Comandante Pablo Catatumbo: «A paz com justiça social merece qualquer esforço»
Desde Havana, o comandante e
membro do Secretariado das FARC-EP Pablo Catatumbo responde ao
questionário remetido por GARA, no qual aborda questões chave como
as vítimas geradas por cinco décadas de guerra e a posição da
guerrilha ante um eventual desarmamento. Avalia «altamente»
experiências como a do norte da Irlanda, onde «as partes em
conflito deram mostra do amadurecimento político e da estatura moral
que se requerem quando, de verdade, se anseia a paz».
Com
muita alegria, pois poucas vezes coincidem eventos tão importantes:
nosso 49º aniversário de justa luta e a conquista de um acordo
parcial em matéria agrária. Dois fatos significativos que
celebramos com entusiasmo, pois sabemos o que significam no caminho
de construir a paz com justiça social para nosso povo.
Sobre
o terreno, no entanto, os campesinos do Catatumbo, no norte de
Santander, mantêm os protestos contra, entra outras coisas, da
erradicação forçada dos cultivos de coca e das políticas
econômicas do Governo. Houve, pelo menos, quatro mortos. Como avalia
o que está ocorrendo?.
O
conflito social em todas as regiões da Colômbia é bastante agudo.
Continuando respondendo desta maneira, o Governo desatará uma ira
social ampliada. Se a uma reivindicação legal – como a do
campesinato do Norte de Santander – se lhe responde com as armas na
mão, se justifica abertamente a opção armada que empreendeu há
anos o movimento guerrilheiro colombiano. A bola está no telhado do
Governo.
Ao longo destes seis meses,
também foram abordados de maneira indireta outros temas da agenda,
como a questão das vítimas. Afirma que se deve «armar todo o
puzzle». De quantas peças consta esse puzzle?
Lhe
cito algumas: a responsabilidade do Estado, a classe política
dirigente, o empresariado, alguns meios de comunicação e os
latifundiários, a formação e o financiamento dos grupos
paramilitares, a relação entre as embaixadas dos Estados Unidos e
Israel com a instrução dos referidos grupos, ou o papel jogado
pelas grandes transnacionais na definição da agenda militar na
Colômbia. Como vê, o tema tem muitas arestas, porém tem que ser
abordado a fundo, com muito bom senso e franqueza política.
Através
de uma carta ao jornal «El Tiempo», a congressista Constanza Turbay
afirmou que já perdoou as FARC. Como recebeu este perdão? E Ingrid
Betancourt acaba de indicar que «todos somos responsáveis por esta
guerra atroz» e que «a paz nos exigirá aceitar certo grau de
impunidade».
São
manifestações de um ânimo de concórdia e reconciliação que
compartilhamos e saudamos e já é estendido entre muitos dos
cidadãos da pátria. Nós também temos vítimas desta guerra. Os
entendemos como gestos de um país que não quer mais soluções
militaristas, que não busca vingança, que anseia a paz com justiça
social e que está saturado do drama que temos vivido. Não se trata
de abrir campo à impunidade, mas sim de conquistar a mediação
sobre bases de magnanimidade mútua, de compreensão histórica e
perdão, que é algo muito diferente.
Se vê num futuro
compartilhando um mesmo espaço com Constanza Turbay, no qual cada um
relate sua experiência vital com a finalidade de que sirvam de base
para a conscientização sobre as consequências do conflito armado e
para a não repetição dos fatos? Experiências desse tipo se
produziram, por exemplo, no caso irlandês, com vítimas do IRA e
ex-militantes deste grupo armado.
Por
que não? Seria uma magnífica mensagem para refutar definitivamente
aos setores que querem obstruir o caminho para a paz. Nós chegamos a
este processo sem nenhum tipo de rancor pessoal, buscando conquistar
o anseio de nosso povo por uma paz estável, duradoura e justa. Para
isso, se requer cicatrizar muitas feridas que nos deixaram estes
longos anos de guerra.
O
chefe da delegação do Governo em Havana, Humberto de la Calle,
assinalou recentemente que a paz passa pela aplicação da justiça
transicional. O próprio presidente, Juan Manuel Santos, assegurou
que a justiça não pode estar acima da paz. Que
propõem as FARC?
Que transicional implica
transição, e no estado atual do processo de conversações ainda é
prematuro falar tão categoricamente de temas como esse, que fazem
parte da agenda, porém que vão ser abordados mais adiante. Em
nossa concepção para o acordo de paz que vislumbramos, é
necessário falar de um efetivo trânsito para algo que seja
qualitativamente diferente da realidade atualmente existente na
Colômbia. Que melhor exemplo que a situação que se vive hoje na
região do Catatumbo? Para nós, a questão passa por que consigamos
a efetiva instauração da democracia em nosso país, do contrário
estaríamos falando de um acordo de paz inócuo.
Outro
dos pontos do qual também se começou a discutir é o da deixação
das armas. Você propôs «saídas inteligentes» e que «o problema
não são as armas, mas sim quem as disparam». Num fórum sobre
resolução de conflitos desenvolvido em Euskal Herria, expertos na
matéria rechaçaram a entrega de armas como uma condição prévia,
porém advertem do perigo que supõe que as armas sigam existindo e
que se faça um uso indevido delas. Que avaliação lhes merecem
estas recomendações e experiências como a irlandesa?
O
que você assinala é particularmente importante. Ainda que esse
assunto também faça parte dos temas que devem ser abordados mais
adiante, lhe adianto alguns critérios.
Estimamos
altamente a experiência irlandesa frente ao tema de deixação de
armas. Pudemos conhecer o referido processo em primeira mão e nos
parece que é um exemplo do que é levar um processo de paz com
vontades políticas conjuntas e com um real desejo de finalização
de um conflito e de paz.
Na
Irlanda, as partes em conflito deram mostra do amadurecimento
político e da estatura moral que se requerem quando de verdade se
anseia a paz.
Para as FARC-EP, a paz é um tema
que vai ligado à conquista da justiça social, do exercício de uma
verdadeira democracia e uma verdadeira desmilitarização do país,
que inclua a dimensão cotidiana, e a proscrição de toda doutrina
militar derivada da chamada «segurança nacional» e da teoria do
inimigo interno. Na Colômbia, o problema das armas não passa só
pelo conflito entre as guerrilhas revolucionárias e o Estado, mas
sim pela existência de redes criminosas estendidas, grupos
paramilitares e um imenso setor que se beneficia do mercado bélico
clandestino. Assim que terá que compreender a problemática em toda
sua extensão e não simplesmente pensando em que fazer com o arsenal
insurgente.
Que
falhou nos anteriores três processos? Qualificaria de fracasso ou de
tentativas falidas?
Na
minha opinião, nos processos anteriores o que foi palpável é que a
única política de paz do Governo era submeter a insurgência ou a
guerra; não havia uma verdadeira vontade de aproximar posições
para buscar um acordo de paz. Esperemos que a vontade política do
Governo atual lhe permita dar-se conta de que esse mesmo erro não
pode ser repetido. Qualificar estas experiências de fracassos é ser
muito duro, tendo em conta o sensível do tema e as complexidades
próprias de um conflito como o colombiano. Foram isso, experiências,
e como tais nos ensinaram a enfrentar um desafio como o que temos
hoje em dia.
Que sinais positivos apreciaram
na chegada de Santos ao Governo que lhes fizeram avaliar que era o
momento idôneo para iniciar uma aproximação de frente ao processo
de diálogo que se formalizou em Oslo?
Alguém
avalia que o abordem de frente, pondo as cartas sobre a mesa, sem
hipocrisias. Isso, e o contexto internacional favorável foram coisas
que deram pé para que iniciássemos este processo, porém,
sobretudo, o fervor e o clamor cidadão que há hoje pela paz da
Colômbia, que é a paz do continente. Vendo-o em perspectiva,
ratificamos a justeza da decisão, e temos visto como neste caminho
se multiplicaram as iniciativas cidadãs pela paz [com manifestações
massivas como a marcha do 9 de abril passado ou o Congresso Nacional
de Paz] e se alcançou a unidade do campo insurgente sobre a
conjuntura e a agenda de paz.
Como
avaliam a negativa do Governo a adiar as eleições e a conformar uma
Assembleia Constituinte?
É uma postura política que não
é monolítica dentro da coalizão de Governo; sabemos que ainda não
há última palavra e que o debate que abrimos dentro das
organizações políticas e sociais baliza a discussão nacional e
gera reflexão sobre nossos problemas mais profundos. De momento,
lhe posso contar com entusiasmo que a dita iniciativa teve uma
recepção estupenda em alguns setores e que nossa delegação
recebe diariamente adesões, propostas e contribuições de
colombianos interessados num país em paz. Uma Assembleia Nacional
Constituinte pela Paz é o horizonte certo para a superação deste
conflito.
Em
geral, há um ânimo tranquilo. Há ocasiões onde os níveis de
tensão sobem. Isso é apenas lógico: é que o conflito nosso tem
mais de cinquenta anos, são muitas as feridas que ocasionou, muita
dor causada, enfim.
Ademais,
na Mesa não estamos discutindo temas insignificantes, mas sim os
temas transcendentes dentro da vida nacional. Nas FARC-EP
sobrelevamos essas situações com muito companheirismo e
camaradagem, porque sabemos que a tarefa que temos pela frente não é
pouca e que a confiança que os guerrilheiros de todo o país
depositam nesta delegação é enorme. Ao final de cada dia, nos fica
a satisfação de estar trabalhando pelo mais alto objetivo que se
traçou o povo colombiano: a paz com justiça social. Isso
merece qualquer esforço.