O que se esconde por trás do ódio ao PT (II)
Por Leonardo Boff
Já dissemos neste espaço e o repetimos: o ódio
disseminado na sociedade e nas mídias sociais não é tanto ao PT,
mas àquilo que o PT propiciou para as grandes maiorias
marginalizadas e empobrecidas de nosso país: sua inclusão social e
a recuperação de sua dignidade. Não são poucos os beneficiados
dos projetos sociais que testemunharam: “sinto-me orgulhoso não
porque posso comer melhor e viajar de avião, coisa que jamais podia
antes, mas porque agora recuperei minha dignidade”. Esse é o mais
alto valor político e moral que um governo pode apresentar: não
apenas garantir a vida do povo, mas fazê-lo sentir-se digno, alguém
participante da sociedade.
Nenhum governo antes em nossa história conseguiu
esta façanha memorável. Nem havia condições de realizá-la,
porque nunca houve interesse em fazer das massas exploradas de
indígenas, escravos e colonos pobres um povo consciente e atuante na
construção de um projeto-Brasil. Importante era manter a massa como
massa, sem possibilidade de sair da condição de massa, pois assim
não poderia ameaçar o poder das classes dominantes, conservadoras e
altamente insensíveis aos padecimentos do próximo. Essas elites não
amam a massa empobrecida. Mas têm pavor de um povo que pensa.
Para conhecer esta anti-história aconselho aos
políticos, aos pesquisadores e aos leitores que leiam o estudo mais
minucioso que conheço: “A política de conciliação: história
cruenta e incruenta”, um largo capítulo de 88 páginas do clássico
Conciliação e reforma no Brasil,
de José
Honório Rodrigues (1965, pp.
23-111). Aí se narra como a dominação de classe no Brasil, desde
Mem de Sá até os tempos modernos, foi extremamente violenta e
sanguinária, com muitos fuzilamentos e enforcamentos e até de
guerras oficiais de extermínio dirigidas contra tribos indígenas,
como contra os botocudos em 1808.
Também seria falso pensar que as vítimas tiveram um
comportamento conformista. Ao contrário, reagiram também com
rebeliões e violência. Foi a massa indígena e negra, mestiça e
cabocla a que mais lutou e que foi reprimida cruelmente, sem qualquer
piedade cristã. Nosso solo ficou ensopado de sangue.
As minorias ricas e dominantes elaboraram uma
estratégia de conciliação entre si, por cima da cabeça do povo e
contra o povo, para manter a dominação. O estratagema sempre foi o
mesmo. Como escreveu Marcel
Bursztyn (O país das alianças: as
elites e o continuísmo no Brasil, 1990): “o jogo nunca mudou;
apenas embaralharam-se diferentemente as cartas do mesmo e único
baralho”.
Foi a partir da política colonial e continuada até
recentemente que se lançaram as bases estruturais da exclusão no
Brasil, como foi mostrado por grandes historiadores, especialmente
por Simon
Schwartzman com o seu Bases do
autoritarismo brasileiro (1982) e Darcy
Ribeiro com seu grandioso O povo
brasileiro (1995).
Existe, pois, com raízes profundas, um desprezo pelo
povo, gostemos ou não. Esse desprezo atinge o nordestino, tido por
ignorante (quando a meu ver é extremamente inteligente, vejam seus
escritores e artistas), os afrodescendentes, os pobres econômicos em
geral, os moradores de favelas (comunidades) e aqueles que têm outra
opção sexual.
Ocorre que irrompeu uma mudança profunda graças às
políticas sociais do PT: os que não eram começaram a ser. Puderam
comprar suas casas, seu carrinho, entraram nos shoppings, viajaram de
avião às multidões, tiveram acesso a bens antes exclusivos das
elites econômicas.
Segundo o pesquisador Márcio
Pochmann em seu
Atlas da Desigualdade Social no Brasil,
45% de toda a renda e a riqueza nacionais são apropriados por apenas
5 mil famílias extensas. Estas são nossas elites. Vivem de rendas e
da especulação financeira, portanto, ganham dinheiro sem trabalho.
Pouco ou nada investem na produção para alavancar um
desenvolvimento necessário e sustentável.
Veem, temerosas, a ascensão das classes populares e
de seu poder. Estas invadem seus lugares exclusivos. No fundo, começa
a haver uma pequena democratização dos espaços.
Essas elites formaram, atualmente, um bloco histórico
cuja base é constituída pela grande mídia empresarial, jornais e
canais de televisão, altamente censuradoras do povo, pois lhe
ocultam fatos importantes, banqueiros, empresários centrados nos
lucros, pouco importa a devastação da natureza, e ideólogos (não
são intelectuais) que se especializaram em criticar tudo o que vem
do governo do PT e fornecem superficialidades intelectuais em defesa
do status quo.
Esta constelação antipopular e até anti-Brasil
suscita, nutre e difunde ódio ao PT como expressão do ódio contra
aqueles que Jesus chamou de “meus irmãos e irmãs menores”.
Como teólogo me pergunto angustiado: na sua grande
maioria, essas elites são de cristãos e de católicos. Como
combinam esta prática perversa com a mensagem de Jesus? O que
ensinaram as muitas Universidades Católicas e as centenas de escolas
cristãs para permitirem surgir esse movimento blasfemo, pois atinge
o próprio Deus que é amor e compaixão e que tomou partido pelos
que gritam por vida e por justiça.
Mas entendo, pois para elas vale o dito espanhol:
entre Deus e o dinheiro, o segundo é primeiro. Infelizmente.