"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


domingo, 10 de novembro de 2013

“Que se abram as portas da verdadeira democracia"


Leitura do comandante Iván Márquez sobre acordos do segundo ponto,

"Participação Política" do Acordo Geral de Havana:   
Havana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 6 de novembro de  2013

Que se abram as portas da verdadeira democracia

“Yo no conozco más partido de salud, que el de devolver al pueblo 
la soberanía primitiva para que rehaga su pacto social… Esto es más que justo
 
y eminentemente popular, y por lo mismo, muy propio de una república
 
eminentemente democrática”. 
 SIMÓN BOLÍVAR

Os importantes aspectos que até o momento em torno dos quais se chegou a acordos dentro do tema da "Participação Política", colocam-nos, como colombianos, a possibilidade de começar a abrir as portas de uma verdadeira democracia.

Todas as iniciativas apresentadas pelas FARC na mesa de conversações de Havana, que denominamos de 100 propuestas mínimas para democratização real, a paz com justiça social e a reconciliação nacional, foram inspiradas nas reivindicações e propostas das organizações sociais e políticas do país, surgidas dos respectivos fóruns temáticos, e a força da nossa palavra tem estado na valorosa mobilização de um povo que, sem temer a repressão e a criminalização, levanta suas bandeiras para exigir as mudanças estruturais requeridas para a fundamentação da paz.
A Colômbia vive uma primavera de sonhos de justiça; sobretudo os mais humildes, os despossuídos, lançaram-se às ruas para dizer aos governantes que não podem continuar sendo ignorados; que o destino do país depende da participação de toda a cidadania e não de um punhado de privilegiados oligarcas que se apropriaram dele para prejudicá-lo e saqueá-lo, favorecendo as transnacionais. O povo quer decidir e nisso consiste a verdadeira participação cidadã.

Disso se trata o que temos debatido durante os últimos seis ciclos na mesa de conversações e, então, a primeira coisa a ser resolvida é a necessidade de que em nossa pátria se respeite o direito à vida, à diferença, à opinião política, à não estigmatização, e se possa debater as ideias sem temor a ser assassinado, perseguido, desaparecido ou criminalizado, que é o que ocorre quando se atua sob o império de doutrinas forâneas que vêem no cidadão um inimigo interno.

Esse é nosso clamor, essa é nossa exigência e por isso, nos marcos deste importante evento, expressamos nossa condenação total ao assassinato do dia 2 de novembro de César García, líder da resistência à exploração aurífera realizada pela Anglo Gold Ashanti, em La Colosa (Estado Tolima), depois que uma contundente decisão plebiscitária, das comunidades dessa região disse NÃO à mega-mineração e à presença das transnacionais que destroem as fontes de água e as possibilidades de vida. A justiça não faz nada e a grande imprensa, que muitas vezes se extasia soltando frivolidades, não dá a cobertura que merece um caso tão grave como este. Então de que democracia estamos falando?

Não se pode continuar dando tratamento militar à mobilização dos inconformados e indignados, tratamento que até hoje se tem dado porque o governo e todas as instâncias do poder devem ao povo e a este é que é preciso escutar; uma concepção de segurança deve ter como centro os interesses do ser humano, inclusive acima dos interesses muitas vezes mesquinhos dos Estados; e deve se basear em princípios de soberania, não intervenção e livre determinação dos povos em função do desenvolvimento e bem-estar das maiorias.

Dentro destas reflexões é que conseguimos as primeiras, porém muito importantes aproximações e convênios relativos ao segundo ponta da agenda do "Acordo Geral de Havana"; é talvez uma das mais importantes conquistas o compromisso de convocar sem delongas os partidos e porta-vozes das organizações sociais a que elaborem as linhas gerais para que, finalmente, tenhamos um estatuto para a oposição política e, por outro lado, estabeleçam em eventos democráticos de nível nacional os fundamentos para que surja uma normatização que dê reconhecimento, com garantias, à existência e aos direitos do movimento social.

Muito se tem falado da necessidade de reformar a restritiva lei de mecanismos de participação cidadã (Lei 134 de 1994) e também sobre a urgência de revisar as liberticidas leis de segurança. Para isso acreditamos que começariam a ser traçados caminhos, se realmente forem atendidos os compromissos que estabelecemos ao falar de garantias para a mobilização e o protesto. Acordamos, por exemplo, que sendo estas atividades formas de ação política, são exercícios legítimos do direito à reunião, ao direito de ir e vir, à livre expressão, à liberdade de consciência e à oposição em uma democracia; que sua prática enriquece a inclusão política e que o governo deve garantir os espaços para canalizar as demandas da cidadania, sem atropelos. Assim, com o objetivo de garantir o pleno exercício destes direitos, conseguiu-se o compromisso de que se defina a revisão e, se for necessária, a modificação de todas as normas aplicadas à mobilização e ao protesto social. Isto somado ao compromisso de ampliar e reforçar as instâncias de participação da cidadania para a interlocução e construção das agendas de trabalho em todos os níveis, permitindo o atendimento rápido das petições e propostas da cidadania.

Estes aspectos e muitos outros distribuídos em uma vintena de laudas, é que nos dão o otimismo para continuar avançando nos debates para a assinatura da paz e o fim do conflito. No entanto, o caminho é longo e é somente com os pés e a determinação do povo nas ruas, este povo soberano propondo e dizendo, que será possível a expansãoda democracia como pressuposto de reconciliação, e que o que até agora é somente desejo e compromissos, transforme-se em realidade.
Reiteramos agora e continuaremos fazendo, que este não é um processos de submissão, mas, com certeza, se efetivamente avançamos pelo caminho das transformações que as maiorias nacionais têm reclamado, a assinatura de um tratado de paz será uma realidade.

Neste plano se circunscreve um assunto essencial da confrontação, que é o de deixar claras suas origens e responsabilidades. Por isso insistimos em que urge a integração consensuada da Comissão da Verdade e da responsabilidade histórica do conflito, sobretudo se tivermos a pressa de abordar um tema sensível como é o das vítimas, tantas vezes utilizado de maneira grotesca pelos agentes da manipulação midiática para estigmatizar e demonizar a insurreição guerrilheira.

Para nós que levamos no mais profundo dos nossos corações a dor pela morte de milhares de militantes da União Patriótica, de inúmeros filhos do povo assassinados sob a motoserra o paramilitarismo e da repressão institucional de décadas, ou que de maneira mais direta carregamos o luto pelas centenas de guerrilheiros, milicianos e lutadores revolucionários que caíram na luta para construir uma Colômbia melhor, nossa identidade com as vítimas da confrontação é indiscutível e por elas levantamos e continuaremos levantando nossa voz na mesa de Havana.

É falso que, como dizem alguns politiqueiros de plantão, que pretendem tirar proveito do sofrimento dos que padecem a guerra, que a guerrilha se nega a receber os familiares das vítimas do conflito. Eles encontram os nossos braços abertos e todo aquele que queira contribuir para a construção da paz e dentro desse espírito é que voltamos a insistir veementemente em que se integre já a Comissão da Verdade, tantas vezes proposta por nos.

A conquista da paz depende muito destas proposições; mas, ao lado do avanço das conversações, há outros assuntos que, sem sua solução, ainda se faz marcha lenta. O êxito da paz depende do fim da corrupção, de colocar ponto final à interferência das máfias que, de uma ou outra forma, sequestraram o Estado em todos os seus níveis: Executivo, Legislativo e judiciário. São ou não exemplos disso a contratação administrativa e as denúncias contra a controladoria? E aquelas feitas ao Procurador?

É preciso frear a criminalidade de colarinho branco de um setor financeiro que, ao mesmo tempo que vende a soberania, destrói o país afrouxando as rédeas  para a depredação de seus recursos naturais e para o saqueio usureiro do bolso dos colombianos. Mas, por outro lado, e talvez de maneira mais urgente porque, em grande medida, disso depende que continue o reinado da impunidade, é preciso investigar com com muita determinação todo o aparato judicial.

Um justiça corrupta saída de um regime corrupto e responsável por tantos anos pela confrontação, não tem nem a competência, nem capacidade, nem as condições histórias para agir. Hoje, depois de uma soma de múltiplos escândalos, a justiça ficou sem autoridade moral para desempenhar um papel definitório na Nova Colômbia. Há que reconstruí-la  totalmente. Como o governo pode acreditar que é possível uma submissão a uma justiça transicional quando o próprio governo sentencia a justiça como corrupta e exige a reforma total do ramo jurisdicional?

Dentro das responsabilidades do Estado está a de haver deixado a justiça apodrecer, pois a corrupção generalizada nasceu há anos no Executivo (contratos e comissão em todas as esferas), contagiou a justiça pelo efeito da "porta giratória", (por onde saem os mesmos pela mesma porta e entram os mesmos para fazer a mesma coisa), da mesmo forma que no Congresso. Os congressistas investigados e na prisão sempre representaram os partidos e o regime.

Pois bem, como hoje estamos em uma espécie de balanço do que é a participação cidadã em relação à paz, isto implica em falar da democracia, o que impõe que não percamos de vista que sua sorte não pode estar em mãos de três ou quatro senhores ricaços donos dos meios de comunicação e da publicidade. Pode haver toda sorte de mecanismos de participação se se quer mostrar o país como uma democracia de papel,mas a informação é que faz com que estes mecanismos acabem sendo canais de expressão de pensamentos previamente cozidos e vendidos por  três ou quatro indivíduos, que sempre são os detentores do poder.

A suposta democracia que hoje temos não pode continuar fazendo parte da contabilidade de uma classe privilegiada, como se fosse um lote ou um sítio, ou gado, porque a democracia se mede pelo resultado da expressão e da participação popular, e essa expressão popular está atada e manipulada majoritariamente por quem detém e controla os meios de comunicação.

Sem democratização dos meios de comunicação, tudo o que se faça em muitos campos da participação ou em função do tratado mesmo de paz, poderia permanecer no limbo, porque através das matrizes midiáticas hoje, é que são gerados os fictícios ambientes a favor ou contra o processo de paz. Tomara que contemos com que todo aquele se se sinta verdadeiramente colombiano, aposte na reconciliação e não na continuidade da guerra.

Graças a Cuba e Noruega, países garantes, e à Venezuela e Chile, como países acompanhantes, por resguardar com sua presença e bons ofícios, o bom andamento do processo de diálogos. E graças aos nossos compatriotas que com fé e entusiasmo colocam a possibilidade de construir a Colômbia que ofereça oportunidades para todos.

DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP