Governos europeus e Comissão Européia: lacaios dos EUA
Autor: Alejandro Teitelbau,
Fonte: anncol.eu
A proibição, decidida pelos governos da Espanha,
França, Itália e Portugal, de sobrevoar seus respectivos espaços aéreos para o
avião que transportava o Presidente da Bolívia, Evo Morales, além de violar os
princípios mais elementares do direito internacional e particularmente o
direito diplomático, mostrou de forma grotesca o grau de submissão da maioria
dos governos europeus e da Comissão Européia ao governo dos Estados Unidos.
Esta submissão não é de hoje, mas o ponto de inflexão ocorreu devido aos
atentados contra as torres gêmeas em setembro de 2001 e cavalgou sobre a histeria
antiterrorista em escala mundial fomentada pelos EUA.
No que concerne ao uso do espaço aéreo europeu, os EUA assumiram o
controle naquele mesmo ano.
Em novembro de 2001, o embaixador Francis X. Taylor, coordenador de
antiterrorismo do Departamento de Estado dos EUA, escrevia o seguinte: “Os
aliados da OTAN acordaram prover aos EUA de uma ampla ajuda que solicitamos,
isto inclui o uso ilimitado do seu espaço aéreo, instalação de bases, portos
marítimos, logística... Temos desenvolvido também um Programa de Interceptação
de Terroristas (TIP), que utiliza modernos sistemas de bancos de dados para
ajudar na identificação de potencias terroristas que tentem cruzar as
fronteiras internacionais. Este programa terá sua máxima efetividade nos países
que são importantes centros de transporte”. (Embaixador Francis X. Taylor, “Terrorismo:
políticas y medidas antiterroristas estadounidenses”, Oficina del Coordinador
de Antiterrorismo, Departamento de Estado de Estados Unidos em Agenda de la
Politica Exterior de los Estados Unidos de América. Publica Electrónica del Departamento
de Estado de Estados Unidos. Volumen 6, número 3, noviembre de2001.
Isto serviu para que os governos europeus dessem seu consentimento para
os chamados “vôos secretos da CIA” em que os ianques utilizavam o espaço aéreo
europeu para transportar supostos terroristas para prisões secretas onde eram
submetidos a torturas.
Dick Marty, relator especial da Assembléia Parlamentar do Conselho da
Europa para a questão dos vôos secretos da CIA, revelou, em junho de 2007, que
entre 2002 e 2005 a CIA manteve pessoas aprisionadas em prisões secretas na
Polônia e Romênia.
Afirmou também que um acordo secreto entre os EUA e a OTAN, de outubro
de 2001, permitiu à CIA fazer essas detenções e realizar outras atividades
ilegais na Europa.
Em março de 2007, Marty, em obediência ao mandato recebido da Assambléia
Parlamentar do Conselho da Europa, apresentou ao Comitê de Assuntos Legais e de
Direitos Humanos da mesma, um Memorando Introdutório sobre as “Listas negras do
Conselho de Segurança” [(AS/Jur (2007) 14-19 March 2007 ajdoc14 2007 Committee
on Legal Affairs and Human Rights - UN Security Council black lists -
Introductory memorandum- Rapporteur: Mr Dick Marty, Switzerland, Alliance of
Liberals and Democrats for Europe].
O Relator conclui que as “listas negras” não somente violam direitos
fundamentais, mas desacreditam a luta internacional contra o terrorismo. O relatório
tem como anexo uma pesquisa sobre a
questão de autoria de Symeon Karagiannis, professor de direito público da
Universidade Robert Schuman de Strasburg. A Assembléia Parlamentar, em junho de
2007, aprovou o relatório de Marty sobre as prisões secretas e, em novembro de
2007, a Comissão de Direitos Humanos e a Comissão de Assuntos Legais da mesma
Assembléia aprovaram seu relatório sobre as “listas negras”.
Esse controle do espaço aéreo europeu pelos EUA, com o consentimento
expresso dos governos europeus, agora foi usado para proibir o avião que
transportava o presidente da Bolívia, Evo Morales, de sobrevoá-lo, como o
pretexto de que levava a bordo a Snowden.
As revelações de Snowden são uma atualização do que todo o mundo
interessado sabe, já a bastante tempo: as agências de inteligência anglo-saxões
(EUA, Grã Bretanha, Austrália, Canadá y Nova Zelândia) possuem há anos um
sistema de espionagem chamado ECHELON, através do qual se espiona todo o mundo,
com a finalidade de, principalmente, atuar com vantagem no plano econômico, com
o pretexto de vigiar as atividades terroristas.
A novidade trazida por Snowden, entre outras, é que os progressos
tecnológicos para interceptar e selecionar milhões de comunicações diárias superaram
de longe o ECHELON e que os grandes da internet como Google, Facebook e Yahoo
(todos norte-americanos) transmitem toda a informação que circula pelas suas
redes aos serviços de “segurança” dos EUA. O sistema internacional de transações
financeiras, SWIFT, também é controlado pelos mesmos serviços de espionagem.
Se os governantes europeus tivessem um mínimo de dignidade, deveriam
agradecer publicamente a Snowden e lhe oferecer asilo político.
Contrariamente, se baseiam em rumores de que Snowden (um terrorista para
o governo dos EUA) estaria a bordo, no avião de Morales, para atuar servil e
precipitadamente, violando as regras mais elementares do direito internacional.
Cabe
destacar a atitude hipócrita do presidente da França, François Hollande, que
simula se inteirar da espionagem norte-americana após as denuncias de Snowden e
– “pour la galerie” – indigna-se, “exige”
que a espionagem cesse “imediatamente” e, alguns dias depois, sua administração
admite desavergonhadamente as ordens do “Big Brother”.