Capitalismo contemporâneo, imperialismo e agressividade
Por Edmilson Costa *
O imperialismo está tão dependente da indústria armamentista que, sem a
produção de armas, não só o complexo militar industrial iria à falência, mas o
próprio sistema imperialista entraria em colapso, uma vez que parcela
expressiva de sua indústria está ligada à cadeia de produção das armas. Isso
demonstra também o nível de degeneração a que chegou o imperialismo
contemporâneo: só consegue continuar respirando se mantiver e desenvolver a
indústria da morte.
O imperialismo é um fenómeno
identificado pelos clássicos desde a segunda metade do século XIX e significou
a passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista e a emergência
de uma nova classe social, a oligarquia financeira [1] . Nessa nova fase do
capitalismo, onde os trustes e cartéis passaram a dominar as economias de cada
País e, posteriormente, a economia mundial, um conjunto de fenómenos novos vêem
marcar esta fase do desenvolvimento deste modo de produção, especialmente a
partilha económica e territorial do mundo entre os principais centros
imperialistas, quando as potências capitalistas ocuparam e passaram a colonizar
parte considerável da África, Ásia e América Latina.
Esse movimento do capital monopolista
tinha como objectivo transformar essas regiões em retaguarda especial do
imperialismo, fonte de matérias-primas, mercados para a venda de mercadorias,
esferas de aplicação do capital, fonte de rendimentos monetários, espaços
militares estratégicos e reserva de mão-de-obra para as metrópoles. Com essa
estratégia, as regiões colonizadas se transformaram em pilares fundamentais
para o desenvolvimento da produção capitalista.
Com o domínio económico e político do
mundo, tornou-se mais fácil ao grande capital monopolista hegemonizar o
aparelho de Estado, que passou a realizar sua política levando em conta
fundamentalmente os interesses dessa nova classe social. Em outras palavras, o
Estado relevou a um segundo plano os interesses gerais do capital para se
transformar em instrumento da oligarquia financeira e de seus monopólios.
Mas o desenvolvimento do capitalismo e
a consolidação dos monopólios não eliminou a concorrência, apenas a colocou em
novo patamar. Os monopólios continuaram a travar uma dura luta pela partilha
das esferas de influência. Essa luta por mercados e controle das fontes de
matérias-primas se tornou a causa principal causa das guerras, pois os
monopólios pressionavam seus respectivos governos para aventuras militares
visando uma nova correlação de força na partilha económica do mundo. A primeira
e a segunda guerra mundial foram em grande parte fruto da ganância do capital
monopolista.
Após a segunda guerra mundial e, especialmente a partir dos anos 60, com a descolonização, o capital monopolista passou por transformações extraordinárias, pois a própria necessidade de expansão o impulsionou a uma nova relação entre centro e periferia. A partir de então, as corporações transnacionais, mediante a implantação de filiais produtivas na periferia, começaram a extrair generalizadamente o valor fora de suas fronteiras nacionais, ou seja, passaram a produzir fisicamente nas regiões até então produtoras de matérias-primas, enquanto o sistema bancário também se internacionalizava.
Após a segunda guerra mundial e, especialmente a partir dos anos 60, com a descolonização, o capital monopolista passou por transformações extraordinárias, pois a própria necessidade de expansão o impulsionou a uma nova relação entre centro e periferia. A partir de então, as corporações transnacionais, mediante a implantação de filiais produtivas na periferia, começaram a extrair generalizadamente o valor fora de suas fronteiras nacionais, ou seja, passaram a produzir fisicamente nas regiões até então produtoras de matérias-primas, enquanto o sistema bancário também se internacionalizava.
Esse fenómeno da mundialização da
economia, conhecido como globalização, transformou o capitalismo num sistema
mundial completo, constituindo-se assim uma nova fase do imperialismo, pois
agora o capital monopolista tornaria o planeta numa esfera única de produção,
financiamento e realização das mercadorias, e a própria oligarquia financeira
passaria a explorar directamente os trabalhadores do centro e da periferia. Com
a apropriação do valor fora das fronteiras nacionais a burguesia imperialista
tornou-se uma classe exploradora directa do proletariado mundial.
“Até o período anterior à globalização,
o capitalismo era completo apenas em relação a duas variáveis da órbita da
circulação – o comércio mundial e a exportação de capitais. Mas, ao expandir a
globalização para as esferas produtiva e financeira, bem como para outros
sectores da vida social, o sistema unificou globalmente o ciclo do capital,
fechando assim um processo iniciado com a revolução inglesa de 1640″ (Costa,
2002).
Esta nova fase do imperialismo viria a
ganhar contornos mais definitivos com a ascensão dos governos Reagan e
Thatcher, respectivamente nos Estados Unidos e Inglaterra. Aproveitando-se da
crise do keynesianismo, desenvolveram uma ofensiva mundial no sentido de impor
ao mundo a agenda neoliberal, que rapidamente se transformou em política
oficial nos países centrais e, posteriormente, se espalhou para os outros
países capitalistas.
A nova agenda invertia os fundamentos típicos da regulação keynesiana e em seu lugar colocava na ordem do dia o mercado como instrumento regulador das novas relações económicas e sociais, a desregulamentação da economia, as privatizações das empresas estatais, liberalização dos mercados e dos fluxos de capitais, cortes nos gastos públicos e nos fundos previdenciários, além de uma ofensiva contra direitos e garantias dos trabalhadores.
A nova agenda invertia os fundamentos típicos da regulação keynesiana e em seu lugar colocava na ordem do dia o mercado como instrumento regulador das novas relações económicas e sociais, a desregulamentação da economia, as privatizações das empresas estatais, liberalização dos mercados e dos fluxos de capitais, cortes nos gastos públicos e nos fundos previdenciários, além de uma ofensiva contra direitos e garantias dos trabalhadores.
Essas novas directrizes produziram
enorme impacto na dinâmica do capitalismo: o sector mais parasitário do
imperialismo passou a hegemonizar as relações económicas e políticas no
interior dos governos neoliberais e impor ao mundo o primado das finanças
globalizadas, estimuladas pela liberalização financeira e irrestrita mobilidade
dos capitais. A partir daí este sector da oligarquia financeira subordinou
todas as outras fracções do capital e impôs a lógica das finanças não só para
os negócios financeiros, mas também para as empresas produtivas e para o
Estado, cujas receitas orçamentárias foram capturadas em grande parte por essa
fracção do capital.
Ancorados pelas tecnologias da
informação cada vez mais desenvolvidas, pela generalização dos computadores e
da internet, o pólo financeiro do capital imperialista transformou o mundo num
imenso casino especulativo, no qual os novos produtos financeiros foram sendo criados
numa velocidade proporcional à criatividade do sistema liberalizado, num
frenesi especulativo que se retroalimentava como numa dança de doidivanas.
Nessa nova lógica, a captura da renda
mundial deveria encilhar todos os sectores da economia, que agora passariam a
operar a partir da lógica das finanças. Assim, as empresas consolidaram a
reestruturação produtiva, com produção sem gordura, círculos de controlo de
qualidade, qualidade total, restrição à actividade sindical, tudo isso para
ampliar as taxas de lucro e aumentar a distribuição de dividendos para os
accionistas, ávidos por lucros semelhantes aos da órbita financeira.
Os Estados também caíram na malha da
apropriação financeira, em função do endividamento realizado a taxas de juros
elevadas. Dessa forma, foram obrigados a comprometer parcelas cada vez maiores
dos orçamentos para pagar os serviços da dívida. Como esses serviços exigiam
cada vez mais recursos, os Estados cortaram os gastos públicos, salários de
funcionários e verbas sociais para atender o apetite voz do pólo financeiro do
imperialismo.
Imperialismo, crise e
guerra
Essa conjuntura em que as finanças
hegemonizaram a dinâmica da nova fase do imperialismo criou uma enorme
desproporção entre o sector real da economia, aquele que produz e gera valor, e
a órbita financeira, que não cria riqueza nova. Para se ter uma ideia, antes da
crise sistémica global que emergiu com a queda do Lehmann Brothers, o volume de
recursos que circulava na órbita financeira era mais de 10 vezes maior que a
produção mundial, fato que por si só já prenunciava uma crise de grandes
proporções, uma vez que uma situação dessa ordem não poderia se sustentar por
muito tempo, afinal a produção do mais-valor era deveras insuficiente para
remunerar os lucros do sector financeiro.
Ao mesmo tempo em que avançava sobre os
arcabouços do Estado do Bem Estar Social, o património público e os direitos e
garantias dos trabalhadores, o imperialismo incrementava sua política
agressiva, buscando combinar aceleradamente uma recuperação das taxas de lucro
na área produtiva, a apropriação da renda mundial pelas finanças e o
fortalecimento do complexo industrial militar, conjuntura que foi facilitada
pelo colapso da União Soviética.
Assim, Reagan invadiu Granada, o
Panamá, onde depôs e prendeu o presidente local e insuflou guerras regionais
como na Nicarágua. A política guerreira continuou nas outras administrações,
independentemente se democratas ou republicanas, uma vez que o desenvolvimento
do complexo industrial militar é condição imprescindível para a manutenção do
imperialismo. A escalada guerreira continuou com a invasão ao Iraque, sob o
pretexto de que Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa, o que
depois se verificou que era uma falsidade. Na verdade, o que os Estados Unidos
objectivavam era se apossar das imensas jazidas de petróleo daquele país.
Vale ressaltar que o imperialismo está
tão dependente da indústria armamentista que, sem a produção de armas, não só o
complexo industrial militar iria à falência, mas o próprio sistema imperialista
entraria em colapso, uma vez que parcela expressiva de sua indústria está
ligada à cadeia de produção das armas. Isso demonstra também o nível de
degeneração a que chegou o imperialismo contemporâneo: só consegue continuar
respirando se mantiver e desenvolver a indústria da morte.
Mas o acontecimento que proporcionou as
condições objectivas para um salto de qualidade na agressividade imperialista
dos Estados Unidos foi o ataque às torres gémeas. Este atentado foi o mote que
o governo Bush encontrou para institucionalizar e desenvolver novas facetas de
sua política guerreira, agora sob o pretexto de combate ao terrorismo. Na
verdade, com a chamada política antiterrorista o imperialismo militarizou a
política e impôs ao mundo uma agenda de luta antiterrorista que se desdobrou
não apenas na invasão ao Afeganistão, mas também na violação ao direito
internacional, à soberania dos países, a construção de exércitos privados para
realizar o trabalho sujo nas guerras contra povos e organizações contrárias à
política norte-americana no mundo.
O mundo tomou conhecimento estarrecido
das torturas nas prisões de Abu Ghriab e de Guantánamo, dos sequestros e
assassinatos de líderes contrários à política norte-americana e das prisões
clandestinas ao redor do mundo. Ao contrário do que se poderia imaginar, o
governo norte-americano justificava essas acções como parte da luta
antiterrorista, necessário para a protecção de seus cidadãos. O então
vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney, afirmou sem cerimónia em
entrevista aos meios de comunicação que os métodos utilizados para obter
informações (as mais bárbaras torturas) livraram o povo norte-americano de
vários atentados.
O ensandecimento chegou a tal ponto que
o secretário de Justiça dos Estados Unidos não só justificou abertamente a
tortura como buscou fórmulas para legalizá-la. Todas essas acções eram de
conhecimento do ex-presidente Bush, que inclusive assinava resoluções secretas
para que os agentes pegos em flagrante não fossem punidos judicialmente. Por
essas medidas se pode avaliar o nível de degeneração moral a que chegou o
imperialismo: não se tratava de acções isoladas de funcionários estressados no
teatro de operações, mas de ordens da própria cúpula imperialista que nesta
fase do capitalismo perdeu qualquer referência em relação à humanidade.
Quem imaginava que o imperialismo iria
reduzir sua máquina militar com a queda da União Soviética se enganou. O
imperialismo está muito mais agressivo actualmente que no passado e possui hoje
a mais poderosa e sofisticada máquina militar que o planeta já teve
conhecimento. Porta-aviões gigantescos, submarinos atómicos, aviões invisíveis,
bombas guiadas a laser, superbombardeiros, frota de aviões não tripulados
(drones), helicópteros sofisticados, tanques de última geração, além de mais de
500 bases militares espalhadas pelo mundo e um aparato de espionagem maior do
que as pessoas que vivem hoje em Washington. Tudo isso para sustentar a
política do grande capital.
No entanto, a crise sistémica mundial
veio adicionar mais um ingrediente fundamental para a política agressiva do
imperialismo. Desesperado diante da dramática situação económica, da recessão,
do desemprego crónico e dos protestos que estão ocorrendo pelo mundo contra a
os ajustes determinados pelo capital, o governo norte-americano vem realizando
provocações contínuas contra o Irã, a Coreia do Norte e, recentemente,
conseguiu envolver vários países da União Europeia em sua aventura militar na
Líbia, onde destruíram fisicamente o País, mataram seus principais dirigentes e
agora começam a se apossar das imensas jazidas de petróleo locais, sob o olhar
complacente dos títeres que colocaram no poder.
Agora os Estados Unidos se voltam para
Síria. O cenário foi montado para que a história se repetisse, mas a
resistência do exército sírio, que desalojou os mercenários de várias regiões
do País, derrotou essa primeira ofensiva imperialista. Derrotado o campo de
batalha, os Estados Unidos tentaram legalizar a invasão, mas a Rússia e a China
vetaram uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que abria espaço para a
intervenção no País. Agora, estamos na iminência de uma invasão da Síria, sob o
pretexto bizarro de que o governo teria lançado armas químicas contra a
população, quanto se sabe que este episódio foi montado pela CIA para
justificar a agressão. Desesperado, sem apoio internacional que esperava, o
imperialismo pode realizar a intervenção a qualquer momento, mas as
consequências podem ser dramáticas, tanto para o povo sírio, quanto para o
Oriente Médio e para o próprio imperialismo, inclusive com o aprofundamento da
crise sistémica global no interior dos Estados Unidos.
Como a política guerreira já é uma
necessidade do imperialismo para desenvolver suas forças produtivas, nas épocas
de crises profundas como a que estamos presenciando agora, a fúria belicista do
imperialismo se torna ainda maior. Por isso, pode-se esperar tudo nesta
conjuntura, pois o imperialismo está ferido e vai querer sair da crise de
qualquer forma, nem que para isso coloque em xeque a existência da própria
espécie humana. Para a humanidade, resta uma saída que vai significar sua
própria sobrevivência: derrotar o imperialismo, superar o capitalismo e
construir uma outra sociabilidade sobre os escombros desta velha ordem.
Bibliografia
consultada
Bukharine, N. O imperialismo e a economia mundial. Coimbra: Centelha, 1976.
Costa, E. A globalização e o capitalismo contemporâneo. (São Paulo: Expressão Popular, 2009)
————— Imperialismo. São Paulo: Global Editora, 1986.
Lénine, V. Imperialismo fase superior do capitalismo. Lisboa: Avante, 1976.
Luxemburg, R. A acumulação do capital. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
Hilferding, R. O capital Financeiro. São Paulo: Abril Cultural, 1985
Hobson, J. A. A evolução do capitalismo. São Paulo: abril cultural, 1985
[1] Para uma melhor compreensão dos clássicos do imperialismo, consultar: Hobson, A Evolução do capitalismo (Nova Cultural, 1983); Hilferding, O capital financeiro (Nova Cultural, 1938); Lénine, Imperialismo, fase superior do Capitalismo (Avante, 1984); Rosa de Luxemburg, A acumulação do Capital (Nova Cultural, 1983);e Bukharin, O imperialismo e a economia mundial (Centelha, 1976). Para uma versão mais popular, consultar Edmilson Costa, Imperialismo (Global, 1989).
Bukharine, N. O imperialismo e a economia mundial. Coimbra: Centelha, 1976.
Costa, E. A globalização e o capitalismo contemporâneo. (São Paulo: Expressão Popular, 2009)
————— Imperialismo. São Paulo: Global Editora, 1986.
Lénine, V. Imperialismo fase superior do capitalismo. Lisboa: Avante, 1976.
Luxemburg, R. A acumulação do capital. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
Hilferding, R. O capital Financeiro. São Paulo: Abril Cultural, 1985
Hobson, J. A. A evolução do capitalismo. São Paulo: abril cultural, 1985
[1] Para uma melhor compreensão dos clássicos do imperialismo, consultar: Hobson, A Evolução do capitalismo (Nova Cultural, 1983); Hilferding, O capital financeiro (Nova Cultural, 1938); Lénine, Imperialismo, fase superior do Capitalismo (Avante, 1984); Rosa de Luxemburg, A acumulação do Capital (Nova Cultural, 1983);e Bukharin, O imperialismo e a economia mundial (Centelha, 1976). Para uma versão mais popular, consultar Edmilson Costa, Imperialismo (Global, 1989).
[*] Doutorado em Economia pela Unicamp, com pós-doutorado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da mesma instituição. É autor de Imperialismo (Global Editora, 1987), A política salarial no Brasil (Boitempo Editorial, 1987), Um projecto para o Brasil (Tecno-Científica, 1988), A globalização e o capitalismo contemporâneo (Expressão Popular, 2009) e A crise económica mundial, a globalização e o Brasil (no prelo), além de ter ensaios publicados no Brasil e exterior.