Acerca da fraudulenta tentativa de fazer um político preso se passar por preso político
por
Gustavo Marun *
Em
países como a Venezuela e a Bolívia, onde o poder popular está
sendo aprofundado a cada dia, políticos, assim como quaisquer
cidadãos, vão presos. É algo louvável e deixa envergonhado o
Brasil, que costuma prender inocentes pobres e deixar livres
banqueiros, juízes, magnatas e políticos criminosos.
O
caso do senador boliviano Roger Pinto Molina é emblemático. A
despeito de seu poder e influência, foi devidamente processado e
condenado, em consequência de diversas acusações, que vão
desde venda irregular de terras públicas, passando por remessa
ilegal de fundos públicos, favorecimento de bingos e cassinos
irregulares, até assassinato, sendo apontado como um dos
responsáveis pelo massacre de camponeses de Pando, em 2008. [1]
Mas
eis que a impunidade corriqueira, movida por identidade de classe dos
senhores do Brasil, ousou extravasar nossas fronteiras, num golpe
contra o direito e a diplomacia internacionais.
A
ação orquestrada pela poderosa direita daqui foi capaz de fazer de
um diplomata um mero subalterno, pondo a serviço dessa aventura de
conivência com o crime inclusive forças regulares do Brasil.
Para
se ter noção do tamanho absurdo, ilustremos uma situação
hipótetica análoga a essa. Suponhamos que nosso judiciário venha a
condenar Paulo Maluf, e que este consiga se refugiar na embaixada
estadunidense. Imaginemos agora o nível de indignação que
ficaríamos caso os funcionários dessa embaixada escoltassem o
suposto preso em fuga, de forma clandestina, até os EUA.
Não
foi mera coincidência a recepção calorosa na fronteira, o
transporte em avião particular, nem a primeira aparição pública
do fugitivo justamente nos estúdios da Globo News
(aliás,
por que “News”
em
vez de “Notícias”?). A Globo é a pedra angular do Instituo
Millenium (braço político que representa o cartel das mídias mais
conservadoras de nosso país). É a mesma Rede Globo que sonegou mais
de R$ 600 milhões da Receita Federal. Que apoiou a ditadura ao longo
de seus mais de 20 anos. Que fez campanha para eleger o corrupto
Collor e soltar o mafioso Daniel Dantas. Que insistiu em transformar
os torcedores presos na mesma Bolívia em vítimas inocentes, somente
para forçar um problema diplomático e vender a falsa imagem de
"ditadura" boliviana que ninguém engole. E se fingem de
mortos agora que os mesmos torcedores são flagrados novamente
efetuando agressões nos estádios.
Pois
dessa vez erraram no cálculo. Estava tudo preparado para um grande
mise-en-scéne,
no qual a aliança Globo, DEM, PSDB e setores mais reacionários do
PMDB levariam o gatuno até o Senado para ser ovacionado pela
oposição de direita conservadora. Porém não contavam que a
opinião pública hoje não mais segue a opinião publicada, como
diria Rafael Correa. O povo brasileiro logo sentiu o cheiro de
armação, e não comprou a versão fajuta de defesa de um político
corrupto.
Restou
à decadente imprensa burguesa por seu exército de articuladores,
colunistas e aliados da academia para remoer a questão, com seus
pontos-de-vista preconceituosos e xenófobos.
Não
faltaram opiniões que têm como parâmetro supostos papéis
inevitáveis de dominação x submissão no relacionamento
diplomático e comercial entre países, deixando claro o lugar em que
a Bolívia deveria estar em relação ao Brasil. "Insignificantes"
- foi como rotulou o país e o povo irmão uma "intelectual"
da USP. Ocorre que, aqueles que não admitem outros tipos de papéis
a serem assumidos na interação entre nações (subjugar x
obedecer), sabem bem onde se encaixaria o Brasil em relação a
outros países mais poderosos de acordo com seu torto paradigma
mental. Parafraseando Chico Buarque, quem fala grosso com a Bolívia,
fala fino com os EUA. Freud e Theresa Berkley explicam. Num
malabarismo desonesto, dizem que a política de respeito e equidade
perante a soberana Bolívia não passa de uma covardia ou afinidade
ideológica. Não suportam a digna simetria de relações entre
países diferentes.
A
bem da verdade, jamais engoliram um indígena como chefe de uma
nação. Preconceito. Simples e baixo. Ódio de classe, destilado sem
culpa, contra um povo que resolveu erguer-se e reagir à dominação
secular. Ignorância diante de riqueza multicultural ímpar de nosso
país irmão. País este que tem sido vanguarda com relação à
preservação de culturas nativas ancestrais, ao respeito ao
ambiente, à seriedade e firmeza com a proteção de suas riquezas
naturais, aos passos iniciais na busca pelo fim da sociedade de
classes… Pelo visto, o Brasil tem muito a aprender com a Bolívia.
*
Diretor da Casa da América Latina e militante do PCB (RJ)