Coluna semanal do sociólogo James Petras
“A
ideia dos Estados Unidos É não assinar um acordo. A
principal meta é desarmar as FARC”.
MAB:
Existem muitos temas e queremos tentar abarcar o maior número
possivel deles. Assim, podemos começar pela
Venezuela.
JP:
A questão da Venezuela é muito clara. Os Estados Unidos aumentaram
os esforços para tombar o governo utilizando todos os mecanismos
disponíveis, inclusive a força, a violência de rua, as
mobilizações das grandes empresas comerciais para provocar o
desabastecimento. E também a propaganda midiática, onde toda a
imprensa está atuando em conjunto com os Estados Unidos, acusando o
governo de autoritarismo porque começou a prender os golpistas que
atuam em vários cargos, inclusive o prefeito de Caracas, o senhor
Antonio Ledesma, que assinou um documento público fazendo uma
chamada para derrubar o governo.
Esta
política surte efeito porque está aproveitando a crise econômica
com a queda do preço do petróleo para criar uma imagem de um país
deteriorado e um presidente incompetente.
Por
fim, o governo começou pelo menos a tomar algumas medidas para
estabilizar a Economia, mas são muito duras. Por exemplo, a
desvalorização aumentou o custo de vida para as pessoas comuns.
Também
estão tomando medidas fortes utilizando o controle dos aparatos
estatais, a fim de castigar os que estão tentando destruir a
democracia. E esta intervenção governamental recebe muitos aplausos
da grande maioria do povo que está contra a impunidade da oposição,
que faz o que faz pensando que não pode ser castigada.
Agora,
com as últimas intervenções de Maduro se tem mais confiança que o
governo está à altura de tomar medidas, para proteger a democracia
e o direito do governo de governar.
MAB:
Como você vê a reação nos outros países da América Latina e no
mundo em geral frente a isto que ocorre na Venezuela?
JP:
Todas as organizações internacionais, sem exceção,
particularmente as da América Latina, apoiam as medidas do governo,
inclusive a necessidade de tomar medidas policiais contra os
golpistas. Se alguém tentar analisar, por exemplo, os vários
grupos, grupos não alinhados que representam mais de 100 países,
respaldam o governo e denunciam o golpismo norte-americano. Porém,
isso não aparece em nenhum meio de comunicação, nem na BBC, nem no
New York Times que apresentam a opinião do mundo e das organizações
latino-americanas. Simplesmente apresentam o assunto como uma
repressão do governo sem uma razão.
A
guerra propagandística é muito forte e tenta demonizar o governo
para justificar e defender os golpistas, para que estes tenham as
mãos livres. E a oposição internacional ao golpismo é muito
importante, porque mostra que o governo de Maduro, diplomaticamente
não está isolado. Neste momento, o golpismo norte-americano não
tem nenhuma ressonância na América Latina, porém segue adiante.
Obama, como um louco violento, pensa que tudo pode ser resolvido com
a força.
Assim
como fizeram na Ucrânia, organizaram um golpe. Querem repetir, agora
na Venezuela, o mesmo processo de propagandear contra o governo,
demonizar e, depois, lançarem-se com mãos livres a atacar o governo
e tomar o controle do poder.
MAB:
Fala-se de ‘golpe brando’ na Venezuela e na Argentina. É
possível classificá-los assim?
JP:
Começam brandos. Ou seja, utilizam a legalidade para influenciar a
opinião pública, organizam marchas supostamente pacíficas, mas, de
repente, encontram outra oportunidade de lançarem-se com medidas
econômicas de desabastecimento, especulação, pressões de
empréstimos e tudo mais, para enfraquecer o governo com medidas
econômicas.
Então,
primeiro protestos legais, depois medidas econômicas e,
posteriormente, visam formar uma aliança com setores militares para
tomar o poder. Por isso, não se pode separar as medidas brandas da
trajetória violenta.
É
um processo, então, não se pode terminar o debate dizendo que é um
‘golpe brando’. Porque ‘um golpe brando’ tem os mesmos
efeitos que um golpe duro. Ou seja, vão reverter as mudanças
sociais, as medidas progressistas, a independência da política
exterior e voltar ao que podemos chamar de ditadura do capital, do
capital selvagem, que pode resultar em um retrocesso de tudo o que o
povo ganhou nos últimos anos.
MAB:
Neste marco, Petras, soube-se esta semana que os EUA nomearam um
representante para sentar-se à mesa das negociações de paz da
Colômbia, que ocorre em Havana. E os EUA designaram, a pedido do
governo da Colômbia, um enviado especial, Bernard Aronson.
JP:
Sim, Bernard Aronson tem uma trajetória muito sinistra. No passado,
esteve envolvido de muitas formas no apoio ao neoliberalismo, aos
governantes autoritários na América Central, como padrinho dos
chamados “tratados de paz”.
Então,
está lá para garantir que não haja nenhuma concessão consequente
por parte do governo para as FARC; quer assegurar que as FARC vão se
subordinar à política imperialista na América Central, como em El
Salvador, na Guatemala. Não é nenhuma figura
neutra. É um partidário da militarização da Colômbia, da
repressão à insurgência popular e, também, busca aprofundar o
livre comercio e os tratados bilaterais entre Wall Street e Bogotá.
Aronson
é um personagem sinistro e não podemos nos iludir que os EUA estão
como ‘observadores’. Estão atuando nas negociações em Havana,
assegurando que o governo faça o mínimo de concessões. E a linha
dos EUA é, simplesmente, não assinar um pacto, mas fazer com que os
dirigentes guerrilheiros sejam presos supostamente pelos crimes de
guerra. Enquanto isso, os milhares de oficiais, civis, o
ex-presidente (Álvaro) Uribe – que são os verdadeiros culpados,
os assassinos políticos – são os principais aliados de Aronson.
MAB:
Sim, tanto Aronson quanto Roberta Jacobson e John Kerry pediram às
FARC e ao ELN que demonstrem seu valor renunciando à violência para
sempre, eliminando-os.
JP:
Sim, desarmá-los e matá-los. Eu acredito que é a trajetória.
Uma
vez que estejam desarmados, vão sofrer a forte repressão. A ideia
de desarmar as FARC é a principal meta, não é nenhum acordo. E os
acordos assinados são irrelevantes porque uma vez que o governo
desarme as FARC, uma vez que comece a controlar o território, vai
continuar com a repressão política favorecendo a minoria, as
grandes empresas petroleiras e de carvão. E deixar toda a retórica
de paz e os acordos para trás.
MAB:
A imprensa diz, com base nos comunicados do Exército da Colômbia,
que ontem mataram 3 guerrilheiros no sul do país, na Colômbia.
JP:
Sim, diariamente ocorre algum ataque nas comunidades progressistas no
campo. Tanto as comunidades indígenas como as de camponeses vêm
sofrendo muitas invasões. Além das muitas vítimas da guerrilha,
existem as da Marcha Patriótica e de outras organizações
populares.
No
ano passado, mais de quatro dezenas de ativistas de direitos humanos
sofreram ataques, assassinatos, encarceramentos.
Então,
a guerra na Colômbia continua, apesar das conversações de paz em
Havana. Existe uma tática dupla aqui: falar de paz em Havana e
continuar a guerra na Colômbia.
MAB:
E todos estes temas que estamos abordando referem-se às relações
dos EUA com a América Latina, Venezuela, Argentina, Colômbia.
Hoje,
lemos que aumenta a presença militar dos EUA no Peru, que passa de
125 soldados para 3.200
.
JP: A militarização está em marcha, por varias razões.
Primeiro,
o outro lado da moeda é que o Peru arde agora com muitas
mobilizações populares, protestos, tanto no campo, como nas
comunidades, frente à mineração em larga escala, como nas cidades.
E frente às mobilizações populares, os EUA estão fortalecendo a
mão repressiva do governo de Humala.
Os
processos de direitização na América Latina e a repressão estão
em ascensão. Podemos vê-los, por exemplo, na mobilização
supostamente em memoria de Nisman, na Argentina. Podemos vê-los nas
campanhas de desestabilização na Venezuela. Podemos vê-los na
militarização da Colômbia.
Eu
acredito que a explosão dos escândalos no Brasil é outro fator
detonante de recuperação da direita.
De
toda forma é uma extensão da militarização global dos EUA com a
intervenção na Síria, com a extensão de drones utilizados no
Iêmen, a volta de tropas ao Afeganistão. Tudo é uma nova onda
direitizante de Obama, que quer impor o poder norte-americano a
partir da força e violência, não a partir de negociações de paz.
Eu
acredito que o terror global dos EUA provoca o terror individual em
seu próprio país.
MAB:
Esta semana muda a Presidência do Uruguai. Sai José Mujica e assume
Tabaré Vázquez.
JP:
Sim, existe um discurso de Mujica que me parece interessante e
gostaria de comentá-lo.
Mujica
disse uma coisa que é verdade, porém em jogo. Disse que “a
geração espontânea não cria sociedades justas” e cito
textualmente: “é preciso vontade humana organizada para esta
transformação”. Certo.
Porém,
que tipo de política deve ter a organização humana visando uma
transformação? Obviamente, a Frente Ampla é uma organização,
porém ninguém pode dizer que durante a presidência de Mujica
tivemos uma transformação. A única transformação foi que
entregaram a metade do território produtivo aos grandes investidores
estrangeiros, que formam os consórcios agrícolas.
Então,
Mujica disse verdades como a que o espontaneísmo não chega a
alcançar transformações, porém tampouco elas são obtidas pelas
organizações políticas que seguem a linha neoliberal de sua
Presidência.
MAB:
É certo e acrescento que Joe Biden, como representante do governo
dos EUA, chega esta semana para a posse.
JP:
É um louco, cada vez que abre a boca caem pérolas de merda. Por
exemplo, de qualquer forma tenta intervir na política e causa
escândalos, porque diz coisas que são espontâneas, sem pensar nas
consequências. Em Washington é considerado um palhaço, somente o
mandam a viagens ao exterior para evitar escândalos domésticos.
Em
todo caso, de uma forma ou de outra, representa a política
imperialista. Porém, no caso da visita ao Uruguai, quer assegurar
que Vázquez seguirá a linha de sua campanha eleitoral, que foi a
conciliação com o Pentágono e o Departamento de Estado, ao invés
de evitar qualquer aprofundamento nas relações com a Venezuela,
Argentina ou outros países do MERCOSUL. Querem que Tabaré Vázquez
aprofunde sua dependência e vínculos carnais com Obama.
MAB:
Está sendo veiculado que as conversações entre o Irã e o grupo
dos 5+1 estão concluindo. O que você sabe sobre isso?
JP:
É evidente, (dizem) todos os ex-diplomatas, que o Irã não tem
programas de armas nucleares. Segundo, as concessões feitas pelo Irã
são substanciais enquanto os compromisos recíprocos dos EUA são
mínimos. Por exemplo, suspender as sanções para os EUA é
um processo que pode se prolongar por dez anos.
O
Irã é um país muito pacífico, que busca conciliar com os EUA e
está disposto a pagar o preço para acabar com as sanções e evitar
a agressão de Israel. Agora, inclusive em Israel, alguns setores
oficialistas reconhecem que a campanha de (Benjamin) Netanyahu de
atropelar as negociações tem um efeito bumerangue. Para os EUA, um
acordo com o Irã significa colaborar contra o ISIS e os grupos
agressivos, contra a insurgência violenta. Para os EUA isso tem
muito valor porque permite fortalecer sua hegemonia no Iraque e na
Síria. Então, Israel agora tem que se cuidar, pois está provocando
a ira da Casa Branca por conta da intromissão. Daí, vem Netanyahu
dirigir a palavra ante o Congresso. Isso gerou oposição entre os
ultrassionistas aqui, que estão preocupados com a intromissão de
Netanyahu que soa muito mal para a maioria da população. Inclusive
os mais fieis a Israel do Partido Democrata estão anunciando que não
vão assistir à conferência.
Então,
as perspectivas devem ser muito factíveis para um acordo com
Irã-EUA, porém nunca se sabe porque os sionistas seguem tendo muita
força.
MAB:
Resta algum tema que você tenha interesse em comentar?
JP:
Sim, poderíamos comentar algo sobre a Grécia.
Como
disse em edições passadas, o SYRIZA tem uma política de
ambiguidade, um discurso radical, porém sempre tornou posições
conciliadoras.
O
pacto de sexta-feira passada é terrível, significa a continuidade
da supervisão de Bruxelas sobre a política da Grécia. Ou seja, o
SYRIZA se submeteu à soberania norte-americana e à diretriz de
Bruxelas.
Em
segundo lugar, aceitou impor reformas neoliberais sobre o país. O
SYRIZA fala de lutar contra a evasão fiscal, porém Bruxelas insiste
nas privatizações.
Hoje
em dia, percebo que um grande setor do SYRIZA está contra esse
acordó e vai provocar um conflito interno pela indignidade que
Alexis Tsipras e seu Ministro da Fazenda aceitaram.
Creio
que a luta interna agora na Grécia vai se intensificar, pela
capitulação do SYRIZA ante as exigências de Bruxelas.
Tradução:
Partido Comunista Brasileiro (PCB)