Principais imperativos para alcançar a paz
Por
Jesús Santrich
Depois
do 36º Ciclo de trabalho no desenvolvimento das Conversações de
Paz em Havana, o qual soma 360 dias contínuos de trabalho, sem
incluir os recessos entre ciclos, nem os dias intermediários entre
cada miniciclo, podemos dizer que, das posições públicas de cada
uma das partes, se pode tirar conclusões sobre assuntos que se
tornam em imperativos para alcançar a Paz:
1.
Conquistar a justiça social e a democracia. É
obrigatório dar passos para as transformações de ordem política,
econômica e social que estabeleçam as bases para superar a miséria,
a desigualdade e carência de democracia que impera em Colômbia,
especialmente nas cidades. Teria que começar por realizar, desde já,
pelo menos, as medidas de mudança que se plasmaram nos Acordos
Parciais, enquanto se resolvem as restrições ou dissensos entre as
partes, considerando que tudo o até agora pactuado se refere a
transformações de benefício social que nada têm a ver diretamente
com o futuro da insurgência e, geralmente, aludem a deveres
descumpridos do Estado, como é o de realizar a Reforma Rural
Integral que beneficie sobretudo aos habitantes do campo. Isto
implicará, por exemplo, que de uma vez por todas se deixe de
obstruir a composição e a consolidação das Zonas de Reserva
Campesina e a oligarquia deixe para trás os intentos por
desarticular as Unidades Agrícolas Familiares com iniciativas
obscuras como a da composição das ZIDRES [Zonas de Interesse de
Desenvolvimento Rural e Econômico] que aponta, ademais, para o
despojo das terras ociosas de sua condição de tais, para finalmente
entregá-las aos latifundiários locais e às transnacionais.
2.
O direito à rebelião e a Margem Nacional de Apreciação. Dar
reconhecimento político à insurgência, de maneira tal que se
entenda que as guerrilheiras e os guerrilheiros o que têm exercido é
o legítimo direito à rebelião armada e que, portanto, a solução
dialogada ao levantamento deve ser política. Não se pode insistir
em dar tratamento punitivo a um conflito de mais de meio século no
qual subjazem profundas causas de injustiça social. Nenhum
combatente irá para o cárcere por ter exercido o direito à
rebelião armada. Isto implica também desmontar a criminalização
do protesto social e a perseguição aos líderes populares que foram
acusados ou se lhes acusa de rebelião e terrorismo por sua
inconformidade frente as injustiças de todo tipo. Em consequência,
se deverá definir os mecanismos e procedimentos para excarcerar a
insurgentes e dirigentes populares, ou a qualquer pessoa que tenha
sido privada da liberdade por estar acusada de qualquer delito
político.
Dentro
de tal perspectiva, se deverá dar o restabelecimento pleno do delito
político com suas conexidades, e a disposição de normativas que
contemplem amplas anistias e indultos. Em todo caso, insistimos em
que para concretizar qualquer bloqueio político do processo, o qual
há de estar subordinado ao acordo político, se deverá levar em
conta a aplicação em Colômbia da Doutrina da Margem Nacional de
Apreciação, em reivindicação da soberania e da exclusão das
ingerências internacionais obstrutoras.
3.
Responsabilidade do Estado infrator. O
Estado como causador da confrontação e de sua permanência é o
máximo responsável pelo conflito. Assim o deve reconhecer e
assumir, partindo por entender que não pode ter a pretensão de ser
juiz e parte de um processo que é eminentemente político. No caso
de que se configura algum cenário jurídico, o jus
puniendi,
ou faculdade sancionadora do Estado a respeito da insurgência não
existe; portanto, qualquer corpo normativo para a normalização da
vida nacional deve surgir como convênio derivado do Acordo Geral de
Havana, o de agosto de 2012, que é o único marco jurídico para A
Paz até agora subscrito pelas partes.
4.
Desmilitarização da sociedade e do Estado.
Para a conquista de uma nova era de paz, a deixação de armas, que
não é entrega das mesmas de nenhuma das partes, senão o
compromisso mútuo de separar as armas de seu uso em política como
parte de um processo de desmilitarização da sociedade e do Estado,
implica que o tema Forças Armadas deverá ser analisado pelo menos
em cinco aspectos essenciais:
- Abandono e mudança da Doutrina da Segurança Nacional e do inimigo interno por uma doutrina patriótica, profundamente humanista, que conduza à depuração e qualificação das Forças Armadas e de Polícia.
- Apropriação da Força Pública de seu papel constitucional, no que concerne à defesa das fronteiras e à defesa dos interesses cidadãos. A polícia deve se desmilitarizar e assumir as funções que lhe correspondem como parte do executivo.
- Colocar o número de efetivos na dimensão adequada para um país que não está em guerra, com aluns orçamentos ajustados à mesma circunstância. Desmercenarização de cada uma das forças.
- Revisar os convênios militares internacionais e prescindir da presença militar estrangeira em território nacional.
- Desmantelar o paramilitarismo e demais instrumentos da guerra suja e do terrorismo de Estado.
5.
O esclarecimento da verdade como aspecto central para a reparação
das vítimas do conflito. No
ponto que agora se discute, referido a Vítimas do conflito, se
deverá estabelecer uma Comissão de Esclarecimento da Verdade, com
ampla participação das vítimas. Tal Comissão, tomando como insumo
básico os informes da Comissão Histórica do Conflito e suas
Vítimas, esclarecerá a verdade histórica [indicando causas,
consequências e responsáveis], e impulsionará a justiça
transformadora, a reparação integral, o perdão político e social,
e a não repetição em busca da reconciliação em condições de
bem viver, assumindo-se que adiantamos um processo em trânsito para
a justiça social.
6.
Desescalar o conflito.
Urge tomar novas medidas de desescalada, bilaterais, que aliviem as
dores da guerra, entre as quais a mais prática e de maiores
resultados favoráveis para a população é o cessar-fogo. Porém, é
necessário também desescalar a linguagem guerreirista que impera
nos grandes meios de comunicação, os quais, em vez de estimular a
paz, estimulam os ódios e metem a lenha da mentira, da deturpação
e da desinformação na fogueira da confrontação.
O
passo mais transcendental para aliviar as dores da guerra e dar
irreversibilidade ao processo de paz seria alcançar um armistício
geral que tome como base o cessar bilateral de fogos e hostilidades,
no qual naturalmente a guerrilha não estará localizada, nem
encurralada, mas sim jogando um papel dinâmico ao lado das
comunidades na construção da paz.
7.
Construção e referenda de Acordos.
A construção de um Acordo Final de Paz deve contar com a
participação ativa da população, e o mecanismo de referenda que
se pactue entre as partes deve ser o que proporcione o maior
protagonismo e exercício da democracia. Em tal sentido, o
instrumento que pode abrir espaços de ação para que o soberano que
é o povo atue e decida, é a Assembleia Nacional Constituinte. Ela,
como produto de um acordo político nacional que estabeleça sua
composição, sua duração e o temário deverá encarregar-se de
debater e encontrar saídas aos pontos de dissenso que não se
consiga resolver na Mesa. A Constituinte, com a definição da uma
nova Carta que configure um Tratado de paz, marcaria o início da
refundação da Colômbia.
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Equipe
ANNCOL - Brasil