Santos precisa prosseguir o diálogo e aprofundar a democracia
Por
Pietro Alarcón*
Culminou neste 15 de junho o processo eleitoral colombiano com a reeleição à presidência de Juan Manuel Santos, certamente favorecido pelos votos já obtidos no primeiro turno, mas também, e muito especialmente, pelos eleitores que, embora não acreditem na sua plataforma econômica e saibam da sua ausência de compromisso com o social durante os quatro primeiros anos de mandato, sensatamente foram às urnas apoiando a continuidade do processo de diálogo com as FARC em Havana. O objetivo é o início das conversações com os demais grupos insurgentes, exigindo a participação cidadã, com pluralismo e respeito pelas diferenças, em um debate aberto sobre as transformações que o país requer para entrar numa fase de aprofundamento da democracia e de efetivação dos direitos sociais e das liberdades públicas.
À diferença do seu primeiro mandato, no qual não tinha o compromisso concreto de manter os diálogos de paz e lhe antecedia um governo com ares de caudilhismo ultrapassado e pobre em elaboração construtiva da política, que inclusive negava a existência do grave conflito social e armado que há no país – governo do qual ele próprio fez parte e endossou como Ministro da Defesa - , agora Santos contou com o voto de quem deseja uma decidida reorientação do gasto público e que reclama a manutenção e os frutos tangíveis do processo de Havana. Por isso, se quer passar à história como presidente da paz, tem a oportunidade de promover um arco de forças democráticas para um ideal transformador e um plano de desenvolvimento para o país.
Entretanto, na Colômbia, para ninguém é um segredo que a derrota de Zuluaga, candidato do ex-presidente Uribe e seu Centro Democrático, não significa que o paramilitarismo e os setores mais atrasados, de concepção claramente fascista, tenham sido definitivamente afastados. A campanha de Zuluaga teve como eixo a continuidade da guerra e, por isso, se prevê uma constante pressão por parte destes setores para acabar com o processo de diálogo. Não há que esquecer que, por trás de Uribe, há uma máquina produtora de armamentos e se identificam com mediana claridade os interesses geopolíticos de uma boa parte das corporações americanas na região. Daí que as eleições sejam de singular relevância para o continente.
Essa máquina militar mostra constantemente seu desgosto pela tática de Santos de sentar-se a conversar e é justo reconhecer que não está paralisada. Segundos os dados do próprio governo, no ano 2011, primeiro ano de governo de Santos, o investimento militar dos Estados Unidos na Colômbia foi de US$ 345 milhões, que, somados à ajuda não militar, mas também destinada indiretamente à guerra, somou um total de US$ 562 milhões (Fonte: Informe de Anistia Internacional do ano 2012, P. 126).
O Polo Democrático e a União Patriótica, numa aliança de esquerda bastante positiva, celebram a obtenção no primeiro turno de cerca de 2 milhões de votos. Nem Santos nem Zuluaga obtiveram 4 milhões. Assim, uma imensa quantidade de colombianos votou desde o começo por uma alternativa aos tradicionais discursos de partidos de pobreza programática, perorações repetitivas e sem fórmulas e soluções aos problemas nacionais.
Reiteramos, Santos recebeu um mandato para continuar o processo. Mas não podemos ser ingênuos. O presidente é oriundo de um setor historicamente ligado à concentração do poder. Contudo, na conjuntura, tem a grande chance de promover mudanças. Os votos e a vitória não o tornam automaticamente o presidente da paz, porque na Colômbia a questão é muito mais complexa.
Santos deve entender que priorizar a paz significa não apenas o seguimento do processo em Havana. Significa, ainda, escutar a Colômbia: aos juízes da Corte Constitucional que sentenciaram que no país há um estado constante de inconstitucionalidade em virtude do deslocamento forçado (sentença T-025 de 2004); aos trabalhadores da saúde e da educação, abandonados à sua sorte diante da precariedade dos recursos e a privatização dos hospitais e escolas; aos habitantes do campo, indígenas e afrodescendentes, que sistematicamente denunciam atropelos da força pública, violações aos direitos de reunião e de associação e constrangimentos por exercer o direito ao protesto. O caso mais escandaloso, o dos camponeses do Catatumbo, nos limites com a Venezuela, região epicentro das paralisações agrárias de 2013 e maio deste ano.
Significa também realizar os atos pertinentes para um cessar das confrontações com as guerrilhas e exigir o cumprimento das normas de direito internacional humanitário, respeitando-se à população civil. Nos anos 2012 e 2013, o governo colombiano, numa tentativa absurda de ocultar o sol com as mãos, negou, diante dos casos submetidos à Corte Interamericana de San José, a participação das forças armadas em violações aos direitos humanos ( Fonte: Human Rigths Watch – Informe Anual 2014 – Cap. Colômbia). Significa garantias para a oposição, respeito à vida das lideranças do movimento estudantil, sindical e das comunidades agrárias. Significa justiça para os presos políticos, hoje mais de 5000 segundo várias ONGs da Colômbia e do restante do mundo. Significa atendimento à questão humanitária e medidas efetivas para que cesse o deslocamento forçado de pessoas vítimas da degradação do conflito (no ano 2013, mais de 5 milhões de pessoas contaram-se como deslocadas internamente. Fonte: ACNUR Colômbia informe 2014).
Em suma, significa que o Estado colombiano, representando pelo governo de Santos, assuma a responsabilidade de proteger, promover e efetivar os direitos humanos e iniciar as transformações para um país diferente. Para tanto é necessário um modelo econômico voltado para a justiça social. Santos tem o desafio de avançar na reconstrução da democracia, abandonando o autoritarismo do regime político construído ao longo da história, promovendo as condições para a participação popular que supere a democracia formal de sempre, garantindo direitos e chances para colombianos esquecidos. E deve escutar o movimento social em franca ascensão, tanto em grau de organização quanto em resistência. Pode assumir esse caminho ou pode ser mais um fracasso. Em qualquer circunstância, as contradições da sociedade colombiana e o grau de organização, pressão e mobilização popular sem dúvida serão determinantes para o rumo dos acontecimentos e as transformações nacionais.
Anote-se que, em todo este processo, começa a se gestar, no meio do debate, o ator constituinte, que desde a urbe e o campo inicia um movimento destinado a plasmar num novo texto constitucional as bases principiológicas de um novo país. Esse processo é sinônimo de prováveis mudanças, e implica uma necessária ampliação das garantias democráticas, que não admite a intolerância, a violência e os apelos ao terrorismo de Estado. Tudo indica que a proposta de uma Assembleia Constituinte e uma Frente Ampla pela paz, a vida e a democracia abre espaço como uma via possível para a conquista das mudanças que o país precisa.
*Prof.
Dr. Pietro de Jesús Lora Alarcón, docente do Programa Stricto Sensu
da ITE. Membro da comissão internacional do Partido Comunista
Colombiano, professor-doutor da PUC/SP e membro da Cátedra Sérgio
Vieira de Mello do Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados (Acnur)