Tempo de Armistício
Por
Iván Márquez
Integrante
da Delegação de Paz das FARC-EP
Sustentar, como se fez numa edição da Revista SEMANA, que dialogar em meio ao conflito não tem outra opção, porque não há maneira de verificar uma trégua, é sugerir que a paz ou o pós acordo seria impossível se se lhe aplicasse o mesmo argumento. O sofisma não consegue tapar o desejo subjetivo de que o cessar-fogo bilateral favorece o fortalecimento político e militar da guerrilha.
Sustentar, como se fez numa edição da Revista SEMANA, que dialogar em meio ao conflito não tem outra opção, porque não há maneira de verificar uma trégua, é sugerir que a paz ou o pós acordo seria impossível se se lhe aplicasse o mesmo argumento. O sofisma não consegue tapar o desejo subjetivo de que o cessar-fogo bilateral favorece o fortalecimento político e militar da guerrilha.
A paz não é assunto de vontades indecisas que se lançam pelo atalho de negar o cessar-fogo sobre a base de leituras enviesadas da trégua de ‘84, conceituando-a como “desastre”, só para afogar a voz multitudinária do sentido comum que o reclama.
O cessar-fogo se sustenta num profundo sentimento de humanidade. Nada sacamos se seguimos nos matando em meio a um diálogo que deve culminar num Acordo Final. O que se busca é fechar a porta a novas vitimizações e, como complemento, cercar com o silêncio dos fuzis e dos explosivos os diálogos de paz para que estes avancem sem sobressaltos para seu objetivo supremo.
Os que negam este anseio coletivo subestimando o papel da verificação, aduzem “que ademais há delinquência comum e narcotráfico que se confundem com a rebelião e que até um bêbado disparando tiros num povoado pode acabar com a trégua bilateral”. Essa visão não somente insinua um Estado pintado na parede, que deixa fazer e deixa passar, como também ignora a existência de um acordo parcial na Mesa de Havana endereçado a solucionar o problema das drogas ilícitas. Encerra em si uma grande confusão, que não permite distinguir a rebelião como direito natural dos povos, de atuações próprias de bandos delinquenciais. Nem fugazmente contempla a ideia da possibilidade de cooperação entre as partes antes confrontadas. Assim, não consegue sequer se colocar no nível de uma regular exposição de motivos para vender a ideia da concentração da força guerrilheira em pontos.
Alguns, inclusive, imaginam umas FARC confinadas em áreas demarcadas sob a vigilância seráfica de sua contraparte contendora. Esta pretensão numa era de efetiva aplicação de tecnologia militar de ponta ao conflito interno colombiano resulta algo ingênua. O importante é deter o fogo, interpor diques que encerrem o capítulo de mais vitimizações inúteis.
A 27 de maio de 1984, o Presidente Belisario Betancur e o comandante das FARC Manuel Marulanda Vélez emitiram quase simultaneamente a ordem de Cessar-Fogo, a qual foi acatada plenamente pela força insurgente. Não ocorreu o mesmo com o senhor general Miguel Vega Uribe, quem, imediatamente depois da ordem do Palácio de Nariño, emitiu a controversa resolução 001 do Comando do Exército que incitava as tropas oficiais ao desacato, alegando –em aberta insubordinação ao chefe constitucional das Forças Armadas- que, acima de tudo, cumpririam o mandado da Carta, de marcar presença em todo o território nacional.
Dessa maneira se foi gerando um ambiente muito nocivo que favoreceu múltiplas escaramuças, as quais alcançaram sua máxima expressão na emboscada do exército a uma coluna da Quinta Frente das FARC em 30 de novembro de 1985 em Cañas, jurisdição de Turbo [Antioquia], onde morreram 22 guerrilheiros e 17 terminaram feridos. Esse foi o começo da deterioração e do solapamento seriamente daquele cessar-fogo, e não as invenções que seus adversários propalam. Mais tarde, em junho de 1987, se produziu a emboscada das FARC ao exército em Riecito, entre Puerto Rico e San Vicente del Caguán, onde perderam a vida 27 soldados e outros 43 ficaram feridos.
Já estava em marcha a matança ordenada pelo Estado contra a União Patriótica.
Esta triste experiência deve ser recolhida para evitar sua repetição. Num ambiente favorável como o que se respira hoje, com avanços tangíveis na Mesa de Conversações, com o bom entendimento e contato direto entre generais em serviço ativo e comandantes guerrilheiros, e numa situação em que se vislumbra a possibilidade do fim do conflito armado, o armistício como prelúdio da paz é a medida mais sensata que devemos tomar.
A mobilidade das forças em seus espaços habituais não será um problema se ao mesmo tempo está a decisão de cessar os enfrentamentos armados. Os protocolos são determinantes, e sua aplicação minimiza os riscos. A palavra empenhada e a assinatura de um pacto entre as partes, somadas a uma verificação eficiente e ao respaldo massivo da cidadania, criará uma atmosfera ideal para terminar de redigir o grande acordo de paz que inaugure uma nova era de convivência e reconciliação em Colômbia.
Equipe
ANNCOL - Brasil