OS APETITES ELEITORAIS ACIMA DA PAZ
Por Por
Matías Aldecoa
A nova rodada de conversações entre o Governo Nacional e as FARC-EP se iniciou com desencontros provocados pela decisão unilateral do presidente Santos de conformar uma Comissão Assessora excludente e pelos ataques da Força Pública contra os combatentes que se encontram em trégua unilateral desde 20 de dezembro de 2014.
Isto
sucede no início do ciclo 34 de Conversações que desde terça-feira
17 de março tem lugar no Palácio de Convenções de Havana, Cuba.
O
Comandante Pablo Catatumbo, um dos plenipotenciários da delegação
insurgente, fez um pronunciamento crítico frente à iniciativa do
Presidente, caracterizando a nova Comissão como “um reflexo das
formas de exclusão política e social que a Colômbia tem sofrido ao
longo de sua vida republicana”.
Efetivamente,
o governo Santos, que posa em Colômbia e no estrangeiro de democrata
e de amante da paz, não incluiu na Comissão as forças democráticas
que incursionaram recentemente na arena política nacional, como a
Frente Ampla pela Paz e a Cúpula Agrária, e tampouco deu
participação à extensa gama de expressões políticas e sociais
que compõem a pluralidade da Nação.
Manobra
eleitoral que rompe a confidencialidade
Setores
da opinião nacional assinalaram que a conformação da referida
Comissão na atual conjuntura, e sua composição, põe de manifesto
um truque de Santos para inclinar a favor de suas preferências
políticas os resultados das eleições do próximo mês de outubro,
quando se elegerão prefeitos, governadores, deputados e vereadores.
O
[fato de que] pessoas que até agora haviam sido contrárias aos
diálogos de paz, como Andrés Pastrana e Martha Lucía Ramírez,
tenham aceitado integrar a dita Comissão é o resultado de duas
realidades: a primeira, o generalizado anseio de paz dos colombianos
e da comunidade internacional. A segunda [consequência da primeira],
os dividendos eleitorais que proverá, nas próximas eleições, aos
políticos que a integram. Pois a participação na Comissão
significará visibilidade aos que tenham aspirações a cargos
públicos nas eleições de outubro.
A
decisão do Presidente põe em dúvida sua sinceridade de paz por uma
razão adicional: ao estarem os membros da Comissão Assessora a par
do que se discuta e acorde em Havana, o qual será uma de suas
funções [“lhes fizemos um relato do discutido e dos temas que
virão”, disse Santos], o Governo viola o princípio de
confidencialidade do Processo e dá via livre para que as FARC-EP
atuem em igual sentido.
“Então,
para que foi criado o Conselho Nacional de Paz?”
Este
foi um dos vários interrogantes feitos pelo Comandante Pablo
Catatumbo em seu discurso de 18 de março, em referência a que, com
anterioridade, Santos havia convocado o Conselho Nacional de Paz,
criado mediante a lei 434 de 1998. Sua composição majoritariamente
civil se fixa como finalidade “direcionar
e assessorar ao Governo Nacional em todos os temas concernentes ao
Processo e consecução da paz”.
Ademais de fazer um acompanhamento ao Processo e de contribuir com
propostas, iniciativas, vedoria, atos e medidas que apontem a
concretizar a paz para os colombianos, deve estabelecer recomendações
que devem ser levadas em conta pela Mesa de Conversações.
Ainda
que a lei tenha sido aprovada finalizando o governo de Ernesto Samper
[3 de fevereiro de 1998], o Conselho Nacional de Paz foi instalado
pelo presidente Juan Manuel Santos a 27 de maio de 2014. No ato,
Santos revelou que “há
que adaptá-lo ao processo de paz atual e à Colômbia dos próximos
10 anos”.
O
acima exposto levou a prever a inclusão no Órgão de novos setores
do país, como também a participação de organismos internacionais
defensores de direitos humanos. Tudo isso com o propósito de dar
maior legitimidade e de garantir o cumprimento eficaz de seu papel
como interlocutor entre o Governo Nacional e a “sociedade
civil”.
No
entanto, esse corpo de ampla composição, que poderia estar jogando
o importante papel destinado na etapa decisiva pela qual atravessam
as conversações, foi deixado de lado e terminou substituído por
uma Comissão enviesada, limitada, excludente e com propósitos
meramente eleitorais. Ler
comunicado: A excludente comissão de Paz
Os
direitos humanos: “um objetivo do Estado que deve ser promovido”
Na
quinta-feira 19 de março, o chefe da Delegação de Paz das FARC-EP,
Iván Márquez, frente a um grupo de jornalistas no Palácio de
Convenções de Havana, esboçou os conceitos que sobre direitos
humanos tem a organização insurgente.
O
tema é um dos componentes do ponto 5, Vítimas, do Acordo Geral. O
outro componente é o de Verdade, e sobre este a Comissão de Paz da
Guerrilha terminou de fazer suas propostas ao finalizar o ciclo 33.
Leia
também: a guerrilha denuncia falta de interesse do Estado para
respeitar os direitos humanos
A
Constituição Nacional estipula que “a
garantia dos direitos humanos [...] é uma responsabilidade que
concerne de maneira exclusiva ao Estado”;
porém, na realidade, as instituições colombianas têm violado
todos os direitos: políticos, econômicos, sociais, culturais,
ambientais etc.
Em
atenção a isso, o Comandante guerrilheiro chamou a refundar uma
nova institucionalidade com capacidade de solucionar as graves
problemáticas de injustiça que a confrontação causou. “Teríamos
que esclarecer já o fenômeno do paramilitarismo, e o Estado deverá
abrir todos os arquivos”.
O
governo de Santos não tem tomado medidas práticas em direção a
cumprir com suas obrigações em matéria de direitos integrais das
vítimas. Ao contrário, diariamente escutamos notícias que dão
conta de novas ameaças, assassinatos, despojos, ademais das
violações ocasionadas pelas políticas neoliberais no econômico e
social.
O
cessar-fogo unilateral ameaçado
Depois
de ler o documento, o Comandante Iván Márquez respondeu perguntas
aos jornalistas, os quais se centraram nos recentes enfrentamentos
ocorridos entre o Exército e as FARC-EP, como consequência da
ofensiva que as Forças Militares adiantam desde que a organização
guerrilheira deu início à trégua unilateral.
O
chamado das FARC é ao presidente Santos para que “faça
algo por salvar”
o cessar-fogo; à Frente Ampla pela Paz e à sociedade civil em geral
para que intervenham ante o Governo e se mobilizem contra as “forças
contumazes” que continuam derramando sangue e produzindo mais
vítimas. É necessário que se detenham os ataques que, pouco a
pouco, estão desvanecendo a decisão de manter a trégua.
Persistindo
as agressões da Força Pública, a guerrilha se verá obrigada a
reativar ações ofensivas e de hostilidades, o que representará uma
regressão no processo de paz, a volta da escalada do conflito, um
triunfo dos beneficiários da guerra e mais sacrifícios para o povo
colombiano.
Equipe
ANNCOL - Brasil