Por Cristina Fontenele -Adital-
Em novo relatório, denominado "Um
título não é suficiente: por uma restauração sustentável de
terras na Colômbia”, a organização Anistia Internacional
examina como está aplicação da Lei de Vítimas e Restituição de
Terras (Lei
1448, de 2011), que foi aprovada para ajudar o governo a devolver
as terras roubadas no marco dos conflitos armados na país. São
quase 6 milhões de pessoas, entre camponeses, indígenas,
afrodescententes, expulsos de suas terras desde 1985 e que temem
retornar por causa do contexto de violência enfrentado no país.
A luta pelo controle do território, motivada por
interesses econômicos, militares e políticos, juntamente com os
altos níveis de pobreza rural e a elevada concentração da terra
nas mãos de poucos proprietários, são as principais causas do
conflito armado que, há mais de 50 anos, assola a Colômbia. Segundo
o pesquisador da Anistia Internacional no país sul-americano,
Marcelo Pollack, "não basta entregar às pessoas o título de
propriedade e dizer a elas que já está lá. As autoridades
colombianas têm que acelerar os trâmites burocráticos e garantir a
segurança física e econômica de quem regressa. As pessoas
responsáveis pelo deslocamento forçado têm que ser submetidas a
julgamento”.
A ameaça de homicídios, somada à falta de rigor
na aplicação da lei, torna lento o cumprimento da promessa do
governo colombiano de devolução das terras à comunidade. Dados
revelam que, no fim de agosto deste ano, a Procuradoria Geral estava
investigando cerca de 35 homicídios vinculados ao processo de
devolução das terras, e é provável que o número seja muito
maior. De acordo com Pollack, a "Colômbia tem um dos níveis
mais altos de deslocamento forçado do mundo e é mais do que
evidente que as autoridades não fazem o suficiente para garantirem a
devolução efetiva das terras roubadas a seus legítimos donos”.
O relatório da Anistia Internacional aponta ainda
que 13% da população colombiana fugiram de suas terras; só em
2013, quase 220 mil pessoas foram obrigadas a abandonarem suas
terras. A maior causa dos deslocamentos ocorre pela atuação das
forças paramilitares e pelas forças de segurança, que agem tanto
em separado como em conjunto. São em torno de 8 milhões de hectares
de terras (14% do território) adquiridos ilegalmente, devido a
interesses políticos e econômicos, incluindo poderosos grupos
empresariais nacionais e internacionais.
Outro problema preocupante é a condição das
mulheres e meninas. 45% das famílias que são vítimas têm como
"cabeça” uma mulher, que é mais vulnerável aos abusos
sexuais, sendo, em alguns casos, forçada a se prostituir.
A impunidade é um dos fatores determinantes para o
fracasso da lei. A informalidade da propriedade da terra também
facilita a expulsão das pessoas de seus territórios e, quando
somada ao conflito armado, torna-se difícil determinar o valor da
terra em termos monetários.
Menos de 30 mil hectares foram devolvidos aos
respectivos donos. Somente um pequeno percentual se comparado aos 8
milhões de terras roubadas. A maioria dos casos de restituição é
de pessoas que já retornaram às terras e esperam apenas uma
formalização da posse.
O informe da Anistia revela que a concentração de
terra na Colômbia é uma das mais altas do mundo. Cerca de 1% dos
proprietários possuem mais da metade das terras agrícolas do país,
enquanto que os pequenos proprietários, a maioria de camponeses
pobres equivalente a três quartos de todos os proprietários de
terras, ocupam somente 10% das áreas agrícolas. Segundo o Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a Colômbia
registra uma das taxas mais altas de desigualdade na propriedade
rural na América Latina e no mundo, consequência histórica das
políticas públicas, do narcotráfico e de grupos armados fora da
lei.
Entre as diversas recomendações, o relatório
destaca que seja ampliado em 10 anos o prazo de aplicação da Lei nº
1448 para garantir que se respeite o direito de restituição a todos
os reclamantes de terras.Sugere ainda que seja implementado um
programa de proteção para os reclamantes e ativistas, baseado em um
modelo coletivo e de direitos humanos. Reforça também que sejam
assegurados recursos adequados para que os órgãos estatais possam
garantir, de maneira efetiva, o direito de reparação integral às
vítimas do conflito.