Como crer na justiça?
As FARC-EP, desde
muito tempo atrás, indicamos que nos enfrentávamos com uma
pretensão absurda, ao querer que convalidássemos uma justiça que é
infame, inoperante ante os poderosos, enquanto tem pronto o chicote
contra os pobres que roubam uma barra de caldo de galinha. Quanta
razão tinha o Libertador quando, em carta a Santander, dizia: “vejo
vossas leis como Solón, que pensava que só serviam para prender os
fracos e de nenhum impedimento aos fortes”.
A corrupção da
justiça se exacerbou ao ponto que já não é possível ocultar sua
degradação. No penal e no penitenciário as consequências fazem
mais de 120 mil pessoas padecerem reclusas em superlotação e
violação de seus direitos humanos. Aí se demonstra a natureza de
um regime que descarta a vida e faz do exercício do direito um vil
negócio. Percebemos essa podridão no trato diferenciado que
dispensam a corruptos, narcos, paramilitares e parapolíticos, aos
quais, sim, cercam de comodidades em troca de benesses.
A referida degradação
da justiça atravessa todo o sistema. Cobre todas as dimensões dessa
vida encharcada em normas que só são cumpridas rigorosamente se é
para aplicar severidade, vingança estatal, classismo e diversidade
de meios de segregação aos mais pobres, impondo-se a racionalidade
de que tem dinheiro, no trabalhista, agrário, administrativo, na
falsificada restituição. Já não dá mais este sistema de pétreas
normas ou de brandas regras, dependendo de quem se trate. Para os
amos do país objeto de pilhagem, pode-se continuar reformando o
Direito, desde que nada substancial mude e se assegurem seus
privilégios.
Hoje nossa luta
transita pelos caminhos do diálogo para uma saída política e
expressamos a necessidade de mudar essa ordem injusta e inumana,
convocando a uma Assembleia Constituinte onde possamos entre todos
combinar e formular saídas a essa espantosa situação, e honrar a
justiça no sentido mais amplo, como aspiração suprema dos povos,
como emanação diária de uma vida em democracia, em seus meios e
fins. Enquanto esse acontecimento superlativo se produz, como FARC-EP
queremos projetar um diálogo com os setores do país que também
sentem esta vergonha, e convidá-los a nos reunir com os que conhecem
de perto o que está se passando nessas instituições, na judicatura
e no sistema de leis iníquas e inócuas, e que podem junto a nós
ver diagnósticos e enunciar ideias que se articularão nesse espaço
constituinte. Nesse sentido, pontualizamos:
- Nos somamos à indignação nacional por esta corrupção e ao sentimento que cresce frente ao controle jurídico-penal sobre fenômenos de natureza social, econômica e política, num dramático contexto de exclusão e desigualdade.
- Está demonstrado que não será nem com esta justiça corrompida ou com a que resulte de uma maquiagem ou reforma que a mantenha nos vícios mais abjetos, com a qual possam nos encurralar como réus, jurando-nos cárcere por termos nos levantado em armas contra a opressão. Em absoluto. Nem a aceitamos antes, quando já a sabíamos desonesta, nem a aceitamos agora em tal estado de imundície, nem a aceitaremos retocada.
- Para iniciar os trabalhos a fim de substanciar as mudanças que deverão ser formuladas no cenário de compromissos políticos e garantias para uma paz estável e duradoura, solicitamos aos especialistas que têm examinado o referido fenômeno de captura mafiosa e clientelista, seletiva e ineficaz, dos órgãos da “justiça” e não compartilhem essa lógica; pedimos à academia e aos centros de estudo, aos que monitoram os níveis e relações dessas redes de corrupção e as denunciam; aos movimentos sociais, que não só têm sofrido por causa dessa decomposição como também têm gerado formas próprias de Direito, de mandatos e visões alternativas para que comecemos na Mesa de conversações uma reflexão profunda sobre as mudanças urgentes que a justiça requer e todo o país clama indignado.
Delegação
de Paz das FARC-EP
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Equipe
ANNCOL - Brasil