A lição de Evo Morales
“O Papa
Francisco – diz Evo
Morales – tem posições
revolucionárias, é anticapitalista como eu, está com os fracos, é
uma nova esperança para a Igreja”.
O abraço e o encontro privado com o Papa
– um jantar na quarta-feira a noite que durou pouco mais de uma
hora e meia – abriram a visita de três dias do presidente
boliviano a Roma.
Reeleito em 12 de outubro com 60% dos votos, o indígena Evo
Morales é hoje na América
Latina o campeão da tendência
bolivariana, do “socialismo
do século XXI”. Mas foi
transformado graças a uma gestão pragmática da economia, com as
contas em ordem, com grandes reservas validadas pela exportação de
gás e petróleo. Com políticas de redistribuição de renda. E
um futuro promissor com a quinoa e o lítio.
A sua Bolívia
é, ao contrário de países com a Venezuela
pós chavismo e a Argentina,
um exemplo de sucesso político e econômico. Morales
inicia nestes dias o seu terceiro e último mandato sobre as asas do
triunfo eleitoral. Com o tempo – eleito em 2005 atenuou qualquer
radicalismo, mas insiste na necessidade de um mundo sem consumismo,
desperdício e luxos: “Nas zonas mais pobres do planeta – afirma
– morrem de fome milhões de seres humanos e ao mesmo tempo, na
parte mais rica da Terra,
se gastam milhões para combater
a obesidade e se jogam fora
toneladas de alimentos”. Muitos apaixonados pelo futebol,
torcedores do Roma,
fãs de Totti,
ontem a noite convenceu também o diretor geral da FAO
a se envolver em algum drible com ele e depois ir ao estádio ver o
Roma jogar.
A entrevista é de Omero
Ciai, publicada pelo “Corriere
della Sera”, 30-10-2014. A tradução
é de Ivan Pedro Lazzarotto.
Eis a entrevista.
Presidente é correta a análise segundo a
qual o seu melhor resultado foi aquele de reunificar politicamente a
Bolívia?
Sim, não existe mais duas Bolívias
de quando cheguei ao poder. Aquele dos índios dos Andes
e aquela dos descendentes europeus das planícies. No 12 de outubro
votaram todos por mim, vencemos em todas as regiões do país com
exceção de uma”
Como foi possível? Há pouco tempo se temia
uma secessão no seu país entre as áreas mais ricas e as áreas dos
Andes onde vivem os índios mais pobres. Nascia também um partido
que lutava pela independência da “meia-lua”, as quatro regiões
não andinas.
Não existe mais a meia-lua, nos transformamos em uma
lua cheia. Pra mim era muito importante a unidade do país. Não
somente a territorial mas também a cultural, sindical e social. Os
separatistas foram derrotados. Obtivemos este resultado trabalhando
junto com todas as cidades e movimentos sociais.
Outra coisa que surpreende é a situação
econômica. As contas estão em ordem, a inflação baixa, o
desemprego está próximo aos 3%, o PIL continua a aumentar. Até
mesmo o odiado FMI hoje indica a Bolívia como um modelo.
Me preocupa quando o Fundo
Monetário diz algo de positivo sobre
nós. Mas a verdade é que hoje somos nós que fornecemos receita e
exemplos de administração ao Fundo
e não mais eles a nós. O nosso ministro da Economia
não discute somente com o Fundo
Monetário, é convidado pelas
Universidades americanas para explicar o nosso modelo. E no que
consiste este nosso modelo? Superar a economia dos recursos naturais
e passar de uma economia de matérias primas a uma economia
industrial sem perder de vista os aspectos sociais.
Quando o senhor chegou à presidência em
2005 a Bolívia era um país em meio ao caos, existiam revoltas
contra a privatização das riquezas, os presidentes se mantinham
durante poucos meses, um chegou a fugir. O que mudou com a eleição
do primeiro índio nativo?
Penso que conseguimos mudar também a percepção do
fazer política. Antes do nosso governo a política era feita com
base nos interesses e nos negócios dos políticos, a elite branca
que saqueava o país. Para eles a política era a ciência de como
utilizar o povo. Para nós a política é a ciência de servir o
povo.
O senhor venceu na Bolívia, Dilma Rousseff
venceu no Brasil, o partido de Pepe Mujica no Uruguai, a Bachelet no
Chile. Existe uma esquerda na América Latina que demonstrou saber
governar...
Eu era agricultor, produtor de coca, cultivava folha
de coca e no meu país se dizia que os agricultores serviam apenas
para votar, jamais para governar. Demonstramos exatamente o
contrário. Na América Latina
existe um sentimento generalizado de liberdade democrática, de
rejeição as velhas políticas de dominação e apropriação
indébita do dinheiro público. Não digo um sentimento capitalista
mas certamente anticolonialista.
Acredita agora no “socialismo do século
XXI”?
Todos os países tem suas particularidades. Na
Bolívia
temos uma economia pluralizada muito atenta a reduzir as diferenças
de renda. Em menos de 10 anos a extrema pobreza reduziu de 38% a 18%
e cairá ainda mais. O desemprego está aos 3%. Tudo isso foi obtido
nacionalizando os recursos naturais que anteriormente eram saqueados.
No seu país ainda existe o problema do
trabalho infantil?
Existe uma diferença cultural. Comecei a trabalhar
com a minha família assim que aprendi a caminhar. Infelizmente
quando se é pobre as crianças ajudam as famílias. Reduzindo a
pobreza resolveremos este problema também.
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