A esquerda colombiana deve votar em Juan Manuel Santos?
Andrés Felipe Parra Ayala
Os
resultados do primeiro turno das eleições presidenciais na Colômbia
não são uma surpresa. A maioria das pesquisas que usam como amostra
as pessoas que não vivem em Bogotá, e não passam seu tempo nas
redes sociais, davam como eleito o candidato apoiado pelo
ex-presidente Álvaro Uribe, Óscar Iván Zuluaga, ou garantiam um
empate técnico. As eleições parlamentárias já tinham demonstrado
que o uribismo, ainda que tenha perdido sua força eleitoral, segue
na disputa pelo posto de principal força política do país.
Os setores progressistas da sociedade
sempre esperam uma derrota do uribismo nas eleições e sempre ficam
surpresos com o balde de água fria. O motivo é que fazem um mal
diagnóstico do fenômeno uribista. Os que não gostam de Uribe
garantem que ele e seus partidários são uma seita que faz lavagem
cerebral nas pessoas e que compra consciências com tamales (prato
tradicional à base de milho) ou que engana os bobos com propaganda.
Não há dúvida de que o governo de Uribe esteve permeado do começo
ao fim por práticas desonestas, por violações da lei nacional e
internacional e por uma política de vale-tudo. Mas isso não faz com
que o uribismo seja uma tendência política carente de ideias e de
argumentos que compra tudo com subsídios de famílias em ação.
Pelo contrário: o sentido e a força que o uribismo tem em nosso
país está no fato de ter razões para justificar suas atitudes e no
fato de que aqueles que são adeptos dessa causa entendem essas
razões e são capazes de argumentar com elas.
Isso permite entender porque o
escândalo do vídeo
do hacker Andrés Sepúlveda não
afetou Zuluaga como muitos esperávamos, desejando mais que
raciocinando. O argumento uribista é que a ameaça terrorista é uma
situação na qual não é possível estabelecer distinções éticas
entre o bom e o mau nem legais entre legal e ilegal. O terrorismo é
uma situação sem lei e, como não há lei, pode-se e deve-se fazer
o que for necessário para estabelecê-la, para levar o Estado de
Direito à selva, como sonha nosso espírito nacional com a sentença
de Santander, que ligou para sempre a lei e a liberdade.
Enquanto durou a arremetida midiática
contra Zuluaga pela difusão do vídeo, perguntei com curiosidade a
um conhecido uribista sua opinião sobre o acontecido. Sua reação
não foi a ira, nem o desespero, mas com serenidade comparou
Sepúlveda e Zuluaga a Julian Assange, o fundador do wikileaks, que
por meio da espionagem ilegal filtra informação sobre as ações do
governo dos Estados Unidos em nome da expressão e da democracia. A
comparação é absolutamente odiosa, a começar porque Assange atua
contra a guerra e Zuluaga em prol dela, mas permite mostrar que, para
os uribistas, um escândalo não é realmente considerado como tal
porque todas as ações de seus dirigentes são perdoáveis em
comparação ao escândalo gerado pela situação terrorista e pela
existência das FARC.
Também mostra que o uribismo aproveita inteligentemente a distância
que existe entre os diálogos de paz e as pessoas comuns.
Se os escândalos com sua veemente
reprodução midiática em grande escala não podem derrotar o
uribismo, o que pode fazê-lo? A resposta parece ser simples e
previsível: a paz é a derrota do uribismo. No entanto, isso não é
uma resposta. É, na verdade, uma pergunta pelo sentido e o
significado da paz.
É neste ponto que o projeto
democrático da esquerda e dos movimentos sociais se diferencia da
direita. Para Santos, a paz é a subordinação dos atores armados
ilegais à lei e ao Estado de Direito por meio de concessões
punitivas e de participação política. Neste ponto, Santos não é
muito diferente de Uribe: muda apenas a forma (derrota militar ou
negociação), mas nunca o fim nem a ideia que ambos têm da paz.
Para os movimentos sociais, em troca, a paz é sinônimo de
transformação e de mudanças profundas. Para a esquerda e para os
movimentos sociais, não se trata de convidar a insurgência a ser
parte da legalidade vigente, já que o estado das coisas atuais faz
parte do conflito.
Por isso, e à primeira vista,
parecem estar certos os que, depois da publicação dos resultados
eleitorais, convocam o voto em branco ou a abstenção.
A ideia de votar em Santos como voto pela paz é uma frase sem
conteúdo já que “paz” significa coisas diferentes: a paz de
Santos é apenas uma chance e uma oportunidade para ampliar o
repertório de venda dos territórios colombianos para as grandes
mineradoras e para o modelo de extração. A conexão entre votar na
paz e votar em Santos é, como consequência, nula e inexistente.
Mas o argumento que reprova a falta
de consequência política de quem vota em Santos no segundo turno,
ainda que se baseie em algo correto, em si mesmo é absolutamente
superficial e profundamente equívoco. Aqueles que o formularam
assumem, assim como os uribistas que tanto criticam, e que tanto
acusam de estupidez e ignorância, que o processo de paz e os
diálogos de Havana são santistas. Isso não é verdade porque a
existência do processo de paz não tem como consequência a paz
santista: o processo de paz não é santista, mas é um cenário onde
há duas ideias de paz em disputa e em conflito, no qual a esquerda
deve recolher a aprendizagem da campanha da candidata do Polo
Democrático Alternativo, Clara
López, e aprender a mostrar ao país
que a paz passa por superar os grandes problemas de segregação
social e de falta de oportunidades e, também, que essas grandes
mudanças não podem acontecer sem uma solução política do
conflito armado.
É verdade que Santos não é
garantia para a paz. De fato, sua ideia de pós-conflito confunde paz
com silêncio e com consenso. Mas a permanência do processo de paz e
dos diálogos de Havana sim depende de que Zuluaga não seja eleito e
de um plebiscito contra o uribismo que demonstre que a grande maioria
não quer a guerra. Sobretudo quando, com ânimo triunfalista, o
candidato vencedor do primeiro turno das eleições garantiu que, se
for presidente, suspenderá os diálogos no dia de sua possessão, o
que está autorizado a fazer jurídica e politicamente, se não
acontecer de as Farc se retirarem da mesa no dia 16 de junho, o dia
seguinte ao segundo turno das eleições.
A questão entre votar ou não em
Santos no segundo turno não deve ser resolvida defendendo ou
atacando a ideia menos pior. O que está em jogo não são duas
pessoas, suas ideias e qualidades morais, mas duas situações: uma,
do processo de paz e do acumulado que pouco a pouco a esquerda vem
construído para confrontá-lo e enfrentar Santos e sua ideia de paz,
derrotando-o por meio das urnas, da mobilização social e, se for o
caso, de uma assembleia nacional constituinte. Outra, do fim do
processo de paz e da ascensão de um projeto uribista encorajado, que
faria da solução militar um ponto sem volta. Por isso, ainda que as
pessoas sejam iguais, as situações que derivam da sua eleição são
sim diferentes. Uma, é a aposta por manter uma situação próxima
da solução política, a outra é o enterro de tal possibilidade.
Por essas razões, eu votarei contra
Uribe no segundo turno, o que significa que marcarei o nome de Santos
na cédula. Não sou capaz de antepor de forma egoísta minha
“dignidade”, minha “memória” ou minha satisfação em me
sentir consciente e consequente politicamente contra a abertura das
portas da vitória definitiva da direita para a minha geração.