"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sexta-feira, 5 de julho de 2013

Problema de fundo do caso Snowden Espionagem global dos Estados Unidos


Por Eduardo Tamayo G.
Tradução: Joaquim Lisboa Neto

ALAI AMLATINA, 04/07/2013.- A virtual retenção do presidente Evo Morales por 13 horas em Viena, depois que França, Itália, Portugal e Espanha impediram que seu avião sobrevoasse por seus espaços aéreos suspeitando que levava oculto ao ex-informante da Agência Central de Inteligência [CIA, por suas siglas em inglês] Edward Snowden, é um episódio que, por sua gravidade, ocupa a atenção internacional.
Sendo importante este acontecimento, sem precedentes na história recente, não se deve esquecer que o problema de fundo a debater é a espionagem massiva, global, indiscriminada e arbitrária que, segundo a denúncia de Snowden, estão executando os programas de inteligência dos Estados Unidos em todo o mundo, o que atenta contra a privacidade de dezenas de milhões de cidadãos, usuários das redes sociais de Internet. Evidentemente, isto é algo em que os meios privados corporativos internacionais não aprofundarão, estando muito mais interessados em desviar a atenção pública para temas secundários ou futilidades.
O verdadeiro problema não é ele [Snowden], mas sim o que denunciou”, manifestou a Reuters o presidente equatoriano Rafael Correa, para quem se trata do maior caso de espionagem da história da humanidade e onde a primeira vítima é precisamente o povo norte-americano e outros Estados soberanos.[1]

Uma mancha a mais no tigre

Edward Snowden, quem trabalhou para a CIA como analista e em seguida trabalhou para uma das empresas de segurança que presta serviços a Agência de Segurança Nacional [NSA, sigla em inglês], revelou que esta e o FBI têm acesso aos registros eletrônicos tanto da operadora telefônica estadunidense Verizon como também aos servidores dos gigantes da Internet [Google, Yahoo, Facebook, YoyTube, Skype, AOL, Apple, Microsoft] através do projeto PRISM [prisma].

Snowden revelou a forma como operam os serviços de inteligência estadunidenses para bisbilhotar e extrair os dados e metadados[2] das redes sociais não só dos cidadãos estadunidenses, como também de todo o mundo, violando o elementar princípio da privacidade das pessoas e das instituições.

A NSA levantou uma infraestrutura que lhe permite interceptar praticamente tudo e capturar a imensa maioria das comunicações humanas de maneira automática e sem selecionar os objetivos. Se, por exemplo, eu quero ver seus correios eletrônicos ou o telefone de sua mulher, a única coisa que necessito fazer é usar métodos de interceptação, que me permitem obter correios, contrassenhas, históricos de telefone, dados de cartões de crédito”, assinalou Edward Snowden numa entrevista com o jornal britânico The Guardian.[3]

As revelações de Edward Snowden colocam os Estados Unidos numa situação sumamente embaraçosa, sobretudo depois que o semanário alemão Der Spiegel, baseado em documentos do ex-agente da NSA, deu a conhecer que os serviços secretos dos Estados Unidos espiam massivamente a Alemanha, a missão da União Europeia em Nova Iorque e Washington e a 38 embaixadas, o que provocou questionamentos e protestos na União Europeia.

Estes fatos marcam a queda da imagem dos Estados Unidos, já deteriorada pelas filtrações de WikiLeaks, que permitiram conhecer os farrapos sujos do serviço exterior dos Estados Unidos e as atuações do exército norte-americano em Irã e Afeganistão, que provocaram milhares de vítimas entre civis e militares, ao que se soma a manutenção do centro de detenção e torturas de Guantánamo [e anteriormente o de Abu Ghraib no Iraque], as execuções extrajudiciais com seus drones [aviões não tripulados] no Paquistão e outros países.

Porém, estes problemas parecem não incomodar as elites dos Estados Unidos, as quais justificam a espionagem como garantia da segurança nacional. É muito revelador e mostra atualidade o que escreviam Richard A. Clarke, ex-coordenador do Conselho Nacional de Segurança nos governos de George Bush pai, Bill Clinton e George Bush filho, e Robert K. Knake:

As formas em que obtemos informação, incluída a ciberespionagem, podem ofender a sensibilidade de certas pessoas e, em ocasiões, supor uma violação das leis nacionais e internacionais, porém, com algumas exceções notáveis, as atividades de espionagem dos Estados Unidos, geralmente, resultam necessárias e benéficas para os interesses da nação”.[4]

Com Obama, mais vigilância

As revelações de Snowden demonstram que na administração Obama continuam e, inclusive, se ampliam os programas de vigilância e controle aplicados por George W. Bush após os atentados de 11 de setembro de 2001. Relembremos que não foi revogada e segue vigente a lei denominada US Patriot Act, aprovada pelo Congresso a pedido de Bush, que autoriza ao governo norte-americano interceptar comunicações efetuadas por meios eletrônicos ou telefônicos.[5]

O governo de Obama, amparado em ordens judiciais dispostas pela Lei de Vigilância de Inteligência Estrangeira [FISA, sigla em inglês], permitiu à Agência de Segurança Nacional recopilar durante dois anos os registros eletrônicos de milhões de clientes da companhia de comunicações Verizon, uma das maiores do país, segundo informou o jornal The Guardian de 27 de junho de 2013, baseado nos documentos filtrados por Snowden.[6]
Militarização do ciberespaço

Durante o governo de Obama se avançou na militarização do ciberespaço, que é concebido como um dos eixos prioritários no marco da estratégia militar estadunidense de controle e dominação mundial. Para este efeito, em outubro de 2009 começou a operar o Comando Cibernético dos Estados Unidos, no qual participam as diferentes forças de tarefa e que desdobrará operações defensivas e ofensivas no ciberespaço. Este último é concebido pelos militares estadunidenses como um espaço em que se desenvolve um combate e que tem que ser dominado pelos Estados Unidos.[7] O objetivo das forças militares deste país é alcançar a superioridade estratégica no ciberespaço para o qual os Estados Unidos devem atacar, contando com “capacidades ofensivas no ciberespaço para ganhar e manter a iniciativa”.[8]

Julián Assange, o criador de WikiLeaks que difundiu milhares de documentos secretos dos Estados Unidos e que se encontra asilado na embaixada equatoriana em Londres há um ano, assinala que a Internet, que estava chamada a constituir-se num espaço civil, resultou no espaço militarizado.[9] “Atualmente, há uma militarização do ciberespaço, no sentido de uma ocupação militar. Quando alguém se comunica na Internet, quando alguém se comunica por um telefone móvel, que agora está ligado a Internet, estas comunicações são interceptadas pelos serviços de informação militar”.
Cabe assinalar, no entanto, que o ciberespaço ainda é um campo em disputa, no qual atuam as forças do império e das elites empresariais, políticas e militares mundiais que tratam de controlá-lo e amoldá-lo de acordo com seus interesses e visões mercantis e militaristas; porém também estão presentes redes e projetos que resistem ao capitalismo depredador e propõem projetos emancipatórios, promovem a paz e a transparência democrática. As atuações de gente como Assange, Snowden, Bradley Manning indicam, inclusive, que os aparelhos de segurança da potência mundial são vulneráveis e contribuem para que venha à luz muita informação que pretende ser ocultada precisamente porque violam os direitos humanos das pessoas e o direito internacional.
Vigilância global

As autoridades dos Estados Unidos tratam de minimizar as reações internacionais sobre a ciberespionagem, dizem que todos os países a praticam e que está justificado pela necessidade de proteger a nação das ameaças terroristas. No entanto, várias evidências indicam que a espionagem não se dirige somente contra os potenciais terroristas, mas também contra ativistas sociais, países amigos e inimigos, mandatários e cidadãos em geral, embaixadas, o que viola a Declaração Universal dos Direitos Humanos [Art. 12], o direito internacional e a própria Constituição dos Estados Unidos.
Segundo Julián Assange, nos encontramos ante um novo padrão tecnológico de espionagem que permite interceptar e armazenar todas as chamadas telefônicas, correios eletrônicos, mensagens de voz e texto etc. de um determinado país. Nesta atividade intervêm centenas de empresas privadas que oferecem seus serviços aos estados, o que também é motivo de preocupação pelo indevido uso que possam fazer dos dados das pessoas e instituições, ademais de que, muitas vezes, não estão sujeitas a nenhum tipo de controle democrático.

Em entrevista concedida ao jornalista Santiago O’Donnell de Página 12 da Argentina [23.9.12], Assange assinala que é muito mais barato ter arquivos permanentes de populações inteiras do que localizar e seguir determinados indivíduos. ‘Melhor que todos sejam o alvo do que ter que discriminar”. Mais adiante, quando se requeira os dados de uma determinada pessoa, se pode recorrer ao arquivo permanente, rastrear os dados dessa pessoa, encontrá-lo facilmente e seguir seu rastro, de acordo com as apreciações de Assange.
Outro elemento que se desprende das denúncias de Snowden é a estreita colaboração das gigantes da Internet com os organismos de espionagem dos Estados Unidos. Como mencionou Snowden, a NSA, através do programa PRISM, teria acesso às bases de dados de Google, Facebook, YouTube, Skype, AOL, Yahoo, Apple, Microsoft.
Isso tem sérias repercussões para dezenas de milhões de pessoas de todo o mundo, que têm confiado seus dados pessoais a essas empresas globais de Internet em troca do acesso gratuito às diferentes aplicações que estas oferecem como correio eletrônico, chats, blogs, redes sociais etc. Porém, de hoje em diante, temos a certeza [e já não só a suspeita] de que nenhum usuário dessas empresas e redes pode estar seguro e confiado, as informações, fotos, mensagens e metadados [com exceção das que se encontram encriptadas] que circulam na Internet podem ser interceptadas e controladas através das tecnologias de identificação, vigilância e investigação.

América Latina: vulnerada esperançada
Se calcula que 80% do tráfico internacional de dados da América Latina passam pelos Estados Unidos, o que constitui o dobro da Ásia e quatro vezes a porcentagem da Europa, de acordo com o jornalista uruguaio Raúl Zibechi.[10] As comunicações eletrônicas entre os países latino-americanos, para serem concretizadas, devem atravessar primeiro pelos servidores localizados nos Estados Unidos. Estas comunicações são interceptadas pela Agência Nacional de Segurança, segundo revelou Julián Assange a Página 12 da Argentina.
A boa-nova, neste campo, é que os ministros de telecomunicações da UNASUL, reunidos em maio deste ano no Brasil, combinaram criar um mega-anel de fibra óptica que possibilitará que, no futuro, as comunicações já não passem mais por território estadunidense. Este anel, que terá uma extensão de 10.000 quilômetros, barateará custos e fará com que as comunicações sejam mais seguras. Após evidenciar-se a espionagem massiva que os Estados Unidos executam nas redes, este projeto representa uma importância estratégica para os 12 países que compõem a UNASUL em função de alcançar a independência e a soberania tecnológica. Enquanto tudo isto se concretiza, se torna imperativo a encriptação das comunicações e começar a desenvolver e utilizar massivamente o software e as plataformas livres, posto que são as grandes transnacionais que monopolizam o software proprietário as que deixam abertas as “portas traseiras” para que alguns serviços de espionagem acessem as informações dos cidadãos de todo o mundo.

Notas:

(1)
 
http://www.elciudadano.gob.ec/index.php?option=com_content&view=article&id=43403:qel-problema-no-es-snowden-sino-lo-que-denuncioq&catid=40:actualidad&Itemid=63

(2) Barack Obama assinala que não se espia o conteúdo da informação, mas sim que a NSA, através do projeto PRISM [prisma] só coleciona metadados. Que são estes? Se lhes pode definir como os dados acerca dos dados. Cada vez que enviamos um arquivo de texto, imagens, áudio e vídeo, ou fazemos uma chamada telefônica ou visitamos um sítio web, deixamos uma pista, um rastro digital que fica registrado. Quando fazemos uma chamada telefônica, por exemplo, ficam arquivados o número chamado, a duração da mesma, por quais centrais viajou a comunicação etc. Estes viriam a ser os metadados da conversação telefônica. A este tipo de metadados podem ter acesso a Agência de Segurança Nacional em forma oculta e sem nosso conhecimento.
Ver:

Alberto Salazar, La metadata que la NSA de EEUU está espiando de todas sus comunicaciones,  http://www.rebelion.org/noticia.php?id=170005, 21-06-2013

(3) Ver la versión en español del artículo en El Ciudadano:
 
http://www.elciudadano.gob.ec/index.php?option=com_content&view=article&id=42861:eeuu-puede-espiar-cualquier-computadora&catid=40:actualidad&Itemid=63

(4) Richard A. Clarke, Robert K.Knake, Guerra en la red, Ariel,
 
Barcelona, 2011, p. 305-306

(5) Walter Graciano, Hitler ganó la guerra, DeBolsillo, Buenos Aires,
 
2005, p. 74

(6)
 
http://actualidad.rt.com/actualidad/view/98582-obama-nsa-vigilancia-email , 
2013-06-27

(7) Op cit. Richard A. Clarke, p. 71

(8) Ibid. p.71-72

(9) Julian Assange et al, Menace sur nos libertés, Robert Laffont,
 
Paris, 2013, p. 47

(10)
 http://www.contrainjerencia.com/?p=33911


URL de este artículo:
 http://alainet.org/active/65377