25 verdades sobre Cristina Kirchner: fundos abutres e o sistema financeiro mundial
Por Samim Lamrani*
1.
A ausência de uma política multilateral internacional “efetiva,
concreta e democrática” é o principal perigo para a paz no mundo
e explica a maioria dos problemas vinculados ao terrorismo, à
segurança, à soberania, à integridade territorial, assim como os
problemas econômicos e financeiros atuais que assolam o planeta. Os
Estados Unidos, com seu unilateralismo, são, em grande parte,
responsáveis pela situação atual.
2.
A Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a resolução nº
68/304 relativa à criação de uma Convenção Multilateral
encarregada de estabelecer um enquadramento jurídico para a
reestruturação das dívidas soberanas das nações. Com uma maioria
de 124 votos, essa decisão ilustra a vontade majoritária da
comunidade internacional e o isolamento dos países desenvolvidos. A
reestruturação da dívida é um processo indispensável para evitar
a quebra das economias do Terceiro Mundo. Sem reestruturação, os
países do Sul caminham rumo a uma morte segura. E “os mortos não
pagam suas dívidas.”
3.
As grandes potências e as instituições financeiras não podem
continuar saqueando impunemente as riquezas dos países do Sul e
exigir o reembolso de uma dívida que já foi paga várias vezes.
Para cada dólar emprestado, a América Latina já reembolsou mais de
7 dólares e continua sobrecarregada com o peso da dívida. A
responsabilidade pela dívida não recai somente sobre o devedor, mas
também sobre os credores, isto é, sobre os principais organismos
financeiros e os bancos privados. A dívida dos países do Sul foi
contraída com taxas exorbitantes e é impagável em seu estado
atual. Impuseram taxas de juros de até 14% à Argentina.
4.
A ditadura militar de 1976 contraiu uma parte da dívida externa da
Argentina. Portanto, é ilegítima e moralmente impagável.
5.
A onda neoliberal dos anos 1980 e 1990, imposta pelas instituições
financeiras internacionais, com as privatizações massivas dos
setores energéticos da economia nacional, uma desregulação sem
precedentes e um desmantelamento do Estado de bem-estar levou o país
ao desastre em 2001. Enquanto o FMI (Fundo Monetário Internacional)
e o Banco Mundial apresentavam a Argentina como o melhor aluno do
continente, as políticas neoliberais foram um fracasso total. Em
2001, a Argentina sofreu uma grave crise econômica, semelhante à
crise que assolaria o mundo em 2008, cujos efeitos ameaçam hoje as
economias emergentes. O país declarou moratória com uma dívida que
representava 160% do PIB. Somou-se à crise econômica uma grave
crise política que viu a Argentina mudar cinco vezes de presidente
em uma semana. As instituições financeiras internacionais, o Fundo
Monetário Internacional e o Banco Mundial, responsáveis pela
tragédia econômica e política, abandonaram o povo argentino à
própria sorte. É necessário reformar radicalmente o Fundo
Monetário Internacional, uma vez que suas políticas de ajuste
estrutural levaram a economia mundial ao abismo.
6.
Em 2003, o presidente Néstor Kirchner exigiu que os principais
responsáveis pela crise — ou seja, o FMI, o Banco Mundial e os
principais credores — assumissem as consequências de seus atos.
Eleito com 22% dos votos, ele se encarregou da economia do país para
enfrentar uma taxa de desemprego de 25%, uma taxa de pobreza de 54%,
uma taxa de indigência de 27%, e um sistema de educação e de saúde
totalmente desmantelados. Desde 2003, graças à uma política
econômica voluntarista, na qual o Estado desempenhou um papel
importante, nacionalizando uma parte de seus recursos energéticos e
rejeitando o fundamentalismo neoliberal, a Argentina conseguiu criar
milhões de empregos, estabelecer um sistema de aposentadorias
eficiente e um crescimento anual do PIB de 6% em média. O governo
Kirchner dedicou os novos recursos à infraestrutura do país com a
construção de rodovias, escolas, centrais nucleares e
hidrelétricas, redes elétricas e sistemas de distribuição de água
potável em todo o país. Colocou o cidadão argentino no centro do
projeto de inclusão social e a pobreza e a indigência ficaram
abaixo do limiar de 10%.
7.
Apesar da adoção de uma política econômica em desacordo com o que
preconizam os organismos financeiros internacionais adeptos do
neoliberalismo, o FMI reconheceu que o crescimento econômico da
Argentina entre 2004 e 2011 era o melhor da América Latina e estava
entre os três melhores do mundo, atrás da China e da Bulgária. Da
mesma maneira, a Argentina dispõe hoje, segundo o FMI, do melhor
poder aquisitivo e da melhor renda de aposentadorias da América
Latina.
8.
De 2003 a 2014, a Argentina dedicou mais de US$ 190 milhões ao
reembolso da dívida externa contraída pelos governos anteriores.
Carca de 92,3% dos credores aceitaram uma reestruturação da dívida
em 2005 e receberam pagamentos regulares desde então. A Argentina
reembolsou o total de sua dívida com o FMI. A Argentina também
conseguiu, em 2014, um acordo para a reestruturação de uma dívida
contraída em 1956 com o Clube de Paris.
9.
Apesar das reticências iniciais, a empresa petroleira espanhola
Repsol, expropriada em 2012 no marco de uma política de recuperação
da soberania energética, aceitou a indenização de US$ 5 milhões
proposta pela Argentina, ou seja, metade do que exigia a
multinacional.
10.
Tudo isso pôde ser realizado com fundos próprios, já que a
Argentina não tem acesso aos mercados de capitais desde a crise da
dívida em 2001.
11.
“Esse processo de inclusão foi iniciado a partir da bancarrota
total e absoluta, em pleno default. Conseguimos recuperar o default,
conseguimos incluir os argentinos, conseguimos conquistar crescimento
social com inclusão, conseguimos nos desendividar e hoje, além
disso, temos um coeficiente de dívida entre os mais baixo do
planeta”, disse Cristina Kirchner na ONU.
12.
Os fundos abutres, fundos de pensão que exigem o reembolso integral
e imediato da dívida e que representam 1% dos credores, que não
aceitaram a reestruturação da dívida em 2005, representam um
perigo para a estabilidade financeira do mundo, já que ameaçam os
países mais frágeis que trabalham arduamente para lutar contra a
pobreza. “Hoje, a Argentina, com a cumplicidade do sistema judicial
do país, está sendo perseguida por esses fundos abutres”, disse
Cristina. O papel desses fundos abutres, segundo a expressão do
antigo primeiro-ministro britânico Gordon Brown, consiste em comprar
os títulos da dívida de países em moratória e dar início a um
processo judicial em distintas jurisdições para conseguir “lucros
exorbitantes”. Assim, depois de uma denúncia contra a Argentina,
esses fundos abutres conseguiram em um tribunal de Nova York
indenizações equivalentes a 16 vezes o total da dívida reclamada.
Esses fundos abutres põem em perigo a estabilidade financeira da
Argentina e ameaçam a reestruturação da dívida que foi realizada
em 2005 e em 2010 com 92,4% dos credores. De fato, o acordo estipula
que nenhum credor poderá conseguir um reembolso superior ao que
estabeleceu a maioria dos possuidores dos títulos da dívida
argentina.
13.
“Os fundos abutres, além, disso ameaçam e perseguem com ações a
economia do nosso país, provocando rumores, infâmias e calúnias
[...], de tal forma a atuar como verdadeiros desestabilizadores da
economia”, disse Kirchner.
14.
Cristina Kirchner: "É uma espécie de terrorismo econômico
e financeiro. Porque não apenas são terroristas os que andam
jogando bombas, também são terroristas econômicos os que
desestabilizam a economia de um país e provocam pobreza, fome e
miséria, a partir do pecado da especulação.”
15.
A Argentina foi vítima de dois atentados terroristas. Em 1992, uma
bomba destruiu a embaixada de Israel e, em 1994, outra bomba atingiu
a sede da Amia (Associação Mútua Israelita Argentina).
16.
O governo do presidente Néstor Kirchner foi o que mais agiu para que
se descobrissem os responsáveis pelos crimes. Todos os arquivos dos
serviços de inteligência foram desclassificados e criou-se uma
equipe de investigação dedicada a esse caso.
17.
“Quando, em 2006, a Justiça do meu país acusou cidadãos
iranianos de estarem implicados na explosão da Amia, foi ele [Néstor
Kirchner] o único presidente e depois eu também, que se atreveu a
propor, a pedir à República Islâmica do Irã, que colaborasse, que
cooperasse com a investigação”, pontuou Cristina Kirchner na ONU.
18.
Em 2011, o Irã aceitou a proposta de colaboração e um memorando de
acordo de cooperação judicial foi assinado entre os dois países.
19.
“O que aconteceu quando assinamos esse memorando? Pareceu que se
desataram demônios internos e externos. As instituições de origem
judaica, que nos acompanharam todos os anos, de repente se voltaram
contra nós [...] Nos acusam de cumplicidade com o Estado do Irã.”,
disse Cristina.
20.
Os supostos “combatentes da liberdade”, apoiados pelas potências
ocidentais, que tentavam derrubar ontem o governo de Bashar al Assad,
constituem hoje as tropas da EIIL (Estado Islâmico do Iraque e do
Levante, atualmente chamado só de Estado Islâmico) que ameaçam a
segurança em todo o Oriente Médio. Os Estados Unidos, a França e o
Reino Unido, membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas,
encarregado da paz no mundo, criaram o monstro. “Onde a Al Qaeda e
os talibãs apareceram, de onde tiram as armas, de onde tiram os
recursos?”, indagou Cristina.
21.
As grandes potências mudaram fácil demais “o conceito de
amigo-inimigo ou de terrorista-não terrorista”. Torna-se
impossível combater o terrorismo mediante a guerra. É necessário
trabalhar pela paz mundial.
22.
“Volto a reclamar, por favor, a essa Assembleia, o reconhecimento
definitivo da Palestina como um Estado integrante dessa Assembleia”.
A Palestina tem direito à proteção de sua população civil e de
não sofrer uma agressão “que já provocou a morte de centenas de
crianças e mulheres.”
23.
O uso da força deve ser proibido e convém respeitar a integridade
territorial das nações.
24.
As ilhas Malvinas são argentinas e é hora de o Reino Unido aceitar
essa realidade.
25.
É hora de reformar o Conselho de Segurança das Nações Unidas e
revogar o direito de veto das cinco grandes potências que são os
Estados Unidos, o Reino Unido, a França, a China e a Rússia. É
necessário que a Assembleia Geral das Nações Unidas recupere suas
prerrogativas, sem padecer da coação do Conselho de Segurança,
para que reine uma “verdadeira democracia global”, na qual cada
país represente uma voz.
* Doutor em Estudos Ibéricos e
Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim
Lamrani é professor-titular da
Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações
entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se chama 'The Economic
War Against Cuba. A Historical and Legal Perspective on the U.S.
Blockade', New York, Monthly Review Press, 2013, com prólogo de
Wayne S. Smith e prefácio de Paul Estrade.