“Vamos à rua disputar espaço com a direita”, afirma Gilmar Mauro do MST
Em entrevista exclusiva ao iG
, 30-06-2013, Gilmar Mauro,
dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
afirmou que o movimento - responsável por um universo estimado em
cerca de dois milhões de camponeses - está construindo uma aliança
com setores urbanos para participar das manifestações e influenciar
o governo Dilma
a tomar medidas concretas para enfrentar os problemas sociais.
“As esquerdas se perderam e a elite
puxou as manifestações para colocar a sua pauta. Houve uma
despolitização na medida em que o governo negou o protagonismo dos
movimentos sociais em conquistas históricas e os afastou da
mediação. As manifestações pegaram a esquerda e os movimentos
sociais fragmentados”, afirma
Eis a entrevista.
Que avaliação o senhor faz
das manifestações?
É saudável, fundamental para o país
e traz várias lições para nós. É preciso rever as formas de
organização. O sistema atual não consegue mais organizar a classe
trabalhadora. Então é necessário criar novas formas, horizontais e
sem burocracia, mas sem jogar na lata de lixo o que foi construído.
O MPL
(Movimento Passe Livre) colocou na pauta reivindicações que são de
todos os trabalhadores e evidenciou a crise. A principal lição é a
de que sem luta não há conquistas.
A esquerda foi pega de
surpresa?
O modelo político brasileiro,
afetado por uma crise econômica planetária, está em crise. As
esquerdas se perderam e a elite puxou as manifestações para colocar
a sua pauta. Houve uma despolitização na medida em que o governo
negou o protagonismo dos movimentos sociais em conquistas históricas
e os afastou da mediação. As manifestações pegaram a esquerda e
os movimentos sociais fragmentados.
O que mudou na conjuntura?
Apareceram outras formas de mediação
dos conflitos. As bandeiras do MPL
(Movimento Passe Livre),
que tem oito anos e não é tão novo, foram transformadas em pauta
nacional, em parte graças à truculência da PM ao reprimir as
manifestações na avenida Paulista.
Qual o perfil dos
manifestantes?
É um movimento novo. A maioria é
formada por estudantes, mas no meio estão grupos de direita, como os
neonazistas e neointegralistas. São eles que puxam o quebra-quebra.
Soube pela dirigente do DCE
da Universidade Nove de Julho, que lá eles tomaram até o megafone e
os estudantes se viram obrigados a se retirar. A direita está
disputando as ruas ao lado de alguns grupos de militares da direita
raivosa. Eles são fracos, mas existem e estão mobilizados. O polo
dinâmico das manifestações são as insatisfações da classe
média. Nós, camponeses e operários, até agora não havíamos nos
posicionado, mas estamos construindo uma aliança e ainda não
entramos na luta.
O que vocês farão a partir
de agora?
Vamos para as ruas disputar espaços
com a direita. Se apanhar, vai apanhar todo mundo. Não é
oportunismo. Estaremos ao lado dos estudantes e com uma pauta na mão:
contra os leilões da Petrobras, pelas 40 horas semanais de trabalho,
a reforma agrária, democratização dos meios de comunicação,
reformas política e urbana. Nas reuniões das entidades não foi
colocado, mas defendo a moratória da dívida pública para que o
governo possa investir no social. O governo gasta, por exemplo, 49%
do orçamento para pagar os serviços da dívida e 0.22% para a
reforma agrária. A rua é o lugar de colocar essas bandeiras.
Onde esse movimento pode
chegar?
A crise são janelas que se abrem e
ninguém sabe com certeza o que apontarão. Pode avançar ou
regredir. Nós progressistas temos responsabilidade de não deixar
recuar. A direita tem clareza de que os trabalhadores até agora
estavam apenas assistindo. Não temos dúvida de que se a direita
tivesse hoje o controle das manifestações, avançaria para uma
campanha tipo "Fora Dilma". Apostam nisso ou, no mínimo,
para fazer o governo sangrar até o fim, como preparativo para as
eleições do ano que vem.
Vocês acham que o objetivo é
derrubar a Dilma?
Há três correntes de pensamento nos
movimentos sociais sobre a hipótese de golpe: uma diz que está fora
de cogitação e que, portanto, não se discute a probabilidade.
Outra que enxerga riscos e que devemos nos preocupar. Entre essas
duas correntes tem o meio termo, que não vê as coisas com paranoia,
mas acha que é preciso ficar atento porque o quadro é indefinido e
o recomendável é não desqualificar as forças da direita. Acho que
o quadro não é de paranoia nem de tranquilidade ingênua. Há um
indicativo claro de antiesquerdismo nas manifestações. Acho que não
se deve superestimar a direita e nem fechar os olhos.
Quais são os atores nesse
jogo?
A grande dúvida é sobre o papel que
Lula jogará
nesse processo. Ele tem força com a classe trabalhadora, mas ainda
não disse o que fará. Nós do MST
queremos fugir do debate eleitoral. Não nos interessa. É um
equívoco e seria oportunismo político. A Dilma
está jogando xadrez: colocou um bodão na sala da oposição e a
deixou na defensiva. Também não vamos ficar na defesa burra do
governo, tipo David Luiz
( da seleção, que permitiu um pênalti contra a Itália ). Dilma
deve apontar soluções concretas para os problemas sociais ou arcar
com os riscos de desgaste se ficar só no genérico.
Como vocês reagiriam a um
eventual avanço da direita contra o governo?
Até agora não tem nada colocado
claramente, mas não dá para descuidar porque nada, nem mesmo um
pedido de impeachment, está descartado. A direita está se
articulando contra governo e contra a abertura de espaços para o
poder popular. Acho que o que ocorreu no Paraguai deve servir como
alerta. Dilma corre o mesmo risco, mas aqui não deixaríamos
acontecer o golpe que derrubou Lugo
. O Brasil vai progredir, sim. Não daremos nenhum passo atrás e nem
entregaríamos o poder à direita. Esse é o limite. E se houver uma
tentativa de impeachment para derrubar o governo, resistiremos do
jeito que for necessário.
Onde entra a bandeira da
reforma agrária?
Temos 400 mil famílias assentadas,
80 mil acampadas _ contingente dentro da série histórica, com
exceção do governo Lula, quando os acampados chegaram a 200 mil - e
cerca de 20 mil militantes. Para o movimento o importante agora é
recolocar a reforma agrária na ordem do dia e disputar espaços nas
manifestações de rua. Nunca tivemos uma reunião com Dilma para
discutir a questão fundiária, mas a crise a recoloca na ordem do
dia. Estamos em mais de mil municípios e chamamos o interior e a
periferia dos grandes centros para participar das mobilizações. O
novo é o debate sobre o poder popular, que vamos puxar, fazendo a
autocrítica e tirando lições do que está ocorrendo para uma
discussão mais qualificada.
Que papel terá o MST na
jornada que vem pela frente?
Na hora do pega temos um know-how,
que foi construído na luta. Não queremos nos colocar à frente,
como protagonistas, mas sabemos fazer a luta e onde formos convocados
estaremos. Não temos a pretensão de dirigir os protestos e sim de
participar com a humildade que o momento histórico requer. O
importante é unificar trabalhadores rurais e urbanos numa pauta
comum para fazer o país avançar.