Saudação às vítimas do conflito em sua terceira audiência.
La
Habana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 2 de outubro de 2014
Senhores
organizadores, saudações.
De
maneira especial, queremos expresar nossas boas-vindas aos
países garantidores das conversações de paz, Cuba e Noruega, e aos
acompanhantes Chile e Venezuela.
À
terceira delegação de Vítimas que hoje nos visita, nosso afetuoso
abraço pleno de esperança na paz.
Aos 6
milhões de almas que perambulam sem justiça por cidades e mais além
das fronteiras, aos deslocados da Colômbia, ausentes até hoje
nestas audiências de vítimas do conflito em Havana, de Los
Huyentes do
poeta Carlos Satizábal, o seguinte:
Caerá
sobre los ojos sin lágrimas, la sal del olvido
Y
sobre los labios mudos del grito, el barro de la locura.
Huiremos
por los campos arrasados, sin flores ni duelo
A
sepultar más hondo a nuestros muertos, con premura,
Espantando
a las bestias carroñeras del cielo
Y
a los perros hambrientos que devoran lo perdido
Y
aúllan a la luna los huesos desolados de sus amos.
Una
lluvia de arena roja quemará nuestros oídos
Y
el viejo olor de la muerte ahogará las huellas que pisamos.
Ni
el agua ni el viento ni la espuma de los venenos
Ni
el trueno de las bombas, podrán detenernos.
Lo
bello es horrible y lo horrible es bello,
A
través de la niebla, por el aire impuro vagaremos.
Haremos
nuevos caminos sobre la selva que se puebla.
Habrá
otro suelo y buenas semillas qué cultivar.
Otro
azul será el cielo y una casa nueva habitaremos,
Haremos
arepas frescas y pan de maíz frente al mar
Y
beberemos en las mañanas el café recién colado.
Somos
los huyentes que jamás se han ido. Los que nunca se van.
A
Delegação de Paz das FARC-EP estende seus braços com afeto às
vítimas do conflito que hoje nos falam de seu sofrimento, no marco
de uma longa confrontação política e armada, que deve terminar.
Não é
justo, não é justo sigamos nos matando, quando afrontamos na Mesa
de Conversações o cardeal assunto das vítimas. Porque não
queremos mais vitimizações coletivas nem pessoais, mantemos em meio
ao furacão da guerra que não desejamos, firme em nossas mãos, a
bandeira do armistício, convertida hoje em emblema de humanidade.
Não há razão política nem militar para manter a contumácia
criminal que nega o anseio nacional que exige o cessar-fogo, trégua
e paz. A guerra entre pobres deve terminar. Diríamos com Roque
Dalton que o pobre só é função de um sonho coletivo, um uniforme
repleto de suspiros recordando o arado.
Nestas
circunstâncias, tampouco haveria razão para guardar silêncio
frente à insensatez dos que novamente lançam ameaças contra os
defensores da paz e dos direitos humanos, precisamente quando
abordamos o ponto relativo a vítimas. Em menos de uma semana, no mês
de setembro, um grupo paramilitar ameaçou de morte, de maneira
reiterada, a 23 deles, entre os quais estão o senador do Polo
Democrático Alternativo [PDA] Iván Cepeda, a senadora do partido
Aliança Verde, Claudia López, e vários jornalistas. Dias depois
foram declarados “objetivos militares” nove defensores e
defensoras de direitos humanos.
A
intransigência e intolerância dos mencionados grupos criminosos, e
dos que se escondem atrás deles, vitimizou a toda a sociedade
colombiana desde há décadas, acusando de guerrilheiros e
assinalando como objetivos militares a todos aqueles que defendem os
direitos humanos, as vítimas, a imprescindível restituição de
terras, ou a paz.
Segundo
informou o Sistema das Nações Unidas em Colômbia, pelo menos 40
líderes sociais foram assassinados no transcorrer deste ano, três
deles nas últimas duas semanas. As vítimas são também dirigentes
de processos de restituição de terras, líderes indígenas,
jornalistas e representantes de movimentos e de partidos políticos.
Se trata de práticas criminais que buscam intimidar aos defensores
da paz e calar o clamor pela reconciliação da sociedade colombiana.
Não
será possível alcançar a concórdia enquanto haja mortos ou
pessoas que são ameaçadas por trabalhar contra a injustiça.
Expressamos
nossa solidariedade e apoio a estas novas vítimas e a seus
familiares e amigos, e reclamamos às autoridades colombianas que
ponham em marcha medidas eficazes para acabar com esta situação e
castigar os responsáveis.
Durante
anos, as FARC-EP aspiramos à construção de um Estado alternativo,
para o qual nos impusemos estritas normas de funcionamento e de
comportamento interno. E se estritas são estas, mais ainda são
aquelas que regulam nossa relação com a população, com nosso
povo. O fim altruísta que distingue nossa rebelião, reconhecida
como o direito universal dos povos a opor-se às injustiças
provocadas por um mau governo, nos obriga a priorizar os interesses
das comunidades. Apesar das dificuldades e da dureza de uma guerra
que se prolonga por mais de 50 anos, nos dotamos de uma jurisdicidade
guerrilheira mediante normas que guardam profunda identidade com
aquelas que configuram o Direito Internacional Humanitário e os
Direitos Humanos; isto no entendido de que, mais além de qualquer
erro ou falha no comportamento insurgente, nossa luta está inspirada
em reivindicar os interesses dos setores mais desfavorecidos. Desta
circunstância se desprende que nossas normas nos obrigam a
privilegiar o cuidado das comunidades, evitando qualquer ação ou
omissão que as deixasse a mercê do terrorismo de Estado e de seus
paramilitares, incluindo aos determinadores destes.
Dentro
da mesma perspectiva, as FARC-EP se obrigaram a denunciar e combater
as atuações do exército e dos paramilitares que agrediram a
população ou destruíram seus bens, o que nos obrigou a atuar
contra tais grupos, seus financiadores e seus instigadores, afirmando
que durante anos a única perseguição e castigo efetivo que contra
o paramilitarismo houve em Colômbia foi a que a insurgência
promoveu.
Por
todo o acima exposto, em seu momento, a Coordenadora Guerrilheira
Simón Bolívar nos deixou o legado do estudo e da observância do
Direito Internacional Humanitário como parâmetro a ter em conta,
sempre em forma de acordo com as condições nas quais se desenvolve
nossa guerra revolucionária.
No
entanto, mais além de todas as medidas que implementamos para não
replicar e evitar a barbárie da contraparte, as vitimizações em
Colômbia não ficaram somente no plano individual e subjetivo, senão
que têm uma estruturação que configurou vitimizações coletivas
na medida em que foram coletivos específicos, identificados
perfeitamente, os que foram convertidos em objeto de eliminação e
extermínio pelas forças do Estado, seus agentes e os grupos a seu
serviço. É imprescindível um reconhecimento expresso a todos eles:
ao Movimento Gaitanista dos anos ’40, à União Nacional de
Oposição [UNO], à Frente Democrática, ao Partido Comunista, ao
movimento A Lutar, e à Frente Popular. Menção à parte merece o
genocídio político de que foi vítima a União Patriótica, único
caso no mundo em que uma Corte, neste caso a Interamericana, declarou
que uma organização política e seus integrantes foram vítimas de
uma perseguição sistemática até sua total eliminação.
Justo
e necessário é que se faça o reconhecimento em sua condição de
vítimas coletivas a organizações políticas, sociais e sindicais,
de comunidades campesinas, indígenas e afrodescendentes, de direitos
humanos, e de mulheres, que sofreram o rigor do terrorismo de Estado.
Nestes
casos, tal vitimização coletiva não somente foi porque exerceram
oposição política, senão que também e especialmente porque,
durante anos, em exercício de uma doutrina de segurança apátrida,
o estabelecimento colombiano assinalou como inimigo a todos aqueles
que se atreveram a reivindicar ou a lutar por uns mínimos direitos,
para eles ou para seus semelhantes, porque os poderosos sempre se
negaram a reconhecer a quem não formasse parte da casta dirigente
privilegiada.
Nesta
cidadela, ao lado do busto do herói e pai da Pátria cubana, José
Martí, há uma frase de seu pensamento, que é necessário
reivindicar:
“La
verdad no es más que una, y quien la dice cuando los demás tienen
miedo de decirla, impera”.
[“A
verdade não é mais que uma, e quem a diz quando os demais têm medo
de dizê-la, impera”]. Esse
deve ser o compromisso de todos, e dentro de tal linha a
contextualização e a explicação de conjunto da relação
vítima-vitimário deve arrancar-nos da falácia de ocultação que a
subjetivização do problema entranha.
O que
está em jogo, então, é dar realce à conotação social e política
da vitimização assinalando a responsabilidade de seus geradores e
beneficiários primitivos; devemos, entre todos os que fomos
obrigados a resistir e a sofrer as consequências da confrontação
imposta, pôr em claro a responsabilidade sistêmica que derivou em
desigualdade, miséria e luto para as maiorias, o qual conduz a que
as vitimizações por conceito da violação dos direitos econômicos,
sociais e culturais, que gerou a aplicação insensata das políticas
neoliberais, que, sem dúvida, produzem mais mortes que as ações
bélicas, não podem passar-se por alto, como até agora tem
sucedido.
Ante
estas injustiças é que permanecemos em rebeldia e temos que
visibilizá-las, pondo casos concretos como, por exemplo, o abandono
total que padecem regiões como o Chocó e a Guajira, entre muitas
outras. Onde estão os doloridos de milhares de crianças que morrem
por inanição e por doenças curáveis, onde estão os doloridos de
todos aqueles que padecem a falta de soluções às necessidades
básicas insatisfeitas? Hoje, mais do que nunca, temos a convicção
de que o verdadeiro ressarcimento para as vítimas só será com a
conquista da paz, e a paz só será se a construímos
dando em abundância o que os despossuídos de sempre merecem.
DELEGAÇÃO
DE PAZ DAS FARC-EP
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Equipe ANNCOL - Brasilanncol.br@gmail.com
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