Nós fazemos política com as armas, o objetivo é fazer política sem elas”: As FARC-EP em La Habana
Escrito por Loïc
Ramirez , Le Grand Soir
Sentados no átrio do
Hotel Habana Libre de Havana, Andrés París, figura histórica da
guerrilha, e Diana Grajales, jovem combatente insurgente,
intercambiam comigo seus pontos de vista sobre as perspectivas
acerca das discussões levadas com o governo da Colômbia. Divididas
em vários pontos, estas têm como temática principal nestes
momentos a questão da participação política do movimento armado.
“A participação nossa em política não é a mera participação
em cargos burocráticos parlamentares, que é a que nos querem
conduzir; primeiro, com um afã de adoçar-nos o ouvido, de inflamar
os egos, com o propósito que caiamos em outra emboscada. Este
conceito encerra a ideia de que a guerrilha não faz política. Nós,
as FARC, fazemos política desde que nascemos, fazemos política com
as armas, o que se trata de discutir é como fazer política, porém
sem o uso das armas”, explica Andrés París.[1]
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Diana Grajales e o comandante Andrés Paris, hoje
em La Habana
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Com uma advertência,
acrescenta “Não vamos ser cooptados pelo regime, não vamos
apoiar as classes dominantes e seus partidos, não vamos
desintegrar-nos para fortalecer propostas burguesas que estão
dominando hoje a vida política nacional, como o fizeram alguns
setores das guerrilhas anteriores que se desmobilizaram”.[2] A
estrutura do grupo armado é o reflexo do que é, isto é, “um
partido em armas”, como o destaca Diana Grajales.[3] Voltando a
seus primeiros anos em contato com a guerrilha, a jovem me explica
sua iniciação ideológica ao marxismo, ao leninismo, à dialética
e ao bolivarianismo. “A esquadra é a menor unidade no seio da
organização, está composta por 12 guerrilheiros, e cada
‘esquadra’ é, por sua vez, a célula política!”. Fundido à
estrutura do grupo armado, o Partido Comunista Colombiano
clandestino [PC3] e as FARC são uma unidade, resposta à ruptura
orgânica oficial da guerrilha com o histórico Partido Comunista
Colombiano na década dos ’90. Semanalmente, cada estrutura de
base da guerrilha realiza uma reunião política de partido. Aí se
aplica, como o predispõem os princípios leninistas, o debate
aberto e livre entre militantes/guerrilheiros, assim como a crítica
e autocrítica. “Essas reuniões para nós são vitais”, destaca
a jovem combatente.
Jaime Nevado é um
guerrilheiro com uma longa experiência. Barba grisalha e óculos, o
homem sabe levantar a voz quando quer ressaltar suas palavras. “O
guerrilheiro que não é comunista não é um guerrilheiro”,
afirma.[4] Amante do teatro, se une à insurgência na década dos
anos ’80, na qual segue praticando e transmitindo sua arte. Quando
lhe pergunto sua opinião acerca dos diálogos com Bogotá, me
responde: “Estamos sentados na mesa para democratizar o país. Não
vamos entregar as armas, se nos querem arrancá-las, que venham e
nos arranquem. Não nos têm podido quitá-las, então, como é isso
de que vamos entregá-las? É como se disséssemos a eles
“entreguem-nos o Estado!” Nós não pudemos tomá-lo, então,
como nos vão entregá-lo? Estamos iguais, somos dois exércitos que
não puderam derrotar um ao outro. Ah!
Que nos prejudicaram?
Sim, porém nós também lhes causamos danos. Por que as
transnacionais estão pressionando Santos para sentar-se conosco na
mesa de negociação? Porque elas querem investir na Colômbia e a
pedra no sapato somos nós [...] O problema, hoje em dia, são os
«não»
do governo. Se lhes diz «O
campesino necessita de terra», eles dizem «Não, isto não é
negociável»; «o
campesino necessita de uma reforma agrária», «Não, isto não é
negociável»; «O campesino necessita de uma zona de reserva e
blá-blá-blá...” «Não, isto não é negociável». Agora,
estamos falando da participação política, nós dissemos que o que
há que fazer para garantir esses acordos é uma Assembleia
Constituinte. O governo responde: «Não, isto não é negociável».
No entanto, o regime
colombiano pode ser flexível, como o precisa Andrés París: “O
governo havia rechaçado várias propostas que lhe havíamos feito,
porém foi gradualmente elaborando fórmulas que permitiram avançar,
e é previsível que, frente a Assembleia Constituinte, também
modifique sua postura. Na etapa secreta dos diálogos, eles queriam
que as conversações permanecessem todo o tempo secretas, nós
exigimos uma abertura da mesa. Cederam e agora nos encontramos na
etapa pública, coisa que não estimavam no começo destes diálogos.
A princípio se negaram a qualquer forma de ratificação dos
acordos e agora Santos fala de um referendo. Nós queremos precisar
que a Assembleia Nacional Constituinte é um mecanismo do qual se
utilizará ao final, quando todos os acordos sejam obtidos [...].
Tudo isto te digo para que possas ver que o governo já modificou
suas posições e que é desejável que também o faça a respeito
da sua posição inicial de dizer “não” a Assembleia
Constituinte”.
Enriquecidas por cerca
de 50 anos de experiência na luta, as FARC sabem que os acordos de
paz com o Estado colombiano não poderão ser válidos sem que
se estabeleçam garantias sólidas. O fantasma do projeto da União
Patriótica seguem sendo a bússola inevitável para quem queira
levar a cabo um cessar-fogo. A investida sofrida pela esquerda nessa
época [e que se prossegue atualmente] consolidou a certeza, no
movimento armado, de que no país não existem condições políticas
suficientes para abandonar a luta armada. “Hoje em dia, depois de
30 anos, posso dizer que sou um sobrevivente de uma geração de
líderes cuja maioria foi assassinada. A luta guerrilheira, sendo
aparentemente mais perigosa, lhe posso dizer que os que ingressamos
nas FARC estamos vivos, enquanto que os que continuaram no exercício
da política foram assassinados”, explica Andrés París. Frente
às incessantes exigências de capitulação formuladas por Bogotá,
aquele contesta “para quê? O primeiro ato seria: a desmobilização
e a entrega de armas. Segundo ato: saída de um grupo de
guerrilheiros para a praça pública. E terceiro ato: assistir ao
enterro desses líderes”. Esboçando apenas um sorriso, acrescenta
“Então, quando chegue o momento de dizer ‘Quem sai pelas FARC?,
eu digo: Que saia Diana primeiro, adiante!”” A jovem companheira
lhe responde com um sorriso cúmplice.
É evidente que o
desafio principal das conversações de paz realizadas em Havana
reside no seguimento destes, quando concluam. Ariel Ávila Martínez,
membro do Observatório do conflito Nuevo Arco Iris, me expunha sua
inquietação numa entrevista em janeiro de 2013, acerca das
garantias que o regime poderia dar:
“As FARC não podem
ser assassinadas outra vez, há que deixá-las participar na vida
política. Depois, lhe pode exigir 60 anos de cárcere a
Timochenko.[5] Depois de ter passado 40 anos de sua vida na selva.
Há que encontrar uma combinação jurídica. Porém, sobretudo, há
que proteger-lhes a vida. Sabes que os maiores assassinos da
esquerda na Colômbia foram os paramilitares, instigados pela classe
política tradicional. Então, eu me faço uma pergunta, se num
município narco um comandante das FARC se lança em política...
será que o prefeito vai deixá-lo? Ou vai se aliar com os narcos
para matá-lo?”.[6]
O problema paramilitar
é um dos pontos essenciais na hora de firmar garantias de
participação política aberta. “O governo tem primeiro que
desmontar os grupos paramilitares, em segundo lugar tem que depurar
as forças armadas e em terceiro lugar tem que acabar com esta
doutrina da segurança nacional”, enumera Jaime Nevado,
referindo-se a esta tese proveniente da época da Guerra Fria, que
tem como finalidade utilizar o exército para levar a cabo uma
guerra anti subversiva. Esta consiste essencialmente em reprimir o
movimento social com o pretexto de combater a guerrilha. “Que é
essa confusão, em que nós estamos falando de paz e Santos decide
afiliar-se a OTAN? Para quê? A OTAN só serve exclusivamente para
destruir povos, isso não é sério!”, acrescenta meu
interlocutor.
“Nós estamos
convencidos de que o que sucedeu com a União Patriótica pode
repetir-se. Os mortos nunca dissuadiram a burguesia colombiana”,
prossegue Andrés París. “A melhor garantia de não sermos
assassinados é que na Colômbia comece um processo de mudanças
profundas da cultura e das instituições políticas colombianas,
nas quais os esquadrões da morte sejam isolados”. Prevenido, o
guerrilheiro conclui com um refrão colombiano: “Ao cachorro não
o capam duas vezes”.