Processo constituinte aberto para a transição para a Nova Colômbia
Lineamentos
gerais
O
Acordo Final para a terminação da confrontação armada com o qual
estamos comprometidos e aspiramos materializar se as classes
dominantes o possibilitam e não persistem em sua estratégia
guerreirista, compreendemo-lo em termos dos mínimos exigidos para
abrir novas possibilidades ao exercício da política em nosso país
e para avançar para sua democratização real política, econômica,
social e cultural. O Acordo Final, concretizando-se, compreendemo-lo
como nossa contribuição ao processo constituinte aberto que vem se
desatando com intensidades ainda desiguais e dispersas, em todo o
território nacional, em meio à mobilização e a luta social e
popular.
Temos
o convencimento de que o conseguido na Mesa de Diálogos se inscreve
dentro de aspirações históricas adiadas dos dominados e excluídos
pelas classes que usufruíram do poder ao longo de nossa vida
republicana. Com isso, estamos colocando nosso grão de areia para as
transformações estruturais necessárias que permitam superar a não
resolvida questão rural e agrária que mantém na pobreza e na
miséria a milhões de trabalhadores rurais, campesinos, indígenas e
afrodescendentes, em função de uma nova organização do poder que
dê conta das reivindicações pela mais ampla participação na vida
social dos até agora excluídos, e assim avançar na superação da
situação socioeconômica de precariedade extrema de dezenas de
milhares de compatriotas empurrados para o circuito econômico da
empresa transnacional criminal do narcotráfico.
Aspiramos,
igualmente, a contribuir no reconhecimento e na materialização dos
direitos das vítimas da guerra que as classes dominantes nos
impuseram. A nosso ver, uma das maiores contribuições de um
eventual Acordo Final resulta das novas possibilidades que ele abre
para assentar os cimentos da construção da paz com justiça social.
Nossa geração atual e as gerações futuras merecem uma
oportunidade diferente da prolongação indefinida da guerra.
Não
obstante, devemos afirmar uma vez mais que os objetivos que temos
buscado e pelos quais nos levantamos em armas contra a ordem de
dominação e exploração existente não se esgotam ali. Nossas
aspirações históricas são maiores; buscam precisamente a
superação da ordem capitalista, tal e como o ensinam as históricas
lutas de nosso povo e as que vivemos no presente de Nuestra América.
Compreendemos
plenamente a potência transformadora do atual momento histórico.
Somos conscientes de que se vêm gestando condições que nos põem
frente a dois caminhos: Ou se assiste a recomposição do regime
imperante como resposta à crise em maduração em todos os níveis,
que consolidaria o atual poder de classe e aprofundaria ainda mais
suas políticas neoliberais, ou se transita a rota de um processo
constituinte capaz de produzir a força social da mudança realmente
transformadora. Esse é o desafio que hoje enfrentamos.
Fazemos
parte do movimento geral por uma grande transformação para a
democracia real em nosso país. O horizonte da Assembleia Nacional
Constituinte que temos proposto é uma estação necessária em nosso
caminho. Para nós é a possibilidade de ratificar os acordos
alcançados, de encontrar saída às limitações que deixamos
assentadas e, sobretudo, de combinar um novo marco jurídico-político
para a organização do poder social, do Estado e da economia, sobre
pressupostos que comprometam o conjunto da sociedade colombiana em
todas as suas expressões políticas, econômicas, sociais e
culturais; quer dizer, um tratado de paz, no sentido estrito do
termo.
Nossa
visão de país não está limitada a uma nova Constituição. Esta,
não obstante, é uma necessidade histórica. Por isso, chamamos a um
processo constituinte aberto, que não culmina no cenário da
Assembleia, senão que encontra nela um lugar para potencializar
nossas aspirações e levá-las a um novo nível, num contexto que
estará caracterizado pela continuidade do conflito e do antagonismo
social.
Os
Lineamentos
gerais de um Processo constituinte aberto para a transição para a
Nova Colômbia
representam nossa visão de país; dão conta da maneira como
queremos assumir, programaticamente, a potência transformadora do
atual momento histórico da mão de nosso povo. Os Lineamentos
gerais
que aqui apresentamos, concebemo-los com fundamento na análise e na
recepção de múltiplas propostas e plataformas elaboradas desde o
campo popular e pela intelectualidade crítica do país e, desde
logo, apoiando-nos em nossas próprias formulações e olhares sobre
as mudanças que reivindicam para a transição para uma Nova
Colômbia. Eles contêm, no essencial, nossa aproximação
programática para superar as imensas desigualdades, democratizar em
profundidade a vida social, transformar substancialmente o Estado,
restabelecer a soberania, inserir-nos nos processos de mudança em
Nossa América e garantir o bem-estar e o bem viver de nosso povo. Se
conseguimos torná-los realidade, estaremos caminhando pelo sendeiro
para uma sociedade alternativa ao capitalismo existente, para a Nova
Colômbia.
Os Lineamentos
gerais que
propomos são os seguintes:
- Democratização real e participação na vida social.
- Reestruturação democrática do Estado.
- Desmilitarização da vida social.
- Desmonte dos poderes mafiosos e das estruturas narco-paramilitares.
- Justiça para a paz e a materialização dos direitos das vítimas do conflito.
- Desprivatização e desmercantilização das relações econômico-sociais.
- Recuperação da riqueza natural e reapropriação social dos bens comuns.
- Reorganização democrática dos territórios urbanos e rurais.
- Novo modelo econômico e instrumentos da direção da economia para o bem-estar e o bem viver.
- Restabelecimento da soberania e integração em Nossa América.
1. Democratização
real e participação na vida social
A
transição política para a Nova Colômbia exige a superação das
falências e da ausência de democracia real em todos os âmbitos da
vida social. Uma longa cadeia de limitações à democracia faz parte
de nossa história republicana: elites incapazes de assumir reformas
políticas e sociais necessárias, veto ao protagonismo cidadão nas
definições econômicas estratégicas, um sistema constitucional
mais afinado com as regras dos monopólios do que com a defesa do
[povo] comum, gerações completas sob estados de exceção,
exacerbado centralismo que silencia as vozes regionais, genocídio da
oposição política, perseguição e estigmatização sistemática
do movimento social e do protesto popular, entre muitas outras.
O
processo constituinte deve contribuir, mais além das indiscutíveis
contribuições de um eventual Acordo Final, a ampliar e aprofundar a
democracia, como uma condição inevitável para assentar as bases
sólidas da paz com justiça social, a reconhecer que os déficits de
democracia não agravam o conflito social e que a deliberação
democrática constitui o cenário mais propício para abordar os
conflitos humanos. O momento histórico exige afirmar uma ideia de
democracia diferente. O processo constituinte deverá contribuir na
construção da democracia real, direta, autogestionária e popular.
Alguns
dos componentes dessa ideia de democracia real, desde nossa
perspectiva, remetem às seguintes transformações. Em primeiro
lugar, assumir o predomínio de processos de democracia direta e
indelegável, apoiada numa formação política para a qualificação
da participação na tomada de decisões. A democracia não pode ser
uma exceção, mas sim um modo de vida cotidiano e permanente nos
principais âmbitos da vida social. Uma democracia direta a nível de
bairro, local, comunal, regional e nacional. Em segundo lugar,
potencializar os mecanismos diretos de participação comunitária e
cidadã, incluindo o orçamento participativo, a revogação do
mandato e formas de representação ou delegação. Uma participação
real e efetiva na tomada de decisões e não meramente consultiva,
evitando os mecanismos semi diretos de participação, em benefício
dos plenamente diretos. Em terceiro lugar, avançar na construção
de uma verdadeira democracia social, que cimente as bases reais de
igualdade material, em relação com a riqueza social, a propriedade,
a terra e as rendas. Não é possível consolidar uma democracia
justa numa sociedade com tantas desigualdades materiais. Em quarto
lugar, subtrair os bens comuns e os direitos [segurança social,
saúde, educação, cultura, interculturalidade, segurança
alimentar, água, ambiente, ciência, pesquisa] das regras do mercado
e do lucro exclusivamente privado, para garantir o bem-estar e o bem
viver de comunidades e populações. Uma luta decidida contra a
corrupção, através de vedorias cidadãs, controle social e
assembleias populares, para a vigilância dos recursos públicos. Em
quinto lugar, configurar uma nova institucionalidade que consiga
tramitar democraticamente os conflitos econômicos, sociais,
culturais e ecológicos, fomentando as autonomias territoriais,
regionais, estaduais, municipais, campesinas, indígenas,
afrodescendentes e originárias, propiciando formas democráticas de
planejamento e gestão do [bem] público, com participação popular
em todas as etapas dos planos de ordenamento territorial, planos de
desenvolvimento e dos orçamentos municipais, estaduais e nacionais.
Em sexto lugar, reconhecer e estimular formas autônomas de
autogoverno e autogestão emanadas de comunidades urbanas e rurais,
em especial de comunidades campesinas, indígenas, afrodescendentes e
originárias. Não haverá democracia real e participação
verdadeira na vida social se não se geram as condições para que as
mulheres sejam parte ativa e deliberante destes processos, a fim de
superar o regime patriarcal de dominação, subjugação e exclusão.
As tarefas da democratização real deverão incluir os meios de
comunicação.
2. Reestruturação
democrática do Estado
O
Estado, sua institucionalidade e suas políticas têm sido
organizados e elaborados ao longo da vida republicana para atender e
reproduzir os interesses das classes dominantes e perpetuar a ordem
capitalista que impera no país. Como resultado disso, vivemos num
país caracterizado pela exclusão política e social e pela
escandalosa concentração da riqueza que a população produz.
O
processo constituinte para a transição para a Nova Colômbia deverá
produzir a força social capaz de recuperar e reestruturar o Estado
para garantir uma organização democrática e participativa real do
exercício do poder, fortalecer a institucionalidade e possibilitar
uma efetiva orientação de suas políticas com o fim de propiciar as
condições da paz com justiça social, garantir o bem-estar e o bem
viver da população, e superar as profundas desigualdades, a pobreza
e a miséria. Tudo isto acompanhado da correspondente disposição de
recursos de orçamento. Para isso, se faz necessária uma
reestruturação democrática do Estado que deverá compreender a
redefinição dos poderes públicos e de suas faculdades, assim como
do equilíbrio entre eles, limitando o excessivo caráter
presidencialista; o reconhecimento e estímulo à participação
social e popular em suas diversas modalidades, incluída sua
organização na forma do Poder Popular das comunidades urbanas e
rurais, campesinas, indígenas e afrodescendentes; o fortalecimento
do processo de descentralização para a maior democracia local; o
redesenho da ordem jurídico-econômica e a reapropriação social
política econômica; a reconversão das Forças Militares para uma
força para a construção da paz, da reconciliação e da proteção
da soberania nacional. E, de maneira especial, a reforma da esfera
judicial que liberte a justiça de sua escandalosa politização, lhe
devolva sua independência como esfera do poder e a converta em
pressuposto indispensável para a paz.
A
reestruturação do Estado deverá acompanhar-se de uma reforma
política e eleitoral que regule a contenda política em equidade e
igualdade de condições, erradique as estruturas e práticas
clientelistas, corruptas, criminais e mafiosas no exercício da
política, assente as bases para recuperar a credibilidade e
transparência do
sistema político e do sistema eleitoral. Se deverá
reformar o poder eleitoral e garantir a participação das forças
políticas e dos movimentos políticos e sociais opositores. Se terão
que reformar os atuais mecanismos de participação política,
suprimindo suas regulamentações restritivas e fortalecendo os
alcances das iniciativas sociais e populares nesta matéria,
incluídas as iniciativas de caráter legislativo. Se estabelecerá a
eleição popular dos reitores dos organismos de controle;
igualmente, da Promotoria Geral e da Defensoria do Povo, com base nas
propostas programáticas. Se suprimirá o Ministério Público.
3. Desmilitarização
da vida social
Após
um Acordo Final entre o Estado e a insurgência, não existe
justificativa política, ética ou econômica alguma para
persistir na política de segurança e controle social que tem
privilegiado a extensão da lógica militar aos diversos âmbitos da
vida social. A vida de nossas comunidades diversas, para que possa
desdobrar-se autonomamente, sob pautas de convivência que é preciso
recuperar e atualizar, assim como a própria conflitividade e o
protesto social, não podem continuar sendo submetidos a um
tratamento militar. A política de defesa deve desligar-se dos
ditames dos Departamentos de Estado e de Defesa, do Comando Sul, da
CIA e das centrais de inteligência britânica e israelense, e
subtrair-se dos enfoques geopolíticos imperialistas da “dominação
de espectro completo” sobre Nuestra América.
O
processo constituinte deve fundamentar-se, consequentemente, na
desmilitarização sistemática da vida social, da segurança cidadã,
da economia e das finanças do Estado, da cultura e da educação, e
dos meios da educação. Isso implica a redefinição dos conceitos
de segurança e defesa, assim como da política estatal neste campo;
a superação definitiva da doutrina militar da “segurança
nacional” e de “guerra contra insurgente”; o redesenho
estrutural das Forças Militares e de Polícia, incluída a
eliminação das funções militares da Polícia e sua sujeição, na
organização institucional do Estado, ao poder civil; a
transformação de instituições cívico-militares em instituições
civis, especialmente no campo da educação; e uma política de
redução contínua do gasto militar que hoje vultosamente se destina
à guerra, até levá-lo à média do gasto a nível internacional,
em benefício de outros setores chaves ligados com as necessidades
essenciais da população. Por outra parte, a política de defesa
nacional deve atender os princípios de soberania e autodeterminação
e incluir-se decididamente nas tentativas de formulação de uma
política regional que responda aos interesses nacionais e
nuestro-americanos.
4. Desmonte
dos poderes mafiosos e das estruturas narco-paramilitares
Para
consolidar a transição política se torna imperioso empreender
ações decididas orientadas a garantir o desmonte dos poderes
mafiosos e das estruturas narco-paramilitares que se incrustaram no
Estado e na sociedade colombiana ao longo das últimas décadas, e se
converteram num fator determinante da organização capitalista.
Ditos poderes representam uma ameaça para tornar realidade as
aspirações de democratização política, econômica, social e
cultural do país.
O
processo constituinte deve contribuir para a identificação das
estruturas de poder narco-paramilitar, criminal e mafioso em todos os
âmbitos e níveis, a denunciá-las e enfrentá-las, e a formular os
lineamentos de uma política de Estado que permita a superação
desses poderes em suas diversas formas. Se faz necessária a
depuração do Estado em seus diferentes níveis, nacional, estadual
e municipal, em suas esferas executiva, legislativa e judiciária;
nos órgãos de controle, assim como na organização
eleitoral,incluídos o Conselho Nacional Eleitoral e a Cartório
de Registro Nacional. A
depuração da organização eleitoral constitui uma condição
necessária para avançar para a eliminação do poder político
mafioso e narco-paramilitar, baseado em boa medida na captura do
sistema político e de representação. O desmonte efetivo deste
poder compreende também a depuração do Tabelionato e Registro,
envolvido em múltiplos casos em instrumento do despojo de terras e
bens de raiz. Em atenção às demonstradas articulações e
coordenações da máfia e do narco-paramilitarismo com as forças
militares e de polícia, e os serviços de inteligência do Estado,
se deverá proceder à depuração destas forças e serviços.
Como resultado destas ações,
se deverá recuperar o Estado e sua institucionalidade para
colocá-los a serviço do bem-estar e bem viver da população. Não
haverá possibilidades para a democratização real se não se
quebram as superposições de setores das classes dominantes com a
máfia e o narco-paramilitarismo. A ruptura contribuirá com a
superação da corrupção e a recuperação do gasto público para a
atenção dos problemas sociais.
5. Justiça
para a paz e a materialização dos direitos das vítimas do conflito
A
atividade e a organização da justiça, tanto na que o Estado
conserva como nas formas já privatizadas na ordem interna ou
internacional, possuem um lugar especial na transição que devemos
empreender. É evidente que se assiste a uma crise do sistema de
justiça, de sua concepção e de sua própria administração; que o
sistema está concebido para proteger prioritariamente a propriedade
dos grandes capitais; para perseguir e castigar os pobres, enquanto é
benévolo e complacente com os poderosos. A isso se acrescenta a
perda de independência, a marcada influência de outros poderes do
Estado, a sujeição, em alguns casos, a poderes mafiosos, os vícios
de corrupção e de clientelismo, junto com problemas de organização
e de gestão. É mister que o processo constituinte contribua com uma
conceituação da justiça que, sobre pressupostos de democratização,
conduza a uma regulação efetiva da conflitividade social,
possibilite restabelecer a confiança e a legitimidade nela, e
permita assentar nesse campo as bases para a construção da paz. A
recuperação da justiça demanda desenhos que restabeleçam sua
independência, garantam a não ingerência dos demais poderes do
Estado; superem as práticas clientelistas e corruptas. A composição
da alta magistratura deve atender critérios de mérito,
transparência e compromisso com a comunidade e garantir participação
e controle cidadão. A recuperação da justiça não é simplesmente
um trabalho de reorganização técnica, que resolva os problemas de
organização e de gestão, senão que a faça funcionar em benefício
de processos alternativos, a partir da experiência e das práticas
mesmas de comunidades e movimentos.
A
construção de uma justiça para a paz exige o reconhecimento e a
materialização dos direitos das vítimas do conflito. O processo
constituinte deve contribuir para a construção de uma relação
entre as aspirações de paz da sociedade colombiana e a provisão de
justiça às vítimas que permita superar de forma definitiva as
causas que produziram e feito persistente o conflito armado, assim
como reparar integralmente aos que foram suas vítimas. Se trata de
superar as causas que produzem a violência do sistema, de empreender
as ações correspondentes para garantir verdade, justiça, reparação
e garantias de não repetição. Sem desconhecer a importância da
individualização, se deve reconhecer que os homens e as mulheres,
assassinados, desaparecidos, torturados, mutilados nesta longa guerra
foram-no essencialmente em razão de suas convicções políticas,
geralmente comprometidas com projetos de esquerda e alternativos de
sociedade. Outro tanto se pode afirmar de comunidades e organizações
sociais e populares, cujos tecidos e estruturas solidárias e de
cooperação foram destruídos. A vitimização sucedeu em estratégia
de guerra e esteve orientada a produzir mudanças da ordem econômica,
política e sociocultural, especialmente a liquidação e o
extermínio das resistências, da oposição política e das visões
alternativas de sociedade, como no caso da União Patriótica, de A
Lutar e de outras organizações políticas de esquerda.
O
processo de vitimização massiva faz parte de nossa história e
memória coletiva. A transição para a democratização real tem que
converter as vítimas em sujeitos políticos de seu próprio destino.
Colômbia estará condenada a outros cem anos de solidão se as vozes
das vítimas são novamente silenciadas pelo assassinato, a exclusão,
a indiferença ou políticas institucionais inadequadas. Necessitamos
construir coletivamente essas políticas que permitam florescer as
memórias de todas as vítimas. Manifestamos nossa disposição de
contribuir de forma decidida em toda ação para possibilitar e
recobrar uma memória desde as vítimas. Reconhecemos que sem essa
memória coletiva não poderá existir verdade, justiça, reparação
e não repetição. Os colombianos e as colombianas aspiramos a
enterrar para sempre essa peste do esquecimento e do medo que
acompanha nossa história comum. Chamamos a apoiar ações
individuais e coletivas que possibilitem a memória de todas as
vítimas, a cultivar em nível local, regional e nacional iniciativas
tais como investigações, tribunais, comissões, seminários,
encontros, expressões culturais, depoimentos, publicações etc que
promovam a memória das vítimas; insistimos na importância de
estabelecer desde já uma “Comissão do esclarecimento das origens
e do desenvolvimento do conflito”, que contribua para a construção
da verdade no processo constituinte, e reiteramos nosso compromisso
com a composição de uma “Comissão da Verdade”; exortamos à
definição coletiva e amplamente participativa, com acompanhamento
internacional, de uma política estatal orientada a superar a
violência do sistema e a formular recomendações em via da não
repetição da vitimização massiva ou da re-vitimização. A
superação da doutrina da segurança nacional e o desmonte real do
paramilitarismo em qualquer de suas expressões ou denominações
constituem condições necessárias e inevitáveis.
6. Desprivatização
e desmercantilização das relações econômico-sociais
Ao
longo das últimas décadas se impulsionou um processo de
neoliberalização no país de acordo com as transformações globais
do capitalismo, muito ligadas à redefinição da missão do Estado a
fim de entronizar bases firmes para o predomínio da chamada economia
de mercado e favorecer a transnacionalização da economia. Este
processo tem propiciado a mercantilização do sistema de segurança
social, a introdução da mesma lógica no sistema educativo, na
privatização dos serviços públicos e da moradia social e, em
geral, uma tendência à privatização de todos os campos da vida
social e dos bens comuns naturais, que se acompanhou do
desmantelamento da reduzida política social do Estado,
substituindo-a pelo sistema de subsídios à população excluída,
como mecanismo de integração e cooptação e de manipulação
eleitoral. A mercantilização se acentuou devido à proliferação
de tratados de livre comércio. A extensão das lógicas mercantis e
privatizadoras, ademais de consolidar o domínio do capital em toda a
vida social, especialmente do capital financeiro, produziu uma
verdadeira transformação sociocultural de exaltação dos valores
capitalistas: competição, produtivismo, individualismo,
desumanização, em detrimento da solidariedade, da fraternidade e da
cooperação, ameaçando, ademais, o conjunto de direitos
reconhecidos formalmente no ordenamento vigente.
Para a
transformação das relações socioeconômicas que há de se
impulsionar através do processo constituinte, é fundamental
promover a desprivatização e desmercantilização de numerosas
áreas da vida social que foram apropriadas pela lógica capitalista,
seja por agentes privados ou pelos próprios agentes públicos do
Estado, e despojá-las da submissão ao capital financeiro, para em
lugar disso gerar um processo de reapropriação social em áreas
essenciais das condições de existência como a saúde, a educação,
a segurança social, a moradia, a cultura e a garantia de formas de
renda que dignifiquem o trabalho em todas as suas formas. Ao tempo em
que se recupere e potencialize a capacidade do Estado para o
cumprimento de suas funções e responsabilidades nestes campos, se
devem prover as condições para uma participação direta, ativa e
autogestionária de comunidades organizadas, urbanas e rurais. A
transformação das relações socioeconômicas se fundamenta na
geração das condições para a materialização efetiva dos
direitos da população, o qual inclui a composição de
instituições, assim como a destinação dos recursos de orçamento
necessários para isso. A finalização da confrontação armada deve
permitir um redirecionamento dos recursos que hoje se destinam à
guerra para atender as necessidades mais sentidas da população.
Aspiramos
a reduzir drasticamente o padrão de desigualdade econômica e
social, a eliminar a fome e a pobreza, a dignificar a vida e o
trabalho dos humildes, a garantir seu bem-estar e bem viver. De
maneira especial se deverá considerar a situação das mulheres, com
o propósito de superar a desigualdade e discriminação nos
diferentes âmbitos da vida social. Frente à carência de um
horizonte de futuro humanista e humanizado, o processo de
desmercantilização deverá atender de maneira especial as mulheres
e os homens jovens, com trabalho digno, educação em todos os
níveis, cultura, esporte e lazer. A desmercantilização deverá
favorecer igualmente os campesinos, os indígenas, afrodescendentes e
originários, assim como a comunidade LGTBI.
O
passo de desmercantilização da vida social não é uma finalidade
em si mesma, nem muito menos alcançá-lo é um ponto satisfatório
de chegada, senão que é mais um na direção de uma sociedade
alternativa ao capitalismo.
7. Recuperação
da riqueza natural e reapropriação social dos bens comuns
O
modelo econômico imperante converteu a exploração da riqueza
natural, de nossos recursos energéticos e mineiros, de nossa água,
de nossa biodiversidade, numa de suas principais fontes de
acumulação. Dita exploração, ademais de depredadora em termos
sócio ambientais, se constituiu num fator fundamental da geração
de violência estrutural, do despojo de terras e territórios, do
deslocamento forçado, da morte e da perseguição. A exploração de
nossa riqueza natural está concebida para fortalecer a dependência,
favorecer poderosas corporações transnacionais e grupos econômicos
locais, e estimular a especulação financeira nos mercados mundiais
de valores. Tudo isso como resultado de projetos que garantam a
expropriação privada capitalista das rendas geradas, as quais,
ademais de empobrecer-nos em termos econômicos e sócio ambientais,
converteram o país num exportador nítido de capitais.
O
processo constituinte deve conduzir a uma reapropriação social de
nossa riqueza natural, a uma redefinição substancial das economias
de extração, que contemple a superação da relação destrutiva e
depredadora com a natureza e garanta que as rendas derivadas de seu
usufruto se destinem para contribuir para o bem-estar e o bem viver
da população, o qual deverá traduzir-se na formulação de novos
marcos regulatórios, projetados socialmente com a participação das
comunidades diretamente afetadas. A reapropriação social de nossa
riqueza é fundamental para assentar as bases de uma paz estável e
duradoura, com justiça social.
As
mudanças do capitalismo na época atual provocaram a crise da
distinção entre o público e o privado, pois desvelaram que o
público não foi nem pode ser uma expressão do interesse geral,
senão que sempre se constituiu em cilada para reproduzir o regime
político dominante, edificado sobre essa aparente missão
integradora e benfeitora de toda a sociedade. A verdadeira missão do
Estado a serviço do sistema capitalista contradiz a separação
entre o Estado e o mercado, e permite apreciar que a apropriação
particular, a privatização, pode ser agenciada tanto pelos agentes
particulares como pelas instituições e aparelhos estatais.
Essa
crise nos conduz necessariamente a recuperar o que nos é comum, não
só no sentido dos bens e recursos da natureza, que a mudança
científico-técnica multiplicou e redimensionou, senão do que, como
coletivo humano, como comunidade, construímos acumulativamente, como
a própria ciência e tecnologia, os saberes tradicionais, e as
formas de cooperação autônoma em muitas ordens, sobretudo as
suportadas sobre territórios, discutindo assim o monopólio clássico
do Estado sobre essas dimensões entendidas exclusivamente como
geográficas.
O
processo constituinte deve concluir, nesse sentido, a que nossa
espécie diferenciada se liberte realmente da apropriação
particular, privada, assim seja a disfarçada de interesse geral
pelas práticas estatais, e construir e potencializar em lugar disso
a dimensão do comum, apropriado socialmente.
8. Reorganização
democrática e sócio ambiental da terra e dos territórios rurais e
urbanos
Durante
as últimas décadas se assistiu a um brutal ordenamento do
território. O exercício da violência sistêmica e estrutural com
base na ação conjunta das forças militares e de polícia e dos
exércitos do narco-paramilitarismo, acompanhada da orientação do
modelo econômico à exploração transnacional da riqueza natural, à
expropriação dos bens comuns e à produção de agrocombustíveis,
provocou um processo de despojo massivo e continuado de territórios
de comunidades campesinas, indígenas e afrodescendentes, obrigadas
ao confinamento ou ao deslocamento forçado, destruindo suas formas
de vida, sua cultura e suas economias. A relação entre violência
capitalista, acumulação de riqueza em poucas mãos e organização
territorial se pôs cruamente em evidência. Tal situação se
agregou à histórica concentração da propriedade latifundiária
improdutiva sobre a terra. Uma das principais expressões do conflito
social se encontra hoje no antagonismo entre os expropriadores de
terras e territórios, por uma parte, e comunidades que resistem ao
despojo e reivindicam seus direitos sobre a terra e a produção
autônoma do território, por outra.
O
processo constituinte tem, dentro de suas tarefas impreteríveis, a
reorganização democrática e sócio ambiental da terra e dos
territórios rurais, assim como da água e dos usos da terra. Tal
tarefa representa uma condição inquestionável para a construção
da paz verdadeira. A reorganização democrática do território
deverá propiciar relacionamentos sustentáveis com a natureza e
equitativos com a cidade, priorizando a proteção de ecossistemas
frágeis e o acesso e desfrute da água por parte da população;
reconhecer e respeitar as diversas trajetórias étnicas e culturais
de vida e de organização do território; estimular usos agrícolas
da terra, em especial para a produção de alimentos; estabelecer
limites e estritas regulações sócio ambientais, ou proibições,
segundo o caso, às economias de extração mineiro-energética e de
agrocombustíveis; regulações específicas de acompanhamento à
pequena e média mineração e à mineração artesanal a fim de
contribuir para a sua sustentabilidade sócio ambiental ou para a sua
reconversão; e promover planos alternativos frente à problemática
dos cultivos de uso ilícito.
Por
outra parte, na realização de uma reforma rural e agrária
integral, sócio ambiental, democrática e participativa se condensam
as aspirações dos humildes e explorados do campo. Dita reforma
deverá contemplar, entre outros, em primeiro lugar, o acesso à
terra para os despossuídos, a democratização da propriedade, a
superação definitiva do latifúndio, e a restituição das terras
aos expropriados; deverá contribuir para superar a fome, a
desigualdade e a pobreza, a dignificar o trabalho e o trabalho
assalariado do campo, a garantir a soberania alimentar; deverá
prover as condições de infraestrutura física e social, os recursos
de crédito, o apoio científico e tecnológico para a produção
campesina, em especial para a produção de alimentos. Em segundo
lugar, deverá fundamentar-se no reconhecimento dos territórios
campesinos, em especial das Zonas de Reserva Campesina, o qual
compreende o reconhecimento político do campesinato e de seus
direitos, a autonomia das comunidades campesinas para governar-se,
assim como o compromisso do Estado de garantir as condições
necessárias para isso. Em terceiro lugar, deverá fundamentar-se no
reconhecimento da terra e do território das comunidades indígenas,
afrodescendentes, originárias e quilombos,
dos territórios interétnicos e inter culturais, assim como dos
direitos destas comunidades, incluída sua autonomia. Em quarto
lugar, deverá contemplar a denuncia dos Tratados de Livre Comércio,
a proibição da estrangeirização da terra, regulações contra o
monopólio e a especulação financeira, a proteção da propriedade
intelectual das comunidades rurais e das sementes nativas, e a
proibição do uso de transgênicos.
Por outra parte, o modelo
econômico neoliberal impôs um ordenamento urbano para responder à
inserção da economia nos circuitos transnacionais do capital e em
função dos interesses do capital financeiro, em especial da
especulação com os preços da terra e do negócio imobiliário.
Como resultado, tem-se assistido a uma apropriação capitalista das
cidades, que organiza o conjunto da vida social e o trabalho de
acordo com os propósitos de obtenção de lucro e altas
rentabilidades, ao mesmo tempo em que produz segregação e
discriminação, acentua as desigualdades econômicas e sociais e
estimula o endividamento dos lares.
O processo constituinte
deverá propiciar um processo de transformação democrática do
espaço urbano, orientada a garantir o bem viver da população e a
materialização da justiça social urbana. Garantir o bem viver da
população implica prover a infraestrutura e as dotações
correspondentes para tornar efetivos, em termos reais e materiais,
direitos da população tais como a participação política e
social, o trabalho, a educação, a saúde, a moradia, a seguridade
social, a cultura, a recreação, o esporte, a água, o meio ambiente
saudável, o acesso e desfrute dos serviços públicos, as vias, o
transporte público, a segurança cidadã, entre outros. A justiça
social urbana implica o reconhecimento de compensações especiais
para superar as profundas desigualdades dentro das cidades, assim
como a fome, a pobreza e a miséria, através de políticas
redistributivas da renda e do espaço urbano. A apropriação,
gestão, simbolização, comunicação, produção e reprodução do
espaço urbano se fundamentam na mais ampla participação política
e social, e estará orientada para sua redistribuição equitativa e
para a superação das desigualdades espaciais, em particular a
garantir o pleno direito à cidade, assim como à erradicação da
marginalidade e da segregação urbanas.
Como parte da reorganização
democrática do território urbano, se aprofundará o processo de
descentralização política e administrativa mediante o estímulo à
maior autonomia e democracia nas localidades e nos bairros. Se deverá
promover a autogestão e o controle das comunidades em assuntos que
afetem de maneira direta o bem viver e suas condições de vida, em
especial no relacionado com os serviços públicos, a segurança
cidadã, com dotações de infraestrutura viária e de transporte
público, de educação e saúde, de espaços de lazer e cultura. O
aprofundamento da descentralização inclui garantir processos
verdadeiramente democráticos e participativos de ordenamento urbano,
de planejamento e de elaboração e execução orçamentária em
todos os níveis. Além disso, elaborar processos de contratação
pública que privilegiem a realização de programas e projetos de
investimento pelas próprias comunidades urbanas organizadas, ou que
contribuam para o fortalecimento de formas ou práticas sociais de
produção, distribuição e consumo de bens e serviços baseadas no
trabalho associado, na propriedade coletiva e na divisão igualitária
de excedentes, e que sejam geradoras de emprego e renda dignos.
9. Novo
modelo econômico e instrumentos da direção da economia para o
bem-estar e o bem viver
O
modelo econômico neoliberal que se impôs no país ao longo das
últimas décadas deve ser superado em forma definitiva. Os projetos
da economia e da política econômica não podem continuar a serviço
de um punhado de grupos econômicos e conglomerados financeiros e de
corporações transnacionais que aumentam em forma escandalosa sua
riqueza. O modelo imperante gerou a desindustrialização e a
destruição da produção agrícola; propiciou a exploração
intensiva e depredadora em termos sócio ambientais dos recursos
energéticos e mineiros, assim como a produção de agrocombustíveis
em detrimento da produção de alimentos; conduziu a uma galopante
financeirização, ao crescente endividamento do Estado e dos
trabalhadores; aprofundou a inserção empobrecedora e dependente na
economia mundial; desmantelou a capacidade econômica do Estado e
desfavoreceu formas de produção das comunidades urbanas e rurais,
produzindo a precarização generalizada do trabalho e da renda, em
detrimento das condições de vida da população.
A
transição para a Nova Colômbia exige uma redefinição substancial
do modelo econômico neoliberal. O processo constituinte deve ter
como um de seus propósitos a definição dos lineamentos de uma nova
economia, dentro dos quais se encontra o restabelecimento da
capacidade produtiva nacional; a recuperação da capacidade
econômica do Estado; o reconhecimento do caráter plural da economia
que supõe a coexistência de diversas formas de propriedade e de
produção; o apoio e estímulo especial a formas de produção
associativas e comunitárias, urbanas e rurais; sua necessária
desfinanceirização; um novo tipo de inserção soberana na economia
mundial que estabeleça limites à apropriação do valor gerado por
nossa sociedade e reconheça a pertinência das formas inovadoras de
integração latino-americana, solidária e cooperativa, que nos
identificariam mais além das exclusões e competições criadas
pelos artifícios nacionais que apagam nossa identidade comunitária;
e uma disposição da infraestrutura de transporte e comunicações
em consonância com estes propósitos. A nova economia deve conduzir
ao desdobramento e a consolidação de diversas formas de economia
popular, que deverão ser encadeadas e articuladas em forma criativa
para atender prioritariamente as necessidades do mercado interno. E
todo o anterior deve redundar no bem-estar e bem viver da população,
sobre pressupostos de sustentabilidade sócio ambiental.
O
processo constituinte inclui reformas normativas, nas quais não pode
estar ausente a intervenção sobre os aparelhos estatais para
redefinir sua atual funcionalidade. As instituições econômicas da
transição, ademais de contribuir para garantir a materialização
dos direitos, deverão possibilitar e facilitar as reformas
requeridas para a construção da paz. O propósito de uma
macroeconomia sadia não deve limitar-se a políticas de controle
inflacionário e de fixação de tetos constitucionais ao gasto
público através da chamada sustentabilidade fiscal. O regime de
banca central deverá conjugar o propósito da preservação do poder
aquisitivo da moeda com o crescimento econômico e o emprego, em
condições que permitam superar sua atual precariedade. A
sustentabilidade fiscal não resulta das restrições ao
financiamento dos direitos, ou de limitar os impactos fiscais às
ações constitucionais ou de restringir o controle de
constitucionalidade em matéria econômica. Ela provém da formulação
de um novo regime de tributação que opere segundo o critério “os
que mais rendas e patrimônio têm, mais impostos devem pagar”; que
proíba as isenções aos grandes capitais, em especial às
transnacionais; que castigue as rendas e a especulação financeira e
imobiliária urbana, assim como a grande propriedade latifundiária
sobre a terra, ao mesmo tempo em que produza alívios sobre os
impostos às rendas do trabalho e dos impactos da tributação
indireta. A dívida pública deverá ser submetida a um processo de
auditoria externa especializada; com vistas a minimizar seu impacto
fiscal, se privilegiarão operações de financiamento do Banco da
República sobre a busca de recursos no mercado de capitais. Se
deverá recuperar o caminho da descentralização, contemplar o
aprofundamento do processo mediante a transferência crescente de
recursos do Governo central aos entes territoriais e aos territórios
campesinos, indígenas e afrodescendentes, estabelecendo regras
claras de destinação e privilegiando a destinação para o
financiamento da oferta estatal em matéria social. O regime das
regalias estabelecerá maiores porcentagens a favor da Nação, em
proporção não inferior a 80% dos recursos naturais extraídos; se
redesenharão sua composição e funções. Sem prejuízo da poupança
para situações de crise, parte significativa do atual Fundo de
Poupança e Estabilização deverá contribuir para financiar o
fortalecimento da base produtiva e técnico-material do país; se
fortalecerá a destinação de recursos para as regiões receptoras
de regalias e se definirão pautas precisas para superar as
desigualdades regionais. Se garantirá a participação social, com
caráter vinculante, nos planos de desenvolvimento e nos orçamentos
públicos, nos níveis nacional, estadual e municipal. Ditos planos e
orçamentos deverão definir-se em função da concretização,
através de medidas de política econômica, das reformas requeridas
para a construção da paz com justiça social.
10.
Restabelecimento da soberania e integração de Nuestra América
A
transição política para a democratização real exige superar a
sujeição imposta pelas classes dominantes a interesses econômicos,
políticos e culturais forâneos e deixar para trás alianças com
potências, concebidas para sustentar e consolidar a dominação. O
intervencionismo estrangeiro tem sido um dos fatores geradores da
violência, da imposição de um regime de democracia restrita, do
saqueio da riqueza nacional, do empobrecimento da população
colombiana e da submissão aos propósitos geopolíticos dos Estados
Unidos na Região. Isso conduziu a uma inserção dependente, não
soberana, nas relações internacionais e globais.
O
processo constituinte que chamamos a impulsionar deve ter dentro de
seus propósitos o restabelecimento da soberania e o apoio à
integração de Nuestra América; o rechaço a qualquer forma de
colonialismo, dependência e exploração imperialista; a
continuidade do legado político as guerras independentistas que
dobraram o colonialismo espanhol, francês e inglês.
Concebemos
a soberania como o respeito inalienável dos povos a sua
autodeterminação e a não intervenção de nenhuma potência
estrangeira nas decisões autônomas dos povos e das nações.
Apreciamos as lutas das massas oprimidas por sua emancipação, a
cooperação internacional frente à problemática ambiental, a
defesa da paz mundial e as iniciativas planetárias de integração
regional. Defendemos um diálogo criativo entre os povos do mundo que
vá mais além dos governos, para enfrentar as lutas globais contra a
fome, a desigualdade e a pobreza, a discriminação e a violência.
Consideramos
que o sonho de Bolívar, Miranda, Policarpa, Sucre, Nariño, Martí,
todas e todos os nossos próceres, de uma América Nuestra unida em
sua diversidade, não foi realizado. Por isso exortamos a trabalhar
por nossa definitiva independência, destacando aspectos centrais da
integração de Nuestra América.
Se
deve promover uma nova ordem mundial multipolar, guiada pelos
princípios de cooperação, da autodeterminação e da fraternidade
entre os povos, para rechaçar toda forma de colonialismo, sujeição
e independência. Consideramos inevitável, para conquistar este
objetivo, uma verdadeira reforma democrática de toda a estrutura da
Organização das Nações Unidas e do conjunto das instituições
internacionais e globais. Estimamos necessário o apoio a espaços de
acordo, integração e resolução de conflitos entre todos os países
e povos de Nuestra América, que fomentem a soberania, a
autodeterminação e a paz. Destacamos o papel que têm na época
atual instituições como UNASUL, CELAC e ALBA, como expressão da
liberdade e unidade de Nuestra América. Convocamos aos povos e
países da região para construir estratégias para a soberania
financeira e monetária, a soberania alimentar e a soberania cultural
de nosso continente; trabalhando em via da cooperação e da
complementaridade de nossos países e não da destrutiva competição
neoliberal. Nos parece imprescindível propiciar a desmilitarização
da Região, acordar a retirada de todas as bases militares
estrangeiras, declarando Nuestra América um território de paz,
livre de qualquer ameaça nuclear e farol da paz planetária.
Consideramos necessário consolidar instituições entre os governos
e os povos de Nuestra América, para a defesa da diversidade
ecológica de nosso habitat, em especial as
neves perpétuas,
os páramos, a fauna, os bosques e a Amazônia.
Nos
parece impreterível o estímulo à participação social e popular
para a reafirmação da soberania nacional e o impulso aos processos
de integração de Nuestra América; o controle social e popular e
vedoria cidadã frente aos tratados e acordos subscritos pelo Estado
colombiano; o reconhecimento da iniciativa social e popular para a
denúncia de tratados e convênios subscritos pelo Estado colombiano;
a imposição de medidas transitórias de proteção frente a
tratados e convênios que vulnerem os direitos da população,
incluída sua denúncia ou renegociação, em especial os Tratados de
Livre Comércio e os Acordos de Proteção Recíproca dos
Investimentos; a solução de controvérsias na jurisdição
nacional; a auditoria da dívida externa e sua renegociação.
Delegação
de Paz das FARC-EP
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