Colocar os agricultores familiares em primeiro para erradicar a fome
Nove em cada dez das 570 milhões de propriedades
agrícolas no mundo são geridas por famílias, fazendo com que a
agricultura familiar
seja a forma mais predominante de agricultura e, consequentemente, um
potencial e crucial agente de mudança para alcançar a segurança
alimentar sustentável e a erradicação da fome no futuro. Os dados
fazem parte do novo relatório das Nações Unidas.
A reportagem foi publicada
por EcoDebate,
18-05-2015.
A agricultura familiar produz cerca de 80% dos
alimentos no mundo. A prevalência e a produção significam que “são
vitais para a solução do problema da fome”, que atinge mais de
800 milhões de pessoas, escreveu o Diretor-Geral da FAO, José
Graziano da Silva, na introdução do
novo relatório da FAO de 2014 sobre o Estado da Alimentação e da
Agricultura (SOFA 2014).
A agricultura familiar é também guardiã de cerca
de 75% de todos os recursos agrícolas do mundo e, portanto, é
fundamental para a melhoria da sustentabilidade ecológica e dos
recursos. Estão também entre os mais vulneráveis às consequências
do esgotamento dos recursos e às alterações climáticas.
Embora as evidências mostrem rendimentos
impressionantes em terras geridas por agricultores familiares, muitas
propriedades de menor escala são incapazes de produzir o suficiente
para garantir meios de subsistência decentes para as famílias.
A agricultura familiar é, assim, confrontada com um
triplo desafio: o aumento do rendimento agrícola para responder à
necessidade mundial de segurança
alimentar e de uma melhor nutrição; a
sustentabilidade ambiental para proteger o planeta e para garantir a
própria capacidade produtiva; e o aumento da produtividade e a
diversificação dos meios de subsistência que lhes permita sair da
pobreza e da fome. De acordo com o relatório SOFA,
todos esses desafios implicam que os agricultores familiares têm de
inovar.
“Em todos os casos, os agricultores familiares
precisam ser líderes de inovação, pois só assim podem
apropriar-se do processo e garantir que as soluções oferecidas
respondem às necessidades”, afirmou Graziano
da Silva. “A agricultura familiar é
um componente essencial dos sistemas alimentares saudáveis de que
precisamos para levar uma vida mais saudável.”
O relatório chama a atenção do setor público, das
organizações da sociedade civil e setor privado, para trabalhar com
os agricultores, no sentido de melhorar os sistemas de inovação
para a agricultura. Os sistemas de inovação agrícola incluem todas
as instituições e atores que apoiam os agricultores no
desenvolvimento e na adoção de melhores formas de trabalhar no
mundo cada vez mais complexo de hoje. A capacidade de inovação deve
ser promovida a vários níveis, com incentivos para os agricultores,
investigadores, prestadores de serviços de assessoria e cadeias de
valor integradas para interagir e criar redes e parcerias que
permitam partilhar informações, segundo o SOFA.
Os responsáveis pelas políticas devem considerar
também a diversidade da agricultura
familiar em termos de tamanho, das
tecnologias utilizadas, e da integração nos mercados, bem como as
configurações ecológicas e socioeconômicas. Essa diversidade
significa que os agricultores precisam de coisas diferentes dos
sistemas de inovação. Ainda assim, todas as explorações agrícolas
precisam de melhor governança, estabilidade macroeconômica,
infraestruturas de mercado físicas e institucionais, educação, bem
como de melhor investigação agrícola básica, de acordo com o
SOFA.
O investimento público em pesquisas agrícolas, bem
como em serviços de extensão e assessoria – que devem ser mais
participativos – devem ser incrementados para enfatizar a
intensificação sustentável e acabar com as diferenças de
rendimento e produtividade da mão-de-obra que caracterizam os
setores agrícolas em muitos países em desenvolvimento.
Embora os estudos agrícolas sejam feitos por
empresas privadas na maioria dos casos, o investimento do setor
público é indispensável para assegurar a pesquisa em áreas de
pouco interesse para o setor privado – como pesquisa básica,
culturas órfãs, ou práticas de produção sustentáveis. Essa
pesquisa constitui um bem público com muitos potenciais
beneficiários.
A agricultura
familiar é vital
O relatório da FAO
oferece um diverso conjunto de novos dados sobre a agricultura
familiar. A maioria das propriedades agrícolas familiares é
pequena. Oitenta e quatro por cento das culturas de todo o mundo têm
menos de dois hectares. No entanto, o tamanho das propriedades
agrícolas varia amplamente. De fato, as propriedades agrícolas com
mais de 50 hectares – incluindo muitas de agricultores familiares –
ocupam dois terços das terras agrícolas do mundo.
Em muitos países de elevado rendimento e de
rendimento médio superior, as grandes propriedades agrícolas,
responsáveis pela maior parte da produção agrícola, detêm também
a maior parte das terras agrícolas. Mas, na maioria dos países de
baixo rendimento e de rendimento médio inferior, as pequenas e
médias propriedades agrícolas ocupam grande parte das terras para o
cultivo e produzem a maioria dos alimentos.
As pequenas propriedades produzem uma proporção
maior de alimentos no mundo em relação à quantidade de terras de
que usufruem, já que tendem a ter rendimentos mais elevados do que
explorações agrícolas
com maiores dimensões dentro dos mesmos países e ambientes
agro-ecológicos.
No entanto, a maior produtividade da terra na
agricultura familiar implica uma menor produtividade ao nível
da mão-de-obra, o que perpetua a pobreza e impede o desenvolvimento.
Grande parte da produção mundial de alimentos envolve trabalho não
remunerado realizado por membros da família.
O relatório sublinha que é imprescindível aumentar
a produção por trabalhador, especialmente nos países de baixo
rendimento, a fim de aumentar os rendimentos agrícolas e de promover
o bem-estar econômico nas zonas rurais em geral.
Atualmente, a dimensão das propriedades agrícolas
está cada vez menor na maioria dos países em desenvolvimento, onde
muitas famílias rurais de pequenos agricultores obtêm a maior parte
do rendimento a partir de atividades não-agrícolas.
As políticas devem aumentar o acesso a fatores de
produção, como sementes e fertilizantes, bem como aos mercados e ao
crédito, de acordo com o SOFA.
Organizações de produtores eficazes e inclusivas
podem apoiar a inovação dos ccoperados, ajudando-os a ter acesso
aos mercados, e a facilitar as ligações com os outros no sistema de
inovação, além de garantir que os agricultores familiares tenham
uma voz na formulação de políticas, destaca o relatório.
Para incentivar os agricultores familiares a investir
em práticas agrícolas sustentáveis,
que muitas vezes têm elevados custos e longos períodos de
amortização, as autoridades devem procurar criar um ambiente
favorável para a inovação.
Políticas destinadas a catalisar a inovação terão
de ir além da transferência de tecnologia, de acordo com o SOFA.
Têm também de ser inclusivas e adaptadas a contextos locais, para
que os agricultores sejam proprietários da inovação, e de ter em
consideração as questões intergeracionais e de gênero, envolvendo
a juventude no futuro do setor agrícola.