Colômbia: um processo de paz ferido de morte
Por Carlos
Medina Gallego*
Foi no
campo de batalha da luta eleitoral que o processo de paz de Havana
ficou ferido de morte. Isso aconteceu por conta dos resultados
eleitorais de 25 de maio, que feram como ganhador do primeiro turno
para a presidência o candidato do Centro Democrático, Oscar Ivan
Zuluaga.
Ninguém dever qualquer dúvidas de que, se os
resultados se repetirem no segundo turno, em 7 de agosto, e tivermos
como presidente Oscar Iván, o processo de paz com as Farc que teve
maior avanço na história do país será descontinuado sem que se
houvesse assinado nada. Qualquer sinalização de posicionamento
frente o processo de paz do candidato do Centro Democrático funciona
mais como estratégia eleitoral do que como um compromisso real com a
paz no país.
Foram levantadas diferentes explicações para
os resultados e já se abrem análises e especulações sobre os
possíveis cenários do segundo turno em termos de alianças,
desenvolvimentos programáticos, novas estratégias publicitárias e
focalização de trabalho político-eleitoral. A campanha parece ser
um confronto entre paz e segurança, e não é a mesma coisa falar de
paz com segurança e de segurança para a paz.
Por certo, os
estrategistas eleitorais dos candidatos afinaram seus mecanismos de
captura de eleitores mirando os votos dos 60% que se abstiveram, dos
6% que votaram em branco e dos 4% que anularam seu voto; e sobretudo
nos acumulados pelos candidatos derrotados, mediante adesões,
coalizões e alianças – votos que não são endossáveis de
maneira automática.
Talvez as maiores incertezas de forças
de adesão estejam noa eleitorados do Polo Democrático – União
Patriótica e Aliança Verde, embora não seja fácil a adesão
direta do partido conservador em massa ao Uribe-Zuluaguismo do Centro
Democrático, por conta da existência, no interior do partido, de
setores que estão comprometidos com o processo desenvolvido por
Santos com as Farc.
Talvez o maior esforço para mudar a
correlação de forças em direção à paz deva ser feito pela
esquerda democrática e por setores e movimentos sociais de esquerda,
que terão que decidir entre desenvolver suas lutas em um cenário de
crescente militarização ou em um cenário de democratização
disputada. E, ao menos no Polo Democrático, na Marcha Patriótica e
no Congresso dos Povos, existe uma resistência característica em
acompanhar projetos burgueses, oligárquicos e neoliberais, enquanto
setores mais realistas e pragmáticos, como da Aliança Verde e do
Progressismo, estariam para votar a favor da paz.
Eu me
atrevo a afirmar que, na política, quem não entende o momento não
soma, mas se limita a suas possibilidades, e que o purismo se
constitui em doença infantil do esquerdismo na democracia.
Abstencionismo, voto em branco e a firmação de que todos são
iguais e de que o poder se constitui nas ruas e por meio da luta
popular não representam qualquer alternativa séria ao momento
político atual, que requer a defesa de processos em marcha e o
máximo de oxigênio possível para a democracia nas ruas. Posturas
dessa natureza ignoram as lições da história e convocam para
novos, inúteis e desnecessários sacrifícios.
A situação
eleitoral é tão crítica, que o que está em jogo não é a
ascensão ou a permanência de uma opção distinta em termos de
modelo, mas sim as rotas que seguirão a paz e a luta democrática
nos conflitos do país. A paz, por ora, não é um fator
determinante, e isso obedece a duas carências fundamentais, e que é
necessário retificar: a falta de UMA PEDAGOGIA DE PAZ que dê
sentido aos avanços do processo e comprometa a cidadania em sua
defesa; e de uma FORÇA POLÍTICA DE PAZ construída por meio de uma
ALIANÇA MULTIPARTIDÁRIA E SOCIAL que se comprometa a tocar o
processo e levar à assinatura de acordos políticos, aos mecanismos
de referendamento, ao período de transição e ao pós-conflito
armado.
Um não é a mesma coisa do que o outro, nem antes nem
depois; as decisões políticas devem ser tomadas de maneira oportuna
e pertinente, porque os acontecimentos se dão e os resultados que
vão sendo obtidos definem as rotas de futuro. Ganhe quem ganhar,
haverá mudanças institucionais e constitucionais, mas em direções
distintas: se Santos ganhar, ele está acompanhado por uma FORÇA
POLÍTICA DE PAZ. Se o processo continua, seguramente se verão
mudanças democráticas que devem favorecer a luta política e
popular, bem como as condições dos setores da população
favorecidos pelos acordos em questões agrária e rural, de
participação política e de tratamento com as comunidades em
matéria de erradicação de cultivos de uso ilícito. O que está
sengo negociado em Havana não é uma revolução. É um futuro de
alterações institucionais, econômicas e políticas nas quais
certamente se alcançarão mudanças, sem que as dinâmicas do
conflito deixem de existir. Se Zuluaga ganhar, o que se pode esperar
é o recrudescimento da repressão e da violência, a segurança e a
vigilância, a perda absoluta da intimidade, o governo do GRANDE
IRMÃO, a aberta criminalização e judicialização dos protestos
sociais. O retorno do Uribismo e, seguramente, do próprio URIBE ao
poder.
Considero que o GOVERNO e as FARC têm que se focar na
defesa do processo e deixar de andar mostrando os dentes para manter
suas imagens diante de um adversário cuja atividade é tomar partido
em um processo que se carregou daquilo que, nos termos de LACLAU,
poderia ser chamado de grande VAZIO.
Seria importante
estabelecer, na esquerda, uma clara diferenciação entre o que é a
SOCIEDADE CIVIL, como todas as formas organizadas da população
civil que se encontram à margem do exercício das formas de poder,
em condições de resistência e oposição; e a SOCIEDADE EM GERAL,
como sociedade real, que nunca sai às ruas, não reivindica nada e é
alienada pelos meios de comunicação, e pensa que a politicagem
decide nas urnas contra ela mesma e contra o país.
Nunca
antes na história do país se chegou tão longe e com tanto realismo
em um processo de conversações de paz. Mas tudo o que se conquistou
será nada se os que estão sentados à mesa de conversações não
saírem de maneira mancomunada para defender ao avanços e para
enfrentar as ameaças. E os setores democráticos, os movimentos
sociais e uma esquerda renovada e objetiva se somam a uma grande
cruzada nacional e política em defesa da paz.
O PROCESSO DE
PAZ DE HAVANA ESTÁ FERIDO DE MORTE E A MELHOR REMÉDIO COM O QUAL
PODE CONTAR É UM AMPLO RESPALDO POLÍTICO, SOCIAL E POPULAR.
(*)
Professor e pesquisador da Universidade Nacional da
Colômbia
Tradução: Daniella Cambaúva
Tradução: Daniella Cambaúva
(com apoio de Carata Maior)