar com a geração de novas vítimas do que acordar de imediato um cessar bilateral do fogo, um armistício, que normalize a vida da população civil em Colômbia até a firma efetiva do definitivo acordo de paz.
Cada vez resulta mais carente de lógica, menos crível, que as FARC-EP reclamam um cessar-fogo para fortalecer-se e buscar vantagem militar sobre o terreno. Esta ideia é absolutamente contraditória com a atitude prática que temos mostrado de pôr todo nosso empenho na busca de entendimentos. Assim o indicam os três acordos parciais alcançados e nossa vontade de desescalada do conflito, recentemente evidenciada com a libertação unilateral, através de um Acordo Humanitário Especial, de vários prisioneiros de guerra, entre os quais se contava o General Rubén Darío Alzate e três fardados mais, o qual ocorre apesar da ordem desenfreada do Governo de recrudescer as operações militares contra insurgentes.
O Governo Nacional descumpriu claramente a regra estabelecida no Acordo Geral quanto a “iniciar conversações diretas e ininterruptas sobre os pontos da agenda [...]”, sem que o que ocorra no cenário da confrontação afete as atividades da Mesa. Não obstante, e apesar da fúria desproporcional dos bombardeios e dos embates da maior maquinaria de guerra de toda a América Latina, que ocasionaram a caída de entranháveis comandantes e combatentes, jamais abandonamos o compromisso de manter-nos em diálogo até alcançar o acordo final.
Nesta atitude estamos, porém com realismo e os pés sobre a terra, tendo claro que é este quinto ponto da Agenda o espaço e o momento de esclarecer e dar os primeiros passos para a solução definitiva do fenômeno do paramilitarismo, que é um dos maiores problemas que temos que resolver, se em verdade queremos avançar para a reconciliação. Dentro desta perspectiva, cremos que chegou o momento de abordar esta titânica tarefa, sendo certo que sem o compromisso efetivo do Governo nacional será impossível acabar com o paramilitarismo, por muitos que sejam os papéis que se firmem em Havana.
As partes na Mesa de Diálogos têm que estar à altura do imenso desafio que supõe acabar com o paramilitarismo, que é, sem dúvida alguma, a causa mais sanguinária de vitimização que a Colômbia tem sofrido desde o início do conflito armado interno, e principal fator de fracasso de anteriores processos de paz.
Nestes dias, recebemos notícias que pareceriam indicar que, apesar da decomposição e crise do sistema judiciário colombiano, pouco a pouco se vem abrindo caminho a uma verdade judicial, que coincide com a irrefutável verdade manifestada desde há anos pelos movimentos de vítimas: se trata dos estreitos vínculos entre o Estado e o paramilitarismo, e a inapelável responsabilidade de partidos políticos, instituições e empresários no surgimento, desenvolvimento, expansão e sobrevivência de um paramilitarismo sempre impune, hidra de cem cabeças, que, com a conivência do Estado e da oligarquia, volta a brotar a cada vez que se nos anunciou seu fim.
Agora, coerentemente, o Tribunal Superior de Medellín, em histórica Sentença de 12 de dezembro deste ano, assegurou que o Estado colombiano é responsável pelas violações aos DDHH e ao DIH que os paramilitares cometeram e pelo “dano e a dor causados às vítimas”, requerendo ao Presidente da República para que reconheça, solene e publicamente, tal realidade. Se trata de um reconhecimento explícito da responsabilidade estatal no surgimento, expansão e consolidação do paramilitarismo, assim como na falta de perseguição e impunidade destes grupos criminais, seus integrantes, inspiradores e financiadores. O Tribunal acusa ao senador Álvaro Uribe Vélez por sua suposta participação no surgimento de grupos paramilitares em Antioquia, e ordena iniciar processos contra um ex-governador de Córdoba e contra um general do Exército por promoção e apoio às autodefesas.
Coincide o tribunal com as reivindicações das organizações de vítimas, ao solicitar que os membros da Força Pública que sejam investigados por violações aos direitos humanos sejam afastados de suas funções a partir da imputação de denúncias. Também acerta ao afirmar que a Promotoria da nação “foi omissa na investigação e acusação das graves infrações aos DDHH e ao DIH cometidas pelos paramilitares”. Não cabe dúvida, como assinalou o tribunal, que a ausência de investigações da Promotoria facilitou o acionar dos ‘paramilitares’ e aprofundou “o dano e a desesperança na população”.
É a justiça colombiana quem agora indica que o paramilitarismo “se converteu numa política traçada, financiada, permitida e facilitada pelos altos mandos das Forças Militares”. Seu surgimento e expansão, diferentemente do que se tem sustentado, não se deu devido a ausência do Estado em amplas zonas da geografia nacional. Pelo contrário, nasceram e cresceram ali onde havia presença do Estado e lado a lado com as Forças Militares. Em todo o país, onde queira que surgiram e passaram os paramilitares, havia brigadas, batalhões do Exército e comandos de polícia que deviam ter garantido a segurança das pessoas que acabaram sendo vítimas dos mais cruéis e inumanos atos de terror.
Também por estes dias, outro tribunal de Medellín condenou a 16 empresários de palma africana a penas que oscilam entre os sete e dez anos de prisão pelos delitos de concertação para delinquir, deslocamento forçado e invasão de áreas de especial importância ecológica. O projeto agroindustrial que buscava converter o Baixo Atrato chocoano na mais extensa área cultivada com palma de azeite não foi mais que uma complexa engrenagem criminal que envolveu a Vicente Castaño e suas hostes paramilitares, a mercadores de terras alinhados ao projeto paramilitar e a empresas palmicultoras.
Por tais razões, as FARC-EP proporemos, ante a Mesa de Diálogos, entre as medidas sobre verdade, reparação e não repetição, a criação de uma comissão para a erradicação do fenômeno paramilitar, que inicie seus trabalhos de forma simultânea à adoção de medidas de desescalada do conflito em que ambas as partes vimos trabalhando, e ao redor do qual já chegamos a acordos sobre os critérios que se porão em prática.
Sem desmerecer a importância de todas as vítimas que nos visitaram, devemos dizer que este ciclo não pode passar sem que ponhamos de presente que, transcorridas as 5 audiências que estavam programadas para recebê-las, infelizmente não se cumpriu o compromisso de ouvir as vítimas causadas pelas políticas econômicas. E isto se torna mais grave se levamos em conta que, segundo recentes declarações do Presidente do Conselho Norueguês de Refugiados, Jan Egeland, em Colômbia continua incrementando-se a desigualdade econômica entre o campo e a cidade, apesar dos avanços alcançados no processo de paz. Até quando teremos que esperar para que se acabe a desigualdade e a miséria nos campos e nas cidades da Colômbia?
Se se é coerente, o governo não pode continuar falando de paz enquanto implementa políticas econômicas que aprofundam as causas da guerra. Por isso se faz urgente, por exemplo, pôr freio ao projeto de Lei 133 sobre terras ociosas “pela qual se criam e se desenvolvem as Zonas de Interesse de Desenvolvimento Rural e Econômico, e se adiciona o artigo 52 e se interpreta o artigo 72 da Lei 160 de 1994”, pois esta se contrapõe, frontalmente, aos acordos já adotados em matéria de Reforma Rural Integral, lesando de maneira grave os interesses dos campesinos. Não é nada saudável para o processo que continuem se apresentando iniciativas legislativas ou de reforma constitucional que contradigam o pactuado, ou desconheçam o espírito do Acordo Geral.
Agora, com a vênia da condução deste evento, procedo a oficializar em nome das FARC uma cerimônia plena de ternura, surgida do coração insurgente e de um sentimento irrefreável de humanidade, consistente em entregar nesta audiência, num gesto simbólico de reparação e de veneração frente à dor e aos rompimentos da alma, a estatueta da mão que oferece uma rosa branca às vítimas do conflito.
Para vocês, Piedad, Gloria, María Susana, Juan Manuel, Jairo, Domingo, Francia, Mauricio, Nilson Antonio, Camilo, Isabella e Magda, mulheres e homens sofredores das consequências de uma guerra imposta pelo topo do poder, com a estatueta que hoje entregamos em suas mãos, estes versos do apóstolo de Cuba José Martí:
Cultivo uma rosa branca
Em junho como em janeiro
Para o amigo sincero
Que me dá sua mão franca.

E para o cruel que me arranca
O coração com que vivo,
Cardo nem urtiga cultivo;
Cultivo uma rosa branca.
Que o perdão e o amor nos abracem a todos, e que a alvorada cintilante do sol da paz que se eleva lentamente no horizonte dissipem a horrível noite da Colômbia. A paz triunfará.
DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP

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Equipe ANNCOL - Brasil