Agentes da CIA conseguem atuar livremente no Brasil
15/09/2013
Por Marco Antônio Martins
Publicado
por Folha.
Pelo menos uma vez por semana, dois
agentes da CIA, a agência de inteligência dos Estados Unidos,
chegam a um dos prédios da Polícia Federal em Brasília, no setor
policial sul da capital.
Em menos de cinco minutos, eles
passam pela portaria e se dirigem a uma reunião em um dos edifícios
onde ficam os cerca de 40 agentes brasileiros da Divisão
Antiterrorismo (DAT).
A desenvoltura dos americanos não é
por acaso: ali, os computadores, parte dos equipamentos e até o
prédio, dos anos 90, onde estão reunidos e trabalham os policiais
que investigam terrorismo no Brasil, foram financiados pelos EUA.
Nas duas últimas semanas, a Folha
entrevistou policiais federais, militares da inteligência do
Exército e funcionários do Gabinete de Segurança Institucional
(GSI) da Presidência da República.
Todos admitem que os acordos de
cooperação entre a Embaixada dos EUA e a PF são uma formalidade. E
que, na prática, os americanos têm atuação bastante livre em
território brasileiro. Procurada, a Embaixada dos EUA no Brasil não
se pronunciou.
Segundo a Folha apurou, a
atuação da inteligência americana no Brasil não se limita à
espionagem eletrônica, revelada em documentos do ex-analista da NSA
(Agência de Segurança Nacional) Edward Snowden.
Os americanos estão espalhados pelo
país atrás de informações sobre residentes no Brasil, brasileiros
ou não. Eles dão a linha em investigações e apontam quem deve ser
o alvo dos policiais federais, dizem essas fontes.
Na prática, os americanos acabam se
envolvendo em operações das mais diversas.
Em 2004, por exemplo, a Operação
Vampiro, que desmantelou uma quadrilha que atuava em fraudes contra o
Ministério da Saúde na compra de medicamentos, teve participação
da CIA.
Em 2005, os americanos estiveram
diretamente envolvidos no rastreamento do lutador de jiu-jítsu
Gouram Abdel Hakim, suspeito de pertencer a uma célula da rede
terrorista Al Qaeda.
POLÊMICA
A parceria entre a Embaixada dos EUA
e a Polícia Federal --formalizada por meio da assinatura de um
memorando em 2010, mas ativa na prática desde muito antes disso-- é
polêmica.
Um de seus críticos é o
ex-secretário nacional Antidrogas Walter Maierovitch. "Opinei
pela não oficialização do convênio, em relação às drogas,
porque era um acobertamento para a espionagem desenfreada, sem
limites", lembra Maierovitch.
À época, a justificativa para o
convênio era que o auxílio entre americanos e brasileiros serviria
para o combate às drogas. Depois do 11 de Setembro, no entanto, o
foco passou a ser o terrorismo.
Os americanos mantêm escritórios
próprios no Rio, com a justificativa da realização da Copa do
Mundo e da Olimpíada de 2016, e em São Gabriel da Cachoeira, no
Amazonas, para vigiar a atuação das Farc (Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia) na fronteira.
"O que mais tem é americano
travestido de diplomata fazendo investigação no Brasil",
afirma o policial federal Alexandre Ferreira, diretor da Fenapef
(Federação Nacional dos Policiais Federais).
Cinco bases da PF para o combate ao
terrorismo funcionam hoje no país --no Rio, em São Paulo, em Foz do
Iguaçu e em São Gabriel da Cachoeira. Todas contam com equipamentos
e tecnologia da CIA para auxiliar nos trabalhos, e há agentes
americanos atuando em parceria com os brasileiros.
"O problema não é a parceria.
O problema é do Brasil, que não faz o dever de casa e não se
protege contra esse 'amigo' que busca, na verdade, seus interesses",
diz o professor Eurico Figueiredo, do Instituto de Estudos
Estratégicos da UFF (Universidade Federal Fluminense).
*
ATUAÇÃO DA CIA NO BRASIL
O ACORDO
O acordo entre a Polícia Federal e a Embaixada dos Estados Unidos foi formalizado em 2010
O acordo entre a Polícia Federal e a Embaixada dos Estados Unidos foi formalizado em 2010
REPRESENTANTES
Quem representa o governo americano no acordo é a CIA, a Agência Central de Inteligência. Na PF é a Divisão Antiterrorismo (DAT)
Quem representa o governo americano no acordo é a CIA, a Agência Central de Inteligência. Na PF é a Divisão Antiterrorismo (DAT)
OBJETIVO
A cooperação técnica prevê intercâmbio, compartilhamento, transferência de conhecimento, apoio de qualquer natureza e fomento de programas, projetos e ações voltados para o combate ao terrorismo
A cooperação técnica prevê intercâmbio, compartilhamento, transferência de conhecimento, apoio de qualquer natureza e fomento de programas, projetos e ações voltados para o combate ao terrorismo
INVESTIMENTO
O acordo não prevê financiamento de nenhum programa
O acordo não prevê financiamento de nenhum programa
BENEFÍCIOS
Policiais federais contam que os computadores do DAT foram doados pelos americanos. Em cursos nos Estados Unidos, os policiais brasileiros ganham dos americanos a hospedagem e o aluguel de carros durante o período de estudo
Policiais federais contam que os computadores do DAT foram doados pelos americanos. Em cursos nos Estados Unidos, os policiais brasileiros ganham dos americanos a hospedagem e o aluguel de carros durante o período de estudo
DAT/CIA
As unidades dividem três bases no país: São Paulo, Foz do Iguaçu (PR) e São Gabriel da Cachoeira (AM). As reuniões semanais em Brasília acontecem em prédio construído com ajuda dos americanos na década de 1990
As unidades dividem três bases no país: São Paulo, Foz do Iguaçu (PR) e São Gabriel da Cachoeira (AM). As reuniões semanais em Brasília acontecem em prédio construído com ajuda dos americanos na década de 1990
DENTRO DA LEI
Os agentes do DAT buscam autorização judicial e assim investigam ações de possíveis grupos terroristas no país a partir de informações passadas pela CIA
Os agentes do DAT buscam autorização judicial e assim investigam ações de possíveis grupos terroristas no país a partir de informações passadas pela CIA
ZONA CINZA
Assim são chamadas pelos policiais federais algumas técnicas dos espiões americanos no país: invasão de sistemas, compra de informações e suborno de funcionários de empresas públicas ou privadas
Assim são chamadas pelos policiais federais algumas técnicas dos espiões americanos no país: invasão de sistemas, compra de informações e suborno de funcionários de empresas públicas ou privadas
DIPLOMACIA
Alguns espiões têm cargos na embaixada americana em Brasília ou nos consulados do Rio, de São Paulo, Porto Alegre (RS), Recife (PE), Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Fortaleza (CE), Salvador (BA) e Manaus (AM)
Alguns espiões têm cargos na embaixada americana em Brasília ou nos consulados do Rio, de São Paulo, Porto Alegre (RS), Recife (PE), Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Fortaleza (CE), Salvador (BA) e Manaus (AM)