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Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O difícil caminho da consolidação do processo de diálogos e negociação.



Por Jairo Estrada Álvarez
Professor do Departamento de Ciência Política Universidad Nacional de Colômbia.


A possibilidade de uma solução política do conflito social e armado adquiriu um novo fôlego com a firma de um segundo acordo parcial entre a guerrilha das FARC-EP e o Governo nacional. Com efeito, ao anunciado acordo sobre o primeiro ponto da Agenda sobre “Política de desenvolvimento agrário integral”, se lhe soma agora o de “Participação Política”, correspondente ao segundo ponto.


Para o povo colombiano, que por décadas tem tido as legítimas aspirações de paz com justiça social, se trata de uma boa notícia, pois se colocou em evidência que forças antagônicas, as representadas pela insurgência armada, por uma parte, e as do Estado, liderado pelo governo de Santos, pela outra, avançam na construção de um acordo político que –se prosperar e chegar a um feliz termo- contribuirá, sem dúvida, para gerar novas condições para uma transição econômica, política e social do país.


O acordo anunciado possui maior valor se se considera que se conquista em meio à continuidade da confrontação armada e da mais feroz contenda política. Com efeito, não tem sido possível que se abra passagem a um cessar bilateral de fogos, devido à contínua negativa governamental com o argumento de não conceder supostas vantagens militares à guerrilha e apesar das reiteradas propostas nesse sentido de diversos setores políticos e sociais e das próprias FARC-EP. Sem dúvida, um cessar de fogos contribuiria para um melhor clima para as possibilidades da paz ao reduzir ao mínimo as notícias da guerra e os impactos que ela produz sobre a economia e a sociedade em seu conjunto e, por essa via, a gerar uma maior confiança entre as partes e, sobretudo, na opinião pública, tantas vezes manipulada pelos meios massivos de comunicação.


A continuidade das ações de guerra se tem compreendido pelo Governo como uma carta de negociação por fora da Mesa que pode produzir soluções frente ao que não se consiga acordar nela.


A ideia de que uma fragilidade do inimigo insurgente pode levá-lo à derrota e à submissão continua fazendo parte da estratégia governamental; representa, ao mesmo tempo, uma concessão aos falcões da guerra. Não obstante, até agora não há nada que indique que se está em presença de uma fragilidade estrutural ou de uma desarticulação da coesão interna e do comando do exército guerrilheiro, tal e como se propôs o “Plan Espada de honor” [Plano Espada de honra], o qual necessitou, entretanto, de um “relançamento”.


Pelo contrário, os últimos meses nos indicam uma intensificação do acionar insurgente com fundamento na “guerra de guerrilhas”, seu âmbito natural. Assim é que, neste campo, uma vez mais –como se mostrou ao longo da história do conflito- não se deve esperar que prospere a ambicionada solução militar, apesar da maior disposição de recursos de orçamento, da crescente disposição tecnológica e da intensificação das atividades de inteligência.


Nesse contexto, o cessar bilateral de fogos adquire, dia a dia, a condição de uma necessidade e demanda uma maior pressão e mobilização social para fazê-lo realidade.

A contenda política a favor de uma solução negociada não foi nem é uma tarefa fácil.

Aqui se trata de produzir uma complexa correlação social de forças que, por uma parte, consiga derrotar os setores militaristas e de ultra direita, obcecados numa fascista “solução final” de derrota e inclusive de extermínio do inimigo guerrilheiro, reivindicada hoje pela força política denominada Uribe Centro Democrático. E pela outra, no campo dos que afirmam acompanhar o processo de paz, gerar um entendimento e uma apreensão não reducionista da solução política, limitada à ordem vigente do direito [constitucional e legal] e de subordinação a este; o qual supõe que o processo de diálogos e negociação não é um simples alistamento de condições para a [re]inserção do movimento guerrilheiro na vida civil, elaborado sem seu concurso, como se pretende, por exemplo, com o chamado Marco jurídico para a paz ou o referendo constitucional em trâmite para a referenda de um eventual Acordo final.


Fortalecer o campo de forças a favor da solução política implica reconhecer que se está negociando com um poder subversivo alternativo ao poder do Estado, o qual implica transação e concessões, inclusive a respeito da ordem constitucional e legal imperante. Mais além da situação específica da guerrilha e de seus combatentes, o que se joga na hora atual na Colômbia é a possibilidade da democratização de um regime fechado e excludente.


O segundo acordo parcial representa um passo adiante no necessário isolamento dos inimigos abertos do processo, mas não sua derrota. Não se pode esquecer que se trata de forças possuidoras de um significativo poder econômico e territorial, com indiscutíveis características criminais e mafiosas, entronizadas estruturalmente no Estado e consolidadas através do exercício da violência. A elas se une a prosa guerreirista e empostada do Ministério Público. Deve-se esperar que tais forças desatem nos meses vindouros todos os seus brios para desprestigiar o processo e tentar recanalizar o país pelo único caminho da guerra. Sem dúvida, os ataques contra o processo de paz serão a principal bandeira eleitoral da ultra direita militarista. Nesse cometido, podem ser úteis as [aparentes] ambivalências do governo de Santos que persiste num [programado] duplo discurso: O dos estridentes tambores da guerra [liderado pelo loquaz ministro de Defesa] e aquele de seu compromisso com a paz.


Não obstante, o balanço pode inclinar-se a que Santos assuma com maior força o discurso da paz, pois este, ademais de produzir-lhe maiores rendimentos em sua aspiração reeleitoreira, pode
concitar um maior apoio de setores da população desejosos –ainda com impassibilidade- da consolidação da perspectiva da paz, conta com o apoio de setores modernizantes do empresariado capitalista e com uma boa recepção na comunidade internacional, incluídas instituições como a ONU e, em especial, nos países de Nuestra América que compreendem que uma solução política contribui para fechar a porta ao intervencionismo militar imperialista na Região.


Na alocução presidencial de análise do segundo acordo parcial, se lhe viu mais decidido a favor dos diálogos e da negociação.No campo dos que afirmam acompanhar o processo de paz, o espectro político e ideológico é heterogêneo. Nos partidos que conformam a coalizão de direitas no governo, se encontram tanto expressões próprias do oportunismo [a retórica da paz pode produzir dividendos políticos em tempos eleitorais], como também outras mais comprometidas com a ideia de umasolução política. Em organizações opositoras dentro do regime de democracia governável, como a Aliança Verde e o Polo Democrático Alternativo, se observam apoios mais decididos ao processo de diálogo e negociação, porém submetidas ao cálculo político eleitoral. Em todo este espectro de posições, persiste a ideia de uma saída política circunscrita aos projetos institucionais existentes.

No campo popular, movimentos políticos e sociais como a Marcha Patriótica, o Congresso dos Povos, processos regionais, ou de comunidades campesinas, indígenas e afrodescendentes, ou
movimentos setoriais de jovens e de mulheres, ainda que se mostrem muito mais definidos em seu respaldo ao processo de paz, no qual, ademais, consideram se deve incorporar o ELN, não conseguiram consolidar um movimento de massas que dê maior consistência e estabilidade às negociações, em parte pelas dificuldades para construir uma agenda política comum.


Em suma, o consenso implícito por uma solução política, que se vem construindo com dificuldade, não possui ainda a estabilidade e solidez necessárias para conceder-lhe a perspectiva da solução
política um caráter de irreversibilidade. Ainda que os avanços que se registrem pelos acordos entre a guerrilha e o governo são importantes, eles se tornam insuficientes. A irreversibilidade será possível quando o processo seja objeto de uma efetiva apropriação social e consiga sustentar-se num amplo movimento de massas a seu favor, independentemente da avaliação e dos alcances que as forças políticas e sociais lhe imprimam.


Neste ponto, é claro que, para os setores políticos representativos do regime político imperante, incluída a oposição dentro do sistema, a saída política se compreende no essencial em termos de uma reinserção da força guerrilheira na vida civil em forma similar aos processos de fins dos [anos] oitenta e primeiros anos da década de 1990. Daí sua distância frente às possibilidades de transformações estruturais que se pudessem desatar como fruto de um eventual Acordo final. Isso tem se expressado, entre outros, no debate sobre a Assembleia Nacional Constituinte [ANC].


No campo popular, a solução política se associa com as possibilidades que ela possa gerar para uma transição política para a real democratização econômica, política e social do país, com a perspectiva de novos projetos institucionais [constitucionais e legais], incluída a necessidade de uma ANC, não só para a referenda de eventuais acordos, como também para superar os evidentes limites da Constituição de 1991 e a crise institucional do Estado e seus poderes públicos. Deve-se reconhecer, não obstante, que ainda não há a suficiente articulação entre o que se debate em Havana e as demandas dos movimentos sociais e populares, apesar de que, em sentido estrito, existem indiscutíveis identidades.


Em qualquer circunstância, um eventual Acordo final transformará o mapa político do país e produzirá uma reacomodação das forças políticas e sociais e uma redefinição da contenda política.
Já existem vários efeitos demonstrativos desta afirmação. Primeiro, foi o anúncio do Acordo para o início dos diálogos, assim como a definição da Agenda que, mais além de suas aparentes
generalidades, contém aspectos fundamentais da formação econômica e social, se se lê eompreende integralmente. 


Seguidamente, foi o acordo parcial sobre o tema do “desenvolvimento agrário integral”, que esteve precedido por um magnífico foro nacional e um intenso debate público no
qual se exibiram todas as posições [desde as sustentadas pelo latifúndio improdutivo, passando pelas do empresariado dos agronegócios, até as dos trabalhadores do campo e das comunidades campesinas, indígenas e afrodescendentes] sobre um assunto deslocado do debate público e acadêmico. Nesse aspecto, os diálogos e a negociação desataram uma maior politização social.


E agora, com o segundo acordo parcial sobre “Participação política”, precedido por um foro nacional, se iniciou um debate –que haverá de expandir-se- acerca do caráter restringido do
regime político colombiano e de sua necessária abertura para a democracia real. Diz muito do valor da Mesa de diálogos que seja graças a ela que se encontre uma saída a temas que não contaram
com o mesmo destino em seu trâmite através da institucionalidade vigente e do regime parlamentar, depois de mais de duas décadas do ordenamento constitucional de 1991.


Ainda se encontram pendentes quatro pontos da Agenda: o da solução do problema das drogas de uso ilícito, o de vítimas, o relativo ao fim do conflito e o da implementação, verificação e
referenda, todos eles de grande complexidade. Os acordos parciais conquistados até agora indicam que é possível [e necessário] continuar transitando o caminho da solução política.


Desde o campo popular, num contexto de crise capitalista mundial, de uma evidente fissura das políticas neoliberais e de uma mobilização e protesto social em ascensão, a consolidação do processo de diálogos e negociação, ademais de constituir-se em necessidade, representa a possibilidade de desatar as forças para uma mudança política democrática que produza a correlação
requerida para empreender o caminho de uma Assembleia Nacional Constituinte.


Tradução: Joaquim Lisboa Neto