Mudanças estruturais em pauta na mobilização de 11 de julho
POR
JOAO PEDRO STEDILE
Desde
a campanha das “Diretas Já”, na década de 1980, não tínhamos
mobilizações de rua tão vigorosas. Os protestos que eclodiram com
a indignação da juventude foram apenas a ponte de um iceberg dos
graves problemas sociais e econômicos que persistem na nossa
sociedade.
De
um lado, as grandes cidades se tornaram um inferno, em que os
trabalhadores pagam caro por um transporte público de má qualidade.
Além disso, ficam de duas a três horas no trânsito, que é um
tempo perdido de suas vidas.
Quem
se iludiu com as facilidades para comprar um carro, financiado pelo
capital financeiro internacional, está se dando conta que pagou caro
e não consegue andar. Já as montadoras e bancos associados nunca
enviaram tanto dinheiro para o exterior como agora.
De
outro lado, a vida política do país é uma vergonha. Os
parlamentares representam apenas seus financiadores de campanha. O
Poder Judiciário é um poder oligárquico, sendo o último dos
poderes ainda não republicano.
Todos
os dias saem notícias de suas falcatruas, que ficam impunes. Até o
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, usou
recursos públicos para assistir um jogo da seleção brasileira… A
Rede Globo não denunciou e, coincidentemente, acaba de contratar o
filho do ilustre magistrado. Tudo a ver!
A
mesma Globo que foi multada pela Receita Federal por sonegação
milionária de impostos, na compra dos direitos de transmissão da
Copa do Mundo de 2002: a empresa deve, segundo a Receita, R$ 650
milhões de reais aos cofres públicos.
A
emissora também recebeu do governo estadual e da prefeitura do Rio
de Janeiro uma bagatela de R$ 20 milhões para promover com dinheiro
público um espetáculo de apenas duas horas durante o sorteio dos
jogos da Copa das Confederações, realizado no Rio Centro no ano
passado.
A
Rede Globo se achava a porta-voz do povo. Ledo engano. Mal consegue
enganar os telespectadores das novelas. Um dos gritos da juventude
que mais se repetiram nas ruas foi: “Fora a Rede Globo!” Com
isso, pipocam atos de jovens contra o monopólio da emissora e pela
democratização das comunicações em todo o país.
Diante
dos protestos, o governo Dilma teve que sair de seu pedestal para
dialogar com as ruas, propondo uma reforma política, uma assembleia
constituinte e um plebiscito popular. E, finalmente, a presidenta
passou a se reunir com os setores organizados, o que não fez ao
longo de dois anos e meio de mandato.
As
elites tentam controlar as ruas e impor uma pauta de direita. No
entanto, não conseguiram. Sobrou-lhes o papel de atiçar uma polícia
despreparada e infiltrar grupos fascistas e serviços de inteligência
das polícias para provocar violência e descaracterizar o movimento.
Não conseguiram. Quanto mais reprimem, mais o povo se rebela.
Movimento
sindical e popular nas ruas
Chegou
a vez do povo organizado nos movimentos sociais, no movimento
sindical e nas pastorais fazerem mobilizações. Pela primeira vez,
depois da derrota nas eleições de 1989, não se via uma unidade
popular tão ampla.
Diversas
plenárias uniram partidos de esquerda, centrais sindicais e
movimentos sociais organizados em torno de uma plataforma política
comum, que parte da luta pelo transporte público gratuito e de
qualidade e avança para reformas estruturais que a classe
trabalhadora precisa e luta há muito tempo.
O
primeiro dia de luta do conjunto das organizações está marcado
para 11 de julho. Serão realizadas paralisações, greves e marchas
em todo o país para enfrentar os setores conservadores e empurrar o
governo para a esquerda.
Um
dos pontos dessa plataforma comum é a reforma política. É preciso
passar a limpo as regras da política brasileira para democratizar e
criar mecanismos de efetiva participação popular.
Entre
os itens necessários de mudanças, está o financiamento público
exclusivo de campanhas eleitorais, o direito do povo convocar
plebiscito populares a partir de um abaixo-assinado e revogar
mandatos daqueles que não respeitarem os compromissos de campanha.
Para
fazer essas mudanças, só há um jeito: convocar
uma Assembleia Constituinte Exclusiva.
A maior parte dos políticos que está no Congresso, eleitos em
campanhas milionárias pagas por grandes empresas, não aceita mudar
o sistema político. Assim, a única forma de viabilizar uma
constituinte é fazer de imediato um plebiscito popular.
A
presidenta Dilma ficou motivada com a voz das ruas e promoveu esse
debate. Porém, sua base política e parlamentar começou a
boicotá-la, colocando todos os obstáculos possíveis. Por isso,
essa disputa tem de ser resolvida nas ruas. A reação ao plebiscito
e à assembleia constituinte demonstra a resistência para fazer
mudanças e reforça a necessidade de levar a cabo essas propostas.
Mudanças
necessárias
Além
da reforma política, há um conjunto de demandas históricas dos
movimentos sindical e popular que estão entaladas na garganta do
povo e nas gavetas dos palácios. Abaixo, conheça seis pontos da
plataforma das organizações da classe trabalhadora:
1-
Aprovação do projeto de redução da jornada de trabalho para 40
horas semanais sem redução de salário. Na Europa, o capitalismo em
crise já pratica 36 horas.
2.
Arquivamento da PEC que implementa a terceirização das relações
de trabalho, enterrando a CLT, que é a garantia dos direitos dos
trabalhadores.
3-
Uma reforma tributária progressiva, para que os impostos pesem mais
sobre os ricos, com taxação das fortunas, e diminuam sobre os
trabalhadores pobres.
4-
Prioridade da aplicação dos recursos públicos em saúde, educação
e transporte público de qualidade, em vez do pagamento da dívida
pública e superávit primário.
5-
Suspensão dos leilões do petróleo e das outorgas de exploração
de minérios que só beneficiam as empresas transnacionais.
6-
Implementar a Tarifa Zero nos transportes públicos para toda
população. Essa proposta é viável tecnicamente, por meio do
investimento de recursos públicos existentes, sem necessidade de
aumentar impostos. Basta comparar o subsídio da Prefeitura de São
Paulo para os transportes, ao redor de R$ 1 bilhão, com os recursos
destinados para construir um túnel no Morumbi, que custaria R$ 2,4
bilhões para atender a necessidade da elite paulistanas. Felizmente,
a licitação encaminhada pelo governo Kassab foi agora suspensa
depois
do ronco das ruas.
Mobilização
crescente
Em
várias cidades do Brasil, categorias de trabalhadores e setores
sociais continuam fazendo mobilizações massivas. Petroleiros,
bancários, metalúrgicos e professores intensificam a mobilização.
Em
São Paulo, o sindicato de policiais civis e servidores das
penitenciárias se mobilizaram. Aconteceram também revoltas
populares em várias cidades contra os preços abusivos dos pedágios,
além de protestos dos caminhoneiros.
Os
trabalhadores rurais de todo o país, que se organizam em dezenas de
movimentos sociais, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores
na Agricultura (Contag), a Federação dos Trabalhadores na
Agricultura Familiar (Fetraf), Movimento dos Pequenos Agricultores
(MPA), movimentos de pescadores, quilombolas, povos indígenas,
mulheres camponesas, as pastorais rurais, além do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), se somarão às mobilizações.
Os
movimentos do campo preparam uma plataforma comum, que entregaram
para a presidenta Dilma em audiência, pautando os seguintes pontos:
1.
Recuperar a soberania nacional sobre as terras brasileiras. Propomos
que o governo anule as áreas já compradas e desaproprie todas as
terras controladas por empresas estrangeiras.
2.
Acelerar a Reforma Agrária e que sejam assentadas imediatamente as
milhares de famílias acampadas à beira das estradas.
3.
Políticas públicas de apoio, incentivo e crédito para produção
de alimentos baratos, saudáveis, sem venenos com o fortalecimento do
campesinato. E adoção de programas estruturais para a juventude e
para as mulheres do campo.
4.
Garantir os direitos dos povos do campo, com o reconhecimento e
demarcação imediata das terras indígenas, quilombolas e dos
direitos dos atingidos por barragens, territórios pesqueiros e
outros.
5.
Banir imediatamente os agrotóxicos já proibidos em outros países
do mundo, a proibição das pulverizações aéreas e políticas de
redução do uso de agrotóxicos no campo. E profunda revisão na
política de liberação dos transgênicos e controle social.
6.
Implementação pelo governo de uma política de controle do
desmatamento das florestas em todo país e apoio à recuperação de
áreas degradadas e de reflorestamento pela agricultura familiar e
camponesa.
7.
Cancelamento da privatização dos recursos naturais como água,
energia, minérios, florestas, rios e mares. Propomos a retirada do
regime de urgência no congresso nacional do projeto de Código de
Mineração, e que o governo/congresso faça um amplo debate nacional
com os trabalhadores brasileiros, para produzir um novo código de
acordo com os interesses do povo brasileiro.
8.
Implementação imediata de programas para erradicar o analfabetismo
e garantir escolas em todas as comunidades rurais.
9.
Suspensão de todos os leilões de privatização de áreas de
perímetros irrigados no nordeste e destinação imediata para o
INCRA realizar assentamentos para agricultura familiar e camponesa e
adoção de políticas estruturais para democratização da água e
para ajudar as famílias a enfrentar as secas.
10.
Fim da lei Kandir, que isenta de impostos as grandes empresas
exportadoras de matérias primas agrícolas, energéticas e minerais.
Portanto,
o 11 de julho será dia de grande mobilização nacional, com milhões
de trabalhadores nas ruas em todo país, exigindo mudanças
verdadeiras, profundas e estruturais, como a reforma política que
depende da manutenção do plebiscito popular.