"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


segunda-feira, 2 de março de 2015

Palavras dirigidas ao senhor Kofi Annan



La Habana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 27 de fevereiro de 2015
Nos reunimos novamente após termos tido a ocasião de compartilhar com você no dia de ontem sobre os avanços do processo de paz. Foi muito agradável para nós podermos intercambiar também, no dia de hoje, algumas ideias a respeito [do tema].
Senhor Annan, você, como pessoa que nasceu no Terceiro Mundo e teve as vivências da exclusão, da miséria e das injustiças das quais padecem nossos povos, pode dar testemunho sobre a natureza do direito à rebelião, da legitimidade daquela potestade inscrita na natureza humana, explicada e difundida por patriarcas e filósofos de todos os tempos, e reconhecida de maneira expressa pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789.
Bem está inscrito no coração sensível do gênero humano o mandato de recorrer a esse direito de direitos quando as condições históricas, de classe, de desigualdade e perseguição afligem a alma e a própria dignidade da pessoa e do cidadão. Estes fundamentos, mirando os padecimentos da Colômbia, foram os que moveram nossos fundadores, os quais, por razões de legítima defesa, se viram obrigados a empunhar as armas há mais de sessenta anos. Eles fizeram eco, de alguma maneira, daquela consideração essencial “de que os direitos humanos sejam protegidos por um regime de Direitos, a fim de que o homem não seja compelido ao supremo recurso da rebelião...”.
Nosso caso não é o de Bósnia-Herzegovina, nem o de Ruanda, nem da Iugoslávia; nem somos Sudão nem Líbia. Nada do nosso se parece com estes casos nem com as circunstâncias que levaram à invasão do Iraque, acertadamente rechaçada por você se contrapondo à posição e ao espírito guerreirista que esgrimiram para o mal, naquele momento, os Estados Unidos e o Reino Unido.
Tampouco é nosso caso o que aconteceu na Irlanda ou vem sucedendo na Síria. O nosso tem sido uma muito antiga resposta digna ao despojo que ainda continua, ao desconhecimento de direitos fundamentais, ao abuso, à necessidade da legítima defesa desde os anos sessenta em que foram atacados, para aniquilá-los, com todo o poder bélico do Estado, aqueles campesinos de Marquetalia que lavravam a terra com o único desejo de viver em paz. Transcorreu meio século e aqui seguimos, os mesmos de então porém com caras diferentes, lutando por uma mesma causa, porque não é com bombas nem metralhadora que se acalma a inconformidade que a injustiça gera.
Senhor Annan, mais além da Casa de Nariño, a realidade que existe é a de um coeficiente de Gini que marca a desigualdade e a pobreza entre os nossos: 0.53 nas cidades e 0.87 concernente à propriedade rural, para situar a Colômbia como o terceiro país mais desigual do mundo. A respeito disso, e somente para que tenha um exemplo, lhe pedimos que olhe para o Chocó, território de nosso país com população majoritariamente afrodescendente. Lá se encontram, num cenário com abundantes riquezas naturais saqueadas pelas transnacionais, homens, mulheres e crianças em sua maior parte com os pés descalços sobre o barro, vivendo como animais e também morrendo por desnutrição. Quibdó, sua capital, deixada na mão do diabo como o mais pobre bairro de Kumasi, se encontra assentada entre minas de ouro e biodiversidade, a duas horas de voo da cidade de Miami, onde faz valer sua presença o capital colombiano.
Em nosso país, o qual conta com quase cinquenta milhões de habitantes, 77% da terra estão em mãos de 13% da população. 3.6% destes últimos é dona de 30% da mesma. Os procedimentos de despojo violento do último quarto de século deslocaram a mais de 6 milhões de campesinos.
Não queremos distrai-lo com mais alusões horripilantes de desigualdade e iniquidade social. Mais bem lhe reiteramos que à Mesa de Diálogo de Havana chegamos para honrar nossa palavra empenhada no Acordo Geral de 12 de agosto de 2012, com o convencimento de que, sim, se pode alcançar a paz em termos civilizados, e de que numa guerra de mais de meio século não se pode falar de um só vitimário, nem muito menos de um só responsável, como em algumas ocasiões se pretendeu, se querendo colocar a insurgência no banco dos réus. Nossos interlocutores já começam a aceitar esta realidade histórica. E, felizmente, uma comissão que teve aos seus cuidados o estudo da origem do conflito entregou à mesa doze informes de excelentes acadêmicos que indicam que a confrontação em nosso país é tão antiga como para superar duas gerações ou mais; e que as ações violentas de muitas variadas espécies, sem restrição de meios para adiantar-se e cometer-se, em muitos casos se originaram e provêm não só das partes combatentes como também de múltiplos atores políticos e sociais, oficiais e não oficiais, que deram rédea solta a seus ódios e métodos de destruição. [Colocamos em suas mãos cópia dos doze informes da Comissão histórica do conflito e suas vítimas, que antes mencionamos.]
A propósito deste tema, vale a pena recordar que o ex-presidente César Gaviria [1990-1994], em recente escrito publicado no El Tiempo, diário de maior circulação nacional, destacou que os atores do conflito se encontram entre a população combatente e não combatente; e entre círculos da empresa privada, e funcionários públicos de diversa condição. Assinalou igualmente responsabilidades graves à classe política para finalmente indicar que até juízes se encontram comprometidos. O próprio Comissionado para a Paz, doutor Sergio Jaramillo, concordou que a responsabilidade pela enorme e cruenta contenda bélica é coletiva. E o próprio Presidente Juan Manuel Santos não esperou muito para acolher a tese do ex-presidente Gaviria. Aspiramos a que as autoridades competentes iniciem as consequentes investigações de rigor sobre estas notícias criminais conhecidas por muitos, porém até agora reconhecidas nessa dimensão por um alto dignatário de Estado.
Devemos acrescentar que, para o bem do processo, o governo nacional já aceitou a existência de presos políticos, ao aceitar revisar “a situação das pessoas privadas da liberdade, processadas ou condenadas, por pertencer ou colaborar com as FARC-EP”. Igualmente, se admitiu que se “fará as reformas e os ajustes institucionais necessários para fazer frente aos desafios da construção da paz”. Ambos pontos estão incluídos numa Agenda que de nossa parte assumimos como invariável em seus aspectos substanciais, e têm a ver com necessidades a resolver no caminho de alcançar a finalização do conflito.
Por último, devemos destacar que, buscando assumir gestos práticos que desescalem o conflito e minimizem as dores da guerra, no dia 17 de dezembro do ano passado declaramos um CESSAR UNILATERAL AO FOGO, POR TEMPO INDETERMINADO, em meio a uma contenda armada interna que não iniciamos. Solicitamos que o referido cessar-fogo fosse verificado por organismos nacionais e internacionais. O governo recusou atender nossa decisão e solicitação. Dado que você vem na qualidade de Coordenador das Operações das Forças de Paz da ONU, aproveitamos sua presença neste dia para solicitar-lhe que se sirva transmitir suas experiências aos senhores plenipotenciários do governo, sobre o valor e alcance que para a população inerme têm medidas como a que tomamos livremente. Não mais mortos que façam mais distante um acordo de paz que, como nunca antes, se mostra possível no horizonte.
Muito obrigado.


DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP.


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Equipe ANNCOL - Brasil