Análise de Fidel Castro sobre o Bogotaço
O
comandante Fidel Castro Ruz estava no dia 9 de abril de 1948 em Bogotá e foi
protagonista de primeira ordem no que se costuma chamar “O Bogotaço”.
Acontecimento lutuoso e fatídico que se desenvolve como consequência do vil
assassinato do doutor Jorge Eliécer Gaitán Ayala.
Vale
destacar que o comandante Castro para então não era guerrilheiro, não era
subversivo, não era anarquista, não era internacionalista, não era Comunista.
Era estudante que liderava um encontro latino-americano paralelamente ao evento
que daria como resultado a fundação da Organização dos Estados Americanos, OEA.
No
entanto, o governo nacional de Mariano Ospina Pérez não duvidou em afirmar que
o assassinato do líder liberal era obra do comunismo internacional e Fidel
Castro Ruz esteve a ponto de ser detido e acusado deste magnicídio que, tempos
depois se pôde estabelecer, foi obra da CIA em contubérnio com a burguesia
liberal-conservadora, em desenvolvimento do plano “Pantomima”.
Resulta
impressionante e histórico o papel jogado nesta lutuosa data pelo jovem
estudante cubano. No entanto, nesta nota queremos destacar as lições política
que o líder da revolução cubana sacou. Os ensinamentos através de uma análise
crítica, aguda e científica de um estudante que arrisca sua vida pela causa
nobre dos povos.
Uma
síntese dessa análise sucinta é contada pela jornalista cubana Katiuska Blanco
Castiñeira, quem o plasma magicamente no livro intitulado: “Guerrillero del
Tiempo, Fidel Castro Ruz” [Guerrilheiro
do Tempo, Fidel Castro Ruz]. Suas reflexões têm singular valor para
compreender o momento e projetar o futuro do povo colombiano e
latino-americano, certamente.
O
primeiro que há que assinalar é o impacto que experimenta Fidel sobre uma
explosão social. Sabia em teoria, porém não na prática. Diz:
“Eu
havia vivido as revoluções, as insurreições e os grandes acontecimentos
históricos nada mais que nos livros, e havia vivido muitas lutas, manifestações
de estudantes em Cuba, havia participado na expedição de Cayo Confites, porém
não havia visto uma explosão social, revolucionária. Foi aquela a primeira
explosão que vivi”. [i]
Apreciou
a explosão social, avaliou as arbitrariedades, a desorganização, a incapacidade
e covardia da classe dirigente, a traição, a falta de cultura política, a
posição vandálica e o massacre da burguesia liberal-conservadora:
“Em
tal época tinha ideia, porém livresca totalmente, em teoria, do que era uma
insurreição. Aquilo foi mais bem uma explosão, uma rebelião total do povo, e vi
em ação todos os fatores, toda a psicologia, todas as leis das massas
desatadas, vi tudo o que ocorre numa situação assim. Também vi todos os erros
cometidos, de um país sem direção, um movimento sem direção; vi a atitude dos
líderes políticos, como atuaram naquele momento, tão mediocremente que,
inclusive, traíram ao próprio povo liberal, ao próprio povo gaitanista. Vi a
fraqueza de todos aqueles políticos, vi os erros dos chefes militares dentro
daquela situação. Pude apreciar também o terrível que resultava a falta de uma
cultura política e de uma disciplina, quando o povo traduz sua indignação num
espírito destrutivo. Primeiro foi destrutivo, o povo primeiro não queria levar
nada e, em seguida, até vandálico”.[ii]
Fidel
Castro caracteriza dois momentos bem definidos nesta explosão social que
estremeceu a Colômbia e Latinoamérica. São dois momentos que desenvolve a massa
inflamada, sem organização e formação política. Uma é a de destruir tudo que
represente Estado e a outra a de apoderar-se de quanto encontra em sua
passagem, transbordando-se num verdadeiro vandalismo. Tudo isso facilitou a repressão
do governo conservador com o aval dos dirigentes liberais:
“A
primeira reação das massas, da multidão, foi destruir; destruir o que
constituísse um escritório oficial, uma loja, um comércio. Parecia como se
vissem ao inimigo em tudo o que fosse representação oficial daquelas
propriedades. Inicialmente, a atitude da massa irritada, indignada, ao conhecer
a morte de Gaitán, não foi roubar, não foi saquear, foi destruir. Depois, o
povo transformou o espírito destrutivo num espírito de tomar posse de tudo,
apoderar-se de tudo, saquear. É lógico que ocorra algo assim numa população tão
pobre que, de repente, viu que desapareceram as portas e as vidraças e que os
bens estavam aí ao seu alcance. Isso prova falta de uma consciência e cultura
política nas massas”.[iii]
Não
pôde a multidão interpretar o momento para tomar o poder e mudar o triste rumo
de miséria e exploração a que era submetida pela classe dominante. Seu
analfabetismo político se expressou nesses dois elementos bem definidos pelo
comandante Castro Ruz:
“As
massas analfabetas, exploradas, confundidas, enganadas, não viram a luta como
um instrumento para mudar seu destino, e ali se transformou o espírito
antigovernamental em espírito destrutivo e de saqueio. Imagino que muitos se
dedicaram a saquear e muitos a lutar”.[iv]
Aquele
dantesco e doloroso acontecimento o compara o comandante Fidel com a concepção
que tem da revolução francesa. Encontra analogias e as manifesta publicamente:
“Também
foi a primeira vez que vi colunas, massas de povo sublevadas, misturadas,
típicas da revolução francesa; quando as massas com ferros, pás, facões e
fuzis, com tudo, se reuniam, atacavam, assaltavam. A tomada da estação foi como
a tomada da Bastilha, imagino que assim foi a da Bastilha: Chegou uma multidão,
entrou na Bastilha um dia e a destruiu. Assim foi como tomaram aquela e várias
estações de polícia. Foram as massas, em colunas, porque, por alguma lei
psicológica, sem que ninguém as organizasse, às vezes se reuniram até cem
pessoas e iam numa direção, e se iam somando mais. Ninguém os organizou”.[v]
Um
acúmulo de ensinamentos práticos extraiu o comandante Fidel do insucesso
apresentado em Bogotá o 9 de abril de 1948, que haveria de utilizar em sua luta
contra o ditador Fulgêncio Batista e na construção do socialismo em sua pátria.
Analisa detalhe por detalhe, ponto por ponto. Detecta a fragilidade política, a
falta de consciência, tática militar e a traição dos chefes de multidão:
“Vi
também a falta de organização. Pude apreciar as fragilidades políticas que
significavam a falta de uma consciência, a ausência de chefia e de tática
militar. Observei tudo. Foi vital para mim. Meditei muito sobre tudo e creio
que me ensinou extraordinariamente”.[vi]
Comprovou
algumas ideias importantes que tinha sobre estratégia militar, adquiridas
através da intuição e da obstinada e analítica leitura:
“Em
Bogotá sustentei ideias militares corretas, tiradas da experiência do lido e de
uma certa intuição. Disse: ‘Alguém não deve deixar-se sitiar, há que sair, há
que atacar. Esta estação é muito vulnerável se o inimigo toma as alturas, há
que defender as alturas’. Quer dizer, em cada momento eu tinha uma ideia clara
do que havia que fazer. E o ocorrido depois confirmou isso totalmente”.[vii]
Porém,
há algo mais que dimensiona com sutileza o comandante Fidel Castro Ruz: A
traição. A forma miserável como Darío Echandía e seu grupo putrefato negociam o
precioso sangue de Gaitán, de costas para o país nacional, de costas para o
povo liberal:
“Também
me ensinou a fraqueza, a superficialidade, a falta de lealdade dos líderes
políticos burgueses, pela forma em que foram capazes de trair o povo, fazer
pactos e arranjos à revelia do povo. Creio que esta é a impressão fundamental
que recebi. A partir da referida experiência, decidi estudar a fundo estes
problemas”.
Tradução:
Joaquim Lisboa Neto