"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


terça-feira, 3 de junho de 2014

Processo constituinte aberto para a transição para a Nova Colômbia



Lineamentos gerais
 
Apresentação
 
O Acordo Final para a terminação da confrontação armada com o qual estamos comprometidos e aspiramos materializar se as classes dominantes o possibilitam e não persistem em sua estratégia guerreirista, compreendemo-lo em termos dos mínimos exigidos para abrir novas possibilidades ao exercício da política em nosso país e para avançar para sua democratização real política, econômica, social e cultural. O Acordo Final, concretizando-se, compreendemo-lo como nossa contribuição ao processo constituinte aberto que vem se desatando com intensidades ainda desiguais e dispersas, em todo o território nacional, em meio à mobilização e a luta social e popular.
Temos o convencimento de que o conseguido na Mesa de Diálogos se inscreve dentro de aspirações históricas adiadas dos dominados e excluídos pelas classes que usufruíram do poder ao longo de nossa vida republicana. Com isso, estamos colocando nosso grão de areia para as transformações estruturais necessárias que permitam superar a não resolvida questão rural e agrária que mantém na pobreza e na miséria a milhões de trabalhadores rurais, campesinos, indígenas e afrodescendentes, em função de uma nova organização do poder que dê conta das reivindicações pela mais ampla participação na vida social dos até agora excluídos, e assim avançar na superação da situação socioeconômica de precariedade extrema de dezenas de milhares de compatriotas empurrados para o circuito econômico da empresa transnacional criminal do narcotráfico.
Aspiramos, igualmente, a contribuir no reconhecimento e na materialização dos direitos das vítimas da guerra que as classes dominantes nos impuseram. A nosso ver, uma das maiores contribuições de um eventual Acordo Final resulta das novas possibilidades que ele abre para assentar os cimentos da construção da paz com justiça social. Nossa geração atual e as gerações futuras merecem uma oportunidade diferente da prolongação indefinida da guerra.
Não obstante, devemos afirmar uma vez mais que os objetivos que temos buscado e pelos quais nos levantamos em armas contra a ordem de dominação e exploração existente não se esgotam ali. Nossas aspirações históricas são maiores; buscam precisamente a superação da ordem capitalista, tal e como o ensinam as históricas lutas de nosso povo e as que vivemos no presente de Nuestra América.
Compreendemos plenamente a potência transformadora do atual momento histórico. Somos conscientes de que se vêm gestando condições que nos põem frente a dois caminhos: Ou se assiste a recomposição do regime imperante como resposta à crise em maduração em todos os níveis, que consolidaria o atual poder de classe e aprofundaria ainda mais suas políticas neoliberais, ou se transita a rota de um processo constituinte capaz de produzir a força social da mudança realmente transformadora. Esse é o desafio que hoje enfrentamos.
Fazemos parte do movimento geral por uma grande transformação para a democracia real em nosso país. O horizonte da Assembleia Nacional Constituinte que temos proposto é uma estação necessária em nosso caminho. Para nós é a possibilidade de ratificar os acordos alcançados, de encontrar saída às limitações que deixamos assentadas e, sobretudo, de combinar um novo marco jurídico-político para a organização do poder social, do Estado e da economia, sobre pressupostos que comprometam o conjunto da sociedade colombiana em todas as suas expressões políticas, econômicas, sociais e culturais; quer dizer, um tratado de paz, no sentido estrito do termo.
Nossa visão de país não está limitada a uma nova Constituição. Esta, não obstante, é uma necessidade histórica. Por isso, chamamos a um processo constituinte aberto, que não culmina no cenário da Assembleia, senão que encontra nela um lugar para potencializar nossas aspirações e levá-las a um novo nível, num contexto que estará caracterizado pela continuidade do conflito e do antagonismo social.
Os Lineamentos gerais de um Processo constituinte aberto para a transição para a Nova Colômbia representam nossa visão de país; dão conta da maneira como queremos assumir, programaticamente, a potência transformadora do atual momento histórico da mão de nosso povo. Os Lineamentos gerais que aqui apresentamos, concebemo-los com fundamento na análise e na recepção de múltiplas propostas e plataformas elaboradas desde o campo popular e pela intelectualidade crítica do país e, desde logo, apoiando-nos em nossas próprias formulações e olhares sobre as mudanças que reivindicam para a transição para uma Nova Colômbia. Eles contêm, no essencial, nossa aproximação programática para superar as imensas desigualdades, democratizar em profundidade a vida social, transformar substancialmente o Estado, restabelecer a soberania, inserir-nos nos processos de mudança em Nossa América e garantir o bem-estar e o bem viver de nosso povo. Se conseguimos torná-los realidade, estaremos caminhando pelo sendeiro para uma sociedade alternativa ao capitalismo existente, para a Nova Colômbia.

Os Lineamentos gerais que propomos são os seguintes:
  1. Democratização real e participação na vida social.
  2. Reestruturação democrática do Estado.
  3. Desmilitarização da vida social.
  4. Desmonte dos poderes mafiosos e das estruturas narco-paramilitares.
  5. Justiça para a paz e a materialização dos direitos das vítimas do conflito.
  6. Desprivatização e desmercantilização das relações econômico-sociais.
  7. Recuperação da riqueza natural e reapropriação social dos bens comuns.
  8. Reorganização democrática dos territórios urbanos e rurais.
  9. Novo modelo econômico e instrumentos da direção da economia para o bem-estar e o bem viver.
  10. Restabelecimento da soberania e integração em Nossa América.
 
1.    Democratização real e participação na vida social
 
A transição política para a Nova Colômbia exige a superação das falências e da ausência de democracia real em todos os âmbitos da vida social. Uma longa cadeia de limitações à democracia faz parte de nossa história republicana: elites incapazes de assumir reformas políticas e sociais necessárias, veto ao protagonismo cidadão nas definições econômicas estratégicas, um sistema constitucional mais afinado com as regras dos monopólios do que com a defesa do [povo] comum, gerações completas sob estados de exceção, exacerbado centralismo que silencia as vozes regionais, genocídio da oposição política, perseguição e estigmatização sistemática do movimento social e do protesto popular, entre muitas outras.
O processo constituinte deve contribuir, mais além das indiscutíveis contribuições de um eventual Acordo Final, a ampliar e aprofundar a democracia, como uma condição inevitável para assentar as bases sólidas da paz com justiça social, a reconhecer que os déficits de democracia não agravam o conflito social e que a deliberação democrática constitui o cenário mais propício para abordar os conflitos humanos. O momento histórico exige afirmar uma ideia de democracia diferente. O processo constituinte deverá contribuir na construção da democracia real, direta, autogestionária e popular.
Alguns dos componentes dessa ideia de democracia real, desde nossa perspectiva, remetem às seguintes transformações. Em primeiro lugar, assumir o predomínio de processos de democracia direta e indelegável, apoiada numa formação política para a qualificação da participação na tomada de decisões. A democracia não pode ser uma exceção, mas sim um modo de vida cotidiano e permanente nos principais âmbitos da vida social. Uma democracia direta a nível de bairro, local, comunal, regional e nacional. Em segundo lugar, potencializar os mecanismos diretos de participação comunitária e cidadã, incluindo o orçamento participativo, a revogação do mandato e formas de representação ou delegação. Uma participação real e efetiva na tomada de decisões e não meramente consultiva, evitando os mecanismos semi diretos de participação, em benefício dos plenamente diretos. Em terceiro lugar, avançar na construção de uma verdadeira democracia social, que cimente as bases reais de igualdade material, em relação com a riqueza social, a propriedade, a terra e as rendas. Não é possível consolidar uma democracia justa numa sociedade com tantas desigualdades materiais. Em quarto lugar, subtrair os bens comuns e os direitos [segurança social, saúde, educação, cultura, interculturalidade, segurança alimentar, água, ambiente, ciência, pesquisa] das regras do mercado e do lucro exclusivamente privado, para garantir o bem-estar e o bem viver de comunidades e populações. Uma luta decidida contra a corrupção, através de vedorias cidadãs, controle social e assembleias populares, para a vigilância dos recursos públicos. Em quinto lugar, configurar uma nova institucionalidade que consiga tramitar democraticamente os conflitos econômicos, sociais, culturais e ecológicos, fomentando as autonomias territoriais, regionais, estaduais, municipais, campesinas, indígenas, afrodescendentes e originárias, propiciando formas democráticas de planejamento e gestão do [bem] público, com participação popular em todas as etapas dos planos de ordenamento territorial, planos de desenvolvimento e dos orçamentos municipais, estaduais e nacionais. Em sexto lugar, reconhecer e estimular formas autônomas de autogoverno e autogestão emanadas de comunidades urbanas e rurais, em especial de comunidades campesinas, indígenas, afrodescendentes e originárias. Não haverá democracia real e participação verdadeira na vida social se não se geram as condições para que as mulheres sejam parte ativa e deliberante destes processos, a fim de superar o regime patriarcal de dominação, subjugação e exclusão. As tarefas da democratização real deverão incluir os meios de comunicação.


2.    Reestruturação democrática do Estado
O Estado, sua institucionalidade e suas políticas têm sido organizados e elaborados ao longo da vida republicana para atender e reproduzir os interesses das classes dominantes e perpetuar a ordem capitalista que impera no país. Como resultado disso, vivemos num país caracterizado pela exclusão política e social e pela escandalosa concentração da riqueza que a população produz.
O processo constituinte para a transição para a Nova Colômbia deverá produzir a força social capaz de recuperar e reestruturar o Estado para garantir uma organização democrática e participativa real do exercício do poder, fortalecer a institucionalidade e possibilitar uma efetiva orientação de suas políticas com o fim de propiciar as condições da paz com justiça social, garantir o bem-estar e o bem viver da população, e superar as profundas desigualdades, a pobreza e a miséria. Tudo isto acompanhado da correspondente disposição de recursos de orçamento. Para isso, se faz necessária uma reestruturação democrática do Estado que deverá compreender a redefinição dos poderes públicos e de suas faculdades, assim como do equilíbrio entre eles, limitando o excessivo caráter presidencialista; o reconhecimento e estímulo à participação social e popular em suas diversas modalidades, incluída sua organização na forma do Poder Popular das comunidades urbanas e rurais, campesinas, indígenas e afrodescendentes; o fortalecimento do processo de descentralização para a maior democracia local; o redesenho da ordem jurídico-econômica e a reapropriação social política econômica; a reconversão das Forças Militares para uma força para a construção da paz, da reconciliação e da proteção da soberania nacional. E, de maneira especial, a reforma da esfera judicial que liberte a justiça de sua escandalosa politização, lhe devolva sua independência como esfera do poder e a converta em pressuposto indispensável para a paz.
A reestruturação do Estado deverá acompanhar-se de uma reforma política e eleitoral que regule a contenda política em equidade e igualdade de condições, erradique as estruturas e práticas clientelistas, corruptas, criminais e mafiosas no exercício da política, assente as bases para recuperar a credibilidade e transparência do 
sistema político e do sistema eleitoral. Se deverá reformar o poder eleitoral e garantir a participação das forças políticas e dos movimentos políticos e sociais opositores. Se terão que reformar os atuais mecanismos de participação política, suprimindo suas regulamentações restritivas e fortalecendo os alcances das iniciativas sociais e populares nesta matéria, incluídas as iniciativas de caráter legislativo. Se estabelecerá a eleição popular dos reitores dos organismos de controle; igualmente, da Promotoria Geral e da Defensoria do Povo, com base nas propostas programáticas. Se suprimirá o Ministério Público.


3.    Desmilitarização da vida social
 
Após um Acordo Final entre o Estado e a insurgência, não existe justificativa política, ética ou econômica alguma para persistir na política de segurança e controle social que tem privilegiado a extensão da lógica militar aos diversos âmbitos da vida social. A vida de nossas comunidades diversas, para que possa desdobrar-se autonomamente, sob pautas de convivência que é preciso recuperar e atualizar, assim como a própria conflitividade e o protesto social, não podem continuar sendo submetidos a um tratamento militar. A política de defesa deve desligar-se dos ditames dos Departamentos de Estado e de Defesa, do Comando Sul, da CIA e das centrais de inteligência britânica e israelense, e subtrair-se dos enfoques geopolíticos imperialistas da “dominação de espectro completo” sobre Nuestra América.
O processo constituinte deve fundamentar-se, consequentemente, na desmilitarização sistemática da vida social, da segurança cidadã, da economia e das finanças do Estado, da cultura e da educação, e dos meios da educação. Isso implica a redefinição dos conceitos de segurança e defesa, assim como da política estatal neste campo; a superação definitiva da doutrina militar da “segurança nacional” e de “guerra contra insurgente”; o redesenho estrutural das Forças Militares e de Polícia, incluída a eliminação das funções militares da Polícia e sua sujeição, na organização institucional do Estado, ao poder civil; a transformação de instituições cívico-militares em instituições civis, especialmente no campo da educação; e uma política de redução contínua do gasto militar que hoje vultosamente se destina à guerra, até levá-lo à média do gasto a nível internacional, em benefício de outros setores chaves ligados com as necessidades essenciais da população. Por outra parte, a política de defesa nacional deve atender os princípios de soberania e autodeterminação e incluir-se decididamente nas tentativas de formulação de uma política regional que responda aos interesses nacionais e nuestro-americanos.

4.    Desmonte dos poderes mafiosos e das estruturas narco-paramilitares
 
Para consolidar a transição política se torna imperioso empreender ações decididas orientadas a garantir o desmonte dos poderes mafiosos e das estruturas narco-paramilitares que se incrustaram no Estado e na sociedade colombiana ao longo das últimas décadas, e se converteram num fator determinante da organização capitalista. Ditos poderes representam uma ameaça para tornar realidade as aspirações de democratização política, econômica, social e cultural do país.
O processo constituinte deve contribuir para a identificação das estruturas de poder narco-paramilitar, criminal e mafioso em todos os âmbitos e níveis, a denunciá-las e enfrentá-las, e a formular os lineamentos de uma política de Estado que permita a superação desses poderes em suas diversas formas. Se faz necessária a depuração do Estado em seus diferentes níveis, nacional, estadual e municipal, em suas esferas executiva, legislativa e judiciária; nos órgãos de controle, assim como na organização eleitoral,incluídos o Conselho Nacional Eleitoral e a Cartório de Registro Nacional. A depuração da organização eleitoral constitui uma condição necessária para avançar para a eliminação do poder político mafioso e narco-paramilitar, baseado em boa medida na captura do sistema político e de representação. O desmonte efetivo deste poder compreende também a depuração do Tabelionato e Registro, envolvido em múltiplos casos em instrumento do despojo de terras e bens de raiz. Em atenção às demonstradas articulações e coordenações da máfia e do narco-paramilitarismo com as forças militares e de polícia, e os serviços de inteligência do Estado, se deverá proceder à depuração destas forças e serviços.
Como resultado destas ações, se deverá recuperar o Estado e sua institucionalidade para colocá-los a serviço do bem-estar e bem viver da população. Não haverá possibilidades para a democratização real se não se quebram as superposições de setores das classes dominantes com a máfia e o narco-paramilitarismo. A ruptura contribuirá com a superação da corrupção e a recuperação do gasto público para a atenção dos problemas sociais.

5.    Justiça para a paz e a materialização dos direitos das vítimas do conflito
 
A atividade e a organização da justiça, tanto na que o Estado conserva como nas formas já privatizadas na ordem interna ou internacional, possuem um lugar especial na transição que devemos empreender. É evidente que se assiste a uma crise do sistema de justiça, de sua concepção e de sua própria administração; que o sistema está concebido para proteger prioritariamente a propriedade dos grandes capitais; para perseguir e castigar os pobres, enquanto é benévolo e complacente com os poderosos. A isso se acrescenta a perda de independência, a marcada influência de outros poderes do Estado, a sujeição, em alguns casos, a poderes mafiosos, os vícios de corrupção e de clientelismo, junto com problemas de organização e de gestão. É mister que o processo constituinte contribua com uma conceituação da justiça que, sobre pressupostos de democratização, conduza a uma regulação efetiva da conflitividade social, possibilite restabelecer a confiança e a legitimidade nela, e permita assentar nesse campo as bases para a construção da paz. A recuperação da justiça demanda desenhos que restabeleçam sua independência, garantam a não ingerência dos demais poderes do Estado; superem as práticas clientelistas e corruptas. A composição da alta magistratura deve atender critérios de mérito, transparência e compromisso com a comunidade e garantir participação e controle cidadão. A recuperação da justiça não é simplesmente um trabalho de reorganização técnica, que resolva os problemas de organização e de gestão, senão que a faça funcionar em benefício de processos alternativos, a partir da experiência e das práticas mesmas de comunidades e movimentos.
A construção de uma justiça para a paz exige o reconhecimento e a materialização dos direitos das vítimas do conflito. O processo constituinte deve contribuir para a construção de uma relação entre as aspirações de paz da sociedade colombiana e a provisão de justiça às vítimas que permita superar de forma definitiva as causas que produziram e feito persistente o conflito armado, assim como reparar integralmente aos que foram suas vítimas. Se trata de superar as causas que produzem a violência do sistema, de empreender as ações correspondentes para garantir verdade, justiça, reparação e garantias de não repetição. Sem desconhecer a importância da individualização, se deve reconhecer que os homens e as mulheres, assassinados, desaparecidos, torturados, mutilados nesta longa guerra foram-no essencialmente em razão de suas convicções políticas, geralmente comprometidas com projetos de esquerda e alternativos de sociedade. Outro tanto se pode afirmar de comunidades e organizações sociais e populares, cujos tecidos e estruturas solidárias e de cooperação foram destruídos. A vitimização sucedeu em estratégia de guerra e esteve orientada a produzir mudanças da ordem econômica, política e sociocultural, especialmente a liquidação e o extermínio das resistências, da oposição política e das visões alternativas de sociedade, como no caso da União Patriótica, de A Lutar e de outras organizações políticas de esquerda.
O processo de vitimização massiva faz parte de nossa história e memória coletiva. A transição para a democratização real tem que converter as vítimas em sujeitos políticos de seu próprio destino. Colômbia estará condenada a outros cem anos de solidão se as vozes das vítimas são novamente silenciadas pelo assassinato, a exclusão, a indiferença ou políticas institucionais inadequadas. Necessitamos construir coletivamente essas políticas que permitam florescer as memórias de todas as vítimas. Manifestamos nossa disposição de contribuir de forma decidida em toda ação para possibilitar e recobrar uma memória desde as vítimas. Reconhecemos que sem essa memória coletiva não poderá existir verdade, justiça, reparação e não repetição. Os colombianos e as colombianas aspiramos a enterrar para sempre essa peste do esquecimento e do medo que acompanha nossa história comum. Chamamos a apoiar ações individuais e coletivas que possibilitem a memória de todas as vítimas, a cultivar em nível local, regional e nacional iniciativas tais como investigações, tribunais, comissões, seminários, encontros, expressões culturais, depoimentos, publicações etc que promovam a memória das vítimas; insistimos na importância de estabelecer desde já uma “Comissão do esclarecimento das origens e do desenvolvimento do conflito”, que contribua para a construção da verdade no processo constituinte, e reiteramos nosso compromisso com a composição de uma “Comissão da Verdade”; exortamos à definição coletiva e amplamente participativa, com acompanhamento internacional, de uma política estatal orientada a superar a violência do sistema e a formular recomendações em via da não repetição da vitimização massiva ou da re-vitimização. A superação da doutrina da segurança nacional e o desmonte real do paramilitarismo em qualquer de suas expressões ou denominações constituem condições necessárias e inevitáveis.

6.    Desprivatização e desmercantilização das relações econômico-sociais
 
Ao longo das últimas décadas se impulsionou um processo de neoliberalização no país de acordo com as transformações globais do capitalismo, muito ligadas à redefinição da missão do Estado a fim de entronizar bases firmes para o predomínio da chamada economia de mercado e favorecer a transnacionalização da economia. Este processo tem propiciado a mercantilização do sistema de segurança social, a introdução da mesma lógica no sistema educativo, na privatização dos serviços públicos e da moradia social e, em geral, uma tendência à privatização de todos os campos da vida social e dos bens comuns naturais, que se acompanhou do desmantelamento da reduzida política social do Estado, substituindo-a pelo sistema de subsídios à população excluída, como mecanismo de integração e cooptação e de manipulação eleitoral. A mercantilização se acentuou devido à proliferação de tratados de livre comércio. A extensão das lógicas mercantis e privatizadoras, ademais de consolidar o domínio do capital em toda a vida social, especialmente do capital financeiro, produziu uma verdadeira transformação sociocultural de exaltação dos valores capitalistas: competição, produtivismo, individualismo, desumanização, em detrimento da solidariedade, da fraternidade e da cooperação, ameaçando, ademais, o conjunto de direitos reconhecidos formalmente no ordenamento vigente.
Para a transformação das relações socioeconômicas que há de se impulsionar através do processo constituinte, é fundamental promover a desprivatização e desmercantilização de numerosas áreas da vida social que foram apropriadas pela lógica capitalista, seja por agentes privados ou pelos próprios agentes públicos do Estado, e despojá-las da submissão ao capital financeiro, para em lugar disso gerar um processo de reapropriação social em áreas essenciais das condições de existência como a saúde, a educação, a segurança social, a moradia, a cultura e a garantia de formas de renda que dignifiquem o trabalho em todas as suas formas. Ao tempo em que se recupere e potencialize a capacidade do Estado para o cumprimento de suas funções e responsabilidades nestes campos, se devem prover as condições para uma participação direta, ativa e autogestionária de comunidades organizadas, urbanas e rurais. A transformação das relações socioeconômicas se fundamenta na geração das condições para a materialização efetiva dos direitos da população, o qual inclui a composição de instituições, assim como a destinação dos recursos de orçamento necessários para isso. A finalização da confrontação armada deve permitir um redirecionamento dos recursos que hoje se destinam à guerra para atender as necessidades mais sentidas da população.
Aspiramos a reduzir drasticamente o padrão de desigualdade econômica e social, a eliminar a fome e a pobreza, a dignificar a vida e o trabalho dos humildes, a garantir seu bem-estar e bem viver. De maneira especial se deverá considerar a situação das mulheres, com o propósito de superar a desigualdade e discriminação nos diferentes âmbitos da vida social. Frente à carência de um horizonte de futuro humanista e humanizado, o processo de desmercantilização deverá atender de maneira especial as mulheres e os homens jovens, com trabalho digno, educação em todos os níveis, cultura, esporte e lazer. A desmercantilização deverá favorecer igualmente os campesinos, os indígenas, afrodescendentes e originários, assim como a comunidade LGTBI.
O passo de desmercantilização da vida social não é uma finalidade em si mesma, nem muito menos alcançá-lo é um ponto satisfatório de chegada, senão que é mais um na direção de uma sociedade alternativa ao capitalismo.
 
7.    Recuperação da riqueza natural e reapropriação social dos bens comuns
 
O modelo econômico imperante converteu a exploração da riqueza natural, de nossos recursos energéticos e mineiros, de nossa água, de nossa biodiversidade, numa de suas principais fontes de acumulação. Dita exploração, ademais de depredadora em termos sócio ambientais, se constituiu num fator fundamental da geração de violência estrutural, do despojo de terras e territórios, do deslocamento forçado, da morte e da perseguição. A exploração de nossa riqueza natural está concebida para fortalecer a dependência, favorecer poderosas corporações transnacionais e grupos econômicos locais, e estimular a especulação financeira nos mercados mundiais de valores. Tudo isso como resultado de projetos que garantam a expropriação privada capitalista das rendas geradas, as quais, ademais de empobrecer-nos em termos econômicos e sócio ambientais, converteram o país num exportador nítido de capitais.
O processo constituinte deve conduzir a uma reapropriação social de nossa riqueza natural, a uma redefinição substancial das economias de extração, que contemple a superação da relação destrutiva e depredadora com a natureza e garanta que as rendas derivadas de seu usufruto se destinem para contribuir para o bem-estar e o bem viver da população, o qual deverá traduzir-se na formulação de novos marcos regulatórios, projetados socialmente com a participação das comunidades diretamente afetadas. A reapropriação social de nossa riqueza é fundamental para assentar as bases de uma paz estável e duradoura, com justiça social.
As mudanças do capitalismo na época atual provocaram a crise da distinção entre o público e o privado, pois desvelaram que o público não foi nem pode ser uma expressão do interesse geral, senão que sempre se constituiu em cilada para reproduzir o regime político dominante, edificado sobre essa aparente missão integradora e benfeitora de toda a sociedade. A verdadeira missão do Estado a serviço do sistema capitalista contradiz a separação entre o Estado e o mercado, e permite apreciar que a apropriação particular, a privatização, pode ser agenciada tanto pelos agentes particulares como pelas instituições e aparelhos estatais.
Essa crise nos conduz necessariamente a recuperar o que nos é comum, não só no sentido dos bens e recursos da natureza, que a mudança científico-técnica multiplicou e redimensionou, senão do que, como coletivo humano, como comunidade, construímos acumulativamente, como a própria ciência e tecnologia, os saberes tradicionais, e as formas de cooperação autônoma em muitas ordens, sobretudo as suportadas sobre territórios, discutindo assim o monopólio clássico do Estado sobre essas dimensões entendidas exclusivamente como geográficas.
O processo constituinte deve concluir, nesse sentido, a que nossa espécie diferenciada se liberte realmente da apropriação particular, privada, assim seja a disfarçada de interesse geral pelas práticas estatais, e construir e potencializar em lugar disso a dimensão do comum, apropriado socialmente.
  
8.    Reorganização democrática e sócio ambiental da terra e dos territórios rurais e urbanos
 
Durante as últimas décadas se assistiu a um brutal ordenamento do território. O exercício da violência sistêmica e estrutural com base na ação conjunta das forças militares e de polícia e dos exércitos do narco-paramilitarismo, acompanhada da orientação do modelo econômico à exploração transnacional da riqueza natural, à expropriação dos bens comuns e à produção de agrocombustíveis, provocou um processo de despojo massivo e continuado de territórios de comunidades campesinas, indígenas e afrodescendentes, obrigadas ao confinamento ou ao deslocamento forçado, destruindo suas formas de vida, sua cultura e suas economias. A relação entre violência capitalista, acumulação de riqueza em poucas mãos e organização territorial se pôs cruamente em evidência. Tal situação se agregou à histórica concentração da propriedade latifundiária improdutiva sobre a terra. Uma das principais expressões do conflito social se encontra hoje no antagonismo entre os expropriadores de terras e territórios, por uma parte, e comunidades que resistem ao despojo e reivindicam seus direitos sobre a terra e a produção autônoma do território, por outra.
O processo constituinte tem, dentro de suas tarefas impreteríveis, a reorganização democrática e sócio ambiental da terra e dos territórios rurais, assim como da água e dos usos da terra. Tal tarefa representa uma condição inquestionável para a construção da paz verdadeira. A reorganização democrática do território deverá propiciar relacionamentos sustentáveis com a natureza e equitativos com a cidade, priorizando a proteção de ecossistemas frágeis e o acesso e desfrute da água por parte da população; reconhecer e respeitar as diversas trajetórias étnicas e culturais de vida e de organização do território; estimular usos agrícolas da terra, em especial para a produção de alimentos; estabelecer limites e estritas regulações sócio ambientais, ou proibições, segundo o caso, às economias de extração mineiro-energética e de agrocombustíveis; regulações específicas de acompanhamento à pequena e média mineração e à mineração artesanal a fim de contribuir para a sua sustentabilidade sócio ambiental ou para a sua reconversão; e promover planos alternativos frente à problemática dos cultivos de uso ilícito.
Por outra parte, na realização de uma reforma rural e agrária integral, sócio ambiental, democrática e participativa se condensam as aspirações dos humildes e explorados do campo. Dita reforma deverá contemplar, entre outros, em primeiro lugar, o acesso à terra para os despossuídos, a democratização da propriedade, a superação definitiva do latifúndio, e a restituição das terras aos expropriados; deverá contribuir para superar a fome, a desigualdade e a pobreza, a dignificar o trabalho e o trabalho assalariado do campo, a garantir a soberania alimentar; deverá prover as condições de infraestrutura física e social, os recursos de crédito, o apoio científico e tecnológico para a produção campesina, em especial para a produção de alimentos. Em segundo lugar, deverá fundamentar-se no reconhecimento dos territórios campesinos, em especial das Zonas de Reserva Campesina, o qual compreende o reconhecimento político do campesinato e de seus direitos, a autonomia das comunidades campesinas para governar-se, assim como o compromisso do Estado de garantir as condições necessárias para isso. Em terceiro lugar, deverá fundamentar-se no reconhecimento da terra e do território das comunidades indígenas, afrodescendentes, originárias e quilombos, dos territórios interétnicos e inter culturais, assim como dos direitos destas comunidades, incluída sua autonomia. Em quarto lugar, deverá contemplar a denuncia dos Tratados de Livre Comércio, a proibição da estrangeirização da terra, regulações contra o monopólio e a especulação financeira, a proteção da propriedade intelectual das comunidades rurais e das sementes nativas, e a proibição do uso de transgênicos.
Por outra parte, o modelo econômico neoliberal impôs um ordenamento urbano para responder à inserção da economia nos circuitos transnacionais do capital e em função dos interesses do capital financeiro, em especial da especulação com os preços da terra e do negócio imobiliário. Como resultado, tem-se assistido a uma apropriação capitalista das cidades, que organiza o conjunto da vida social e o trabalho de acordo com os propósitos de obtenção de lucro e altas rentabilidades, ao mesmo tempo em que produz segregação e discriminação, acentua as desigualdades econômicas e sociais e estimula o endividamento dos lares.
O processo constituinte deverá propiciar um processo de transformação democrática do espaço urbano, orientada a garantir o bem viver da população e a materialização da justiça social urbana. Garantir o bem viver da população implica prover a infraestrutura e as dotações correspondentes para tornar efetivos, em termos reais e materiais, direitos da população tais como a participação política e social, o trabalho, a educação, a saúde, a moradia, a seguridade social, a cultura, a recreação, o esporte, a água, o meio ambiente saudável, o acesso e desfrute dos serviços públicos, as vias, o transporte público, a segurança cidadã, entre outros. A justiça social urbana implica o reconhecimento de compensações especiais para superar as profundas desigualdades dentro das cidades, assim como a fome, a pobreza e a miséria, através de políticas redistributivas da renda e do espaço urbano. A apropriação, gestão, simbolização, comunicação, produção e reprodução do espaço urbano se fundamentam na mais ampla participação política e social, e estará orientada para sua redistribuição equitativa e para a superação das desigualdades espaciais, em particular a garantir o pleno direito à cidade, assim como à erradicação da marginalidade e da segregação urbanas.
Como parte da reorganização democrática do território urbano, se aprofundará o processo de descentralização política e administrativa mediante o estímulo à maior autonomia e democracia nas localidades e nos bairros. Se deverá promover a autogestão e o controle das comunidades em assuntos que afetem de maneira direta o bem viver e suas condições de vida, em especial no relacionado com os serviços públicos, a segurança cidadã, com dotações de infraestrutura viária e de transporte público, de educação e saúde, de espaços de lazer e cultura. O aprofundamento da descentralização inclui garantir processos verdadeiramente democráticos e participativos de ordenamento urbano, de planejamento e de elaboração e execução orçamentária em todos os níveis. Além disso, elaborar processos de contratação pública que privilegiem a realização de programas e projetos de investimento pelas próprias comunidades urbanas organizadas, ou que contribuam para o fortalecimento de formas ou práticas sociais de produção, distribuição e consumo de bens e serviços baseadas no trabalho associado, na propriedade coletiva e na divisão igualitária de excedentes, e que sejam geradoras de emprego e renda dignos.


9.    Novo modelo econômico e instrumentos da direção da economia para o bem-estar e o bem viver
 
O modelo econômico neoliberal que se impôs no país ao longo das últimas décadas deve ser superado em forma definitiva. Os projetos da economia e da política econômica não podem continuar a serviço de um punhado de grupos econômicos e conglomerados financeiros e de corporações transnacionais que aumentam em forma escandalosa sua riqueza. O modelo imperante gerou a desindustrialização e a destruição da produção agrícola; propiciou a exploração intensiva e depredadora em termos sócio ambientais dos recursos energéticos e mineiros, assim como a produção de agrocombustíveis em detrimento da produção de alimentos; conduziu a uma galopante financeirização, ao crescente endividamento do Estado e dos trabalhadores; aprofundou a inserção empobrecedora e dependente na economia mundial; desmantelou a capacidade econômica do Estado e desfavoreceu formas de produção das comunidades urbanas e rurais, produzindo a precarização generalizada do trabalho e da renda, em detrimento das condições de vida da população.
A transição para a Nova Colômbia exige uma redefinição substancial do modelo econômico neoliberal. O processo constituinte deve ter como um de seus propósitos a definição dos lineamentos de uma nova economia, dentro dos quais se encontra o restabelecimento da capacidade produtiva nacional; a recuperação da capacidade econômica do Estado; o reconhecimento do caráter plural da economia que supõe a coexistência de diversas formas de propriedade e de produção; o apoio e estímulo especial a formas de produção associativas e comunitárias, urbanas e rurais; sua necessária desfinanceirização; um novo tipo de inserção soberana na economia mundial que estabeleça limites à apropriação do valor gerado por nossa sociedade e reconheça a pertinência das formas inovadoras de integração latino-americana, solidária e cooperativa, que nos identificariam mais além das exclusões e competições criadas pelos artifícios nacionais que apagam nossa identidade comunitária; e uma disposição da infraestrutura de transporte e comunicações em consonância com estes propósitos. A nova economia deve conduzir ao desdobramento e a consolidação de diversas formas de economia popular, que deverão ser encadeadas e articuladas em forma criativa para atender prioritariamente as necessidades do mercado interno. E todo o anterior deve redundar no bem-estar e bem viver da população, sobre pressupostos de sustentabilidade sócio ambiental.
O processo constituinte inclui reformas normativas, nas quais não pode estar ausente a intervenção sobre os aparelhos estatais para redefinir sua atual funcionalidade. As instituições econômicas da transição, ademais de contribuir para garantir a materialização dos direitos, deverão possibilitar e facilitar as reformas requeridas para a construção da paz. O propósito de uma macroeconomia sadia não deve limitar-se a políticas de controle inflacionário e de fixação de tetos constitucionais ao gasto público através da chamada sustentabilidade fiscal. O regime de banca central deverá conjugar o propósito da preservação do poder aquisitivo da moeda com o crescimento econômico e o emprego, em condições que permitam superar sua atual precariedade. A sustentabilidade fiscal não resulta das restrições ao financiamento dos direitos, ou de limitar os impactos fiscais às ações constitucionais ou de restringir o controle de constitucionalidade em matéria econômica. Ela provém da formulação de um novo regime de tributação que opere segundo o critério “os que mais rendas e patrimônio têm, mais impostos devem pagar”; que proíba as isenções aos grandes capitais, em especial às transnacionais; que castigue as rendas e a especulação financeira e imobiliária urbana, assim como a grande propriedade latifundiária sobre a terra, ao mesmo tempo em que produza alívios sobre os impostos às rendas do trabalho e dos impactos da tributação indireta. A dívida pública deverá ser submetida a um processo de auditoria externa especializada; com vistas a minimizar seu impacto fiscal, se privilegiarão operações de financiamento do Banco da República sobre a busca de recursos no mercado de capitais. Se deverá recuperar o caminho da descentralização, contemplar o aprofundamento do processo mediante a transferência crescente de recursos do Governo central aos entes territoriais e aos territórios campesinos, indígenas e afrodescendentes, estabelecendo regras claras de destinação e privilegiando a destinação para o financiamento da oferta estatal em matéria social. O regime das regalias estabelecerá maiores porcentagens a favor da Nação, em proporção não inferior a 80% dos recursos naturais extraídos; se redesenharão sua composição e funções. Sem prejuízo da poupança para situações de crise, parte significativa do atual Fundo de Poupança e Estabilização deverá contribuir para financiar o fortalecimento da base produtiva e técnico-material do país; se fortalecerá a destinação de recursos para as regiões receptoras de regalias e se definirão pautas precisas para superar as desigualdades regionais. Se garantirá a participação social, com caráter vinculante, nos planos de desenvolvimento e nos orçamentos públicos, nos níveis nacional, estadual e municipal. Ditos planos e orçamentos deverão definir-se em função da concretização, através de medidas de política econômica, das reformas requeridas para a construção da paz com justiça social.
 
10. Restabelecimento da soberania e integração de Nuestra América
 
A transição política para a democratização real exige superar a sujeição imposta pelas classes dominantes a interesses econômicos, políticos e culturais forâneos e deixar para trás alianças com potências, concebidas para sustentar e consolidar a dominação. O intervencionismo estrangeiro tem sido um dos fatores geradores da violência, da imposição de um regime de democracia restrita, do saqueio da riqueza nacional, do empobrecimento da população colombiana e da submissão aos propósitos geopolíticos dos Estados Unidos na Região. Isso conduziu a uma inserção dependente, não soberana, nas relações internacionais e globais. 
O processo constituinte que chamamos a impulsionar deve ter dentro de seus propósitos o restabelecimento da soberania e o apoio à integração de Nuestra América; o rechaço a qualquer forma de colonialismo, dependência e exploração imperialista; a continuidade do legado político as guerras independentistas que dobraram o colonialismo espanhol, francês e inglês.
Concebemos a soberania como o respeito inalienável dos povos a sua autodeterminação e a não intervenção de nenhuma potência estrangeira nas decisões autônomas dos povos e das nações. Apreciamos as lutas das massas oprimidas por sua emancipação, a cooperação internacional frente à problemática ambiental, a defesa da paz mundial e as iniciativas planetárias de integração regional. Defendemos um diálogo criativo entre os povos do mundo que vá mais além dos governos, para enfrentar as lutas globais contra a fome, a desigualdade e a pobreza, a discriminação e a violência.
Consideramos que o sonho de Bolívar, Miranda, Policarpa, Sucre, Nariño, Martí, todas e todos os nossos próceres, de uma América Nuestra unida em sua diversidade, não foi realizado. Por isso exortamos a trabalhar por nossa definitiva independência, destacando aspectos centrais da integração de Nuestra América.
Se deve promover uma nova ordem mundial multipolar, guiada pelos princípios de cooperação, da autodeterminação e da fraternidade entre os povos, para rechaçar toda forma de colonialismo, sujeição e independência. Consideramos inevitável, para conquistar este objetivo, uma verdadeira reforma democrática de toda a estrutura da Organização das Nações Unidas e do conjunto das instituições internacionais e globais. Estimamos necessário o apoio a espaços de acordo, integração e resolução de conflitos entre todos os países e povos de Nuestra América, que fomentem a soberania, a autodeterminação e a paz. Destacamos o papel que têm na época atual instituições como UNASUL, CELAC e ALBA, como expressão da liberdade e unidade de Nuestra América. Convocamos aos povos e países da região para construir estratégias para a soberania financeira e monetária, a soberania alimentar e a soberania cultural de nosso continente; trabalhando em via da cooperação e da complementaridade de nossos países e não da destrutiva competição neoliberal. Nos parece imprescindível propiciar a desmilitarização da Região, acordar a retirada de todas as bases militares estrangeiras, declarando Nuestra América um território de paz, livre de qualquer ameaça nuclear e farol da paz planetária. Consideramos necessário consolidar instituições entre os governos e os povos de Nuestra América, para a defesa da diversidade ecológica de nosso habitat, em especial as neves perpétuas, os páramos, a fauna, os bosques e a Amazônia.
Nos parece impreterível o estímulo à participação social e popular para a reafirmação da soberania nacional e o impulso aos processos de integração de Nuestra América; o controle social e popular e vedoria cidadã frente aos tratados e acordos subscritos pelo Estado colombiano; o reconhecimento da iniciativa social e popular para a denúncia de tratados e convênios subscritos pelo Estado colombiano; a imposição de medidas transitórias de proteção frente a tratados e convênios que vulnerem os direitos da população, incluída sua denúncia ou renegociação, em especial os Tratados de Livre Comércio e os Acordos de Proteção Recíproca dos Investimentos; a solução de controvérsias na jurisdição nacional; a auditoria da dívida externa e sua renegociação.
 
Delegação de Paz das FARC-EP