O difícil caminho da consolidação do processo de diálogos e negociação.
Por Jairo
Estrada Álvarez
Professor
do Departamento de Ciência Política Universidad Nacional de
Colômbia.
A
possibilidade de uma solução política do conflito social e armado
adquiriu um novo fôlego com a firma de um segundo acordo parcial
entre a guerrilha das FARC-EP e o Governo nacional. Com efeito, ao
anunciado acordo sobre o primeiro ponto da Agenda sobre “Política
de desenvolvimento agrário integral”, se lhe soma agora o de
“Participação Política”, correspondente ao segundo ponto.
Para o
povo colombiano, que por décadas tem tido as legítimas aspirações
de paz com justiça social, se trata de uma boa notícia, pois se
colocou em evidência que forças antagônicas, as representadas pela
insurgência armada, por uma parte, e as do Estado, liderado pelo
governo de Santos, pela outra, avançam na construção de um acordo
político que –se prosperar e chegar a um feliz termo- contribuirá,
sem dúvida, para gerar novas condições para uma transição
econômica, política e social do país.
O acordo
anunciado possui maior valor se se considera que se conquista em meio
à continuidade da confrontação armada e da mais feroz contenda
política. Com efeito, não tem sido possível que se abra passagem a
um cessar bilateral de fogos, devido à contínua negativa
governamental com o argumento de não conceder supostas vantagens
militares à guerrilha e apesar das reiteradas propostas nesse
sentido de diversos setores políticos e sociais e das próprias
FARC-EP. Sem dúvida, um cessar de fogos contribuiria para um melhor
clima para as possibilidades da paz ao reduzir ao mínimo as notícias
da guerra e os impactos que ela produz sobre a economia e a sociedade
em seu conjunto e, por essa via, a gerar uma maior confiança entre
as partes e, sobretudo, na opinião pública, tantas vezes manipulada
pelos meios massivos de comunicação.
A
continuidade das ações de guerra se tem compreendido pelo Governo
como uma carta de negociação por fora da Mesa que pode produzir
soluções frente ao que não se consiga acordar nela.
A ideia de
que uma fragilidade do inimigo insurgente pode levá-lo à derrota e
à submissão continua fazendo parte da estratégia governamental;
representa, ao mesmo tempo, uma concessão aos falcões da guerra.
Não obstante, até agora não há nada que indique que se está em
presença de uma fragilidade estrutural ou de uma desarticulação da
coesão interna e do comando do exército guerrilheiro, tal e como se
propôs o “Plan Espada de honor” [Plano Espada de honra], o qual
necessitou, entretanto, de um “relançamento”.
Pelo
contrário, os últimos meses nos indicam uma intensificação do
acionar insurgente com fundamento na “guerra de guerrilhas”, seu
âmbito natural. Assim é que, neste campo, uma vez mais –como se
mostrou ao longo da história do conflito- não se deve esperar que
prospere a ambicionada solução militar, apesar da maior disposição
de recursos de orçamento, da crescente disposição tecnológica e
da intensificação das atividades de inteligência.
Nesse
contexto, o cessar bilateral de fogos adquire, dia a dia, a condição
de uma necessidade e demanda uma maior pressão e mobilização
social para fazê-lo realidade.
A contenda
política a favor de uma solução negociada não foi nem é uma
tarefa fácil.
Aqui se
trata de produzir uma complexa correlação social de forças que,
por uma parte, consiga derrotar os setores militaristas e de ultra
direita, obcecados numa fascista “solução final” de derrota e
inclusive de extermínio do inimigo guerrilheiro, reivindicada hoje
pela força política denominada Uribe Centro Democrático. E pela
outra, no campo dos que afirmam acompanhar o processo de paz, gerar
um entendimento e uma apreensão não reducionista da solução
política, limitada à ordem vigente do direito [constitucional e
legal] e de subordinação a este; o qual supõe que o processo de
diálogos e negociação não é um simples alistamento de condições
para a [re]inserção do movimento guerrilheiro na vida civil,
elaborado sem seu concurso, como se pretende, por exemplo, com o
chamado Marco jurídico para a paz ou o referendo constitucional em
trâmite para a referenda de um eventual Acordo final.
Fortalecer
o campo de forças a favor da solução política implica reconhecer
que se está negociando com um poder subversivo alternativo ao poder
do Estado, o qual implica transação e concessões, inclusive a
respeito da ordem constitucional e legal imperante. Mais além da
situação específica da guerrilha e de seus combatentes, o que se
joga na hora atual na Colômbia é a possibilidade da democratização
de um regime fechado e excludente.
O segundo
acordo parcial representa um passo adiante no necessário isolamento
dos inimigos abertos do processo, mas não sua derrota. Não se pode
esquecer que se trata de forças possuidoras de um significativo
poder econômico e territorial, com indiscutíveis características
criminais e mafiosas, entronizadas estruturalmente no Estado e
consolidadas através do exercício da violência. A elas se une a
prosa guerreirista e empostada do Ministério Público. Deve-se
esperar que tais forças desatem nos meses vindouros todos os seus
brios para desprestigiar o processo e tentar recanalizar o país pelo
único caminho da guerra. Sem dúvida, os ataques contra o processo
de paz serão a principal bandeira eleitoral da ultra direita
militarista. Nesse cometido, podem ser úteis as [aparentes]
ambivalências do governo de Santos que persiste num [programado]
duplo discurso: O dos estridentes tambores da guerra [liderado pelo
loquaz ministro de Defesa] e aquele de seu compromisso com a paz.
Não
obstante, o balanço pode inclinar-se a que Santos assuma com maior
força o discurso da paz, pois este, ademais de produzir-lhe maiores
rendimentos em sua aspiração reeleitoreira, pode
concitar
um maior apoio de setores da população desejosos –ainda com
impassibilidade- da consolidação da perspectiva da paz, conta com o
apoio de setores modernizantes do empresariado capitalista e com uma
boa recepção na comunidade internacional, incluídas instituições
como a ONU e, em especial, nos países de Nuestra América que
compreendem que uma solução política contribui para fechar a porta
ao intervencionismo militar imperialista na Região.
Na
alocução presidencial de análise do segundo acordo parcial, se lhe
viu mais decidido a favor dos diálogos e da negociação.No campo
dos que afirmam acompanhar o processo de paz, o espectro político e
ideológico é heterogêneo. Nos partidos que conformam a coalizão
de direitas no governo, se encontram tanto expressões próprias do
oportunismo [a retórica da paz pode produzir dividendos políticos
em tempos eleitorais], como também outras mais comprometidas com a
ideia de umasolução
política. Em organizações opositoras dentro do regime de
democracia governável, como a Aliança Verde e o Polo Democrático
Alternativo, se observam apoios mais decididos ao processo de diálogo
e negociação, porém submetidas ao cálculo político eleitoral. Em
todo este espectro de posições, persiste a ideia de uma saída
política circunscrita aos projetos institucionais existentes.
No campo
popular, movimentos políticos e sociais como a Marcha Patriótica, o
Congresso dos Povos, processos regionais, ou de comunidades
campesinas, indígenas e afrodescendentes, ou
movimentos
setoriais de jovens e de mulheres, ainda que se mostrem muito mais
definidos em seu respaldo ao processo de paz, no qual, ademais,
consideram se deve incorporar o ELN, não
conseguiram consolidar um movimento de massas que dê maior
consistência e estabilidade às negociações, em parte pelas
dificuldades para construir uma agenda política comum.
Em suma, o
consenso implícito por uma solução política, que se vem
construindo com dificuldade, não possui ainda a estabilidade e
solidez necessárias para conceder-lhe a perspectiva da solução
política
um caráter de irreversibilidade. Ainda que os avanços que se
registrem pelos acordos entre a guerrilha e o governo são
importantes, eles se tornam insuficientes. A irreversibilidade será
possível quando o processo seja objeto de uma efetiva apropriação
social e consiga sustentar-se num amplo movimento de massas a seu
favor, independentemente da avaliação e dos alcances que as forças
políticas e sociais lhe imprimam.
Neste
ponto, é claro que, para os setores políticos representativos do
regime político imperante, incluída a oposição dentro do sistema,
a saída política se compreende no essencial em termos de uma
reinserção da força guerrilheira na vida civil em forma similar
aos processos de fins dos [anos] oitenta e primeiros anos da década
de 1990. Daí sua distância frente às possibilidades de
transformações estruturais que se pudessem desatar como fruto de um
eventual Acordo final. Isso tem se expressado, entre outros, no
debate sobre a Assembleia Nacional Constituinte [ANC].
No campo
popular, a solução política se associa com as possibilidades que
ela possa gerar para uma transição política para a real
democratização econômica, política e social do país, com a
perspectiva de novos projetos institucionais [constitucionais e
legais], incluída a necessidade de uma ANC, não só para a
referenda de eventuais acordos, como também para superar os
evidentes limites da Constituição de 1991 e a crise institucional
do Estado e seus poderes públicos. Deve-se reconhecer, não
obstante, que ainda não há a suficiente articulação entre o que
se debate em Havana e as demandas dos movimentos sociais e populares,
apesar de que, em sentido estrito, existem indiscutíveis
identidades.
Em
qualquer circunstância, um eventual Acordo final transformará o
mapa político do país e produzirá uma reacomodação das forças
políticas e sociais e uma redefinição da contenda política.
Já
existem vários efeitos demonstrativos desta afirmação. Primeiro,
foi o anúncio do Acordo para o início dos diálogos, assim como a
definição da Agenda que, mais além de suas aparentes
generalidades,
contém aspectos fundamentais da formação econômica e social, se
se lê eompreende integralmente.
Seguidamente, foi o acordo parcial
sobre o tema do “desenvolvimento agrário integral”, que esteve
precedido por um magnífico foro nacional e um intenso debate público
no
qual se
exibiram todas as posições [desde as sustentadas pelo latifúndio
improdutivo, passando pelas do empresariado dos agronegócios, até
as dos trabalhadores do campo e das comunidades campesinas, indígenas
e afrodescendentes] sobre um assunto deslocado do debate público e
acadêmico. Nesse aspecto, os diálogos e a negociação desataram
uma maior politização social.
E agora,
com o segundo acordo parcial sobre “Participação política”,
precedido por um foro nacional, se iniciou um debate –que haverá
de expandir-se- acerca do caráter restringido do
regime
político colombiano e de sua necessária abertura para a democracia
real. Diz muito do valor da Mesa de diálogos que seja graças a ela
que se encontre uma saída a temas que não contaram
com o
mesmo destino em seu trâmite através da institucionalidade vigente
e do regime parlamentar, depois de mais de duas décadas do
ordenamento constitucional de 1991.
Ainda se
encontram pendentes quatro pontos da Agenda: o da solução do
problema das drogas de uso ilícito, o de vítimas, o relativo ao fim
do conflito e o da implementação, verificação e
referenda,
todos eles de grande complexidade. Os acordos parciais conquistados
até agora indicam que é possível [e necessário] continuar
transitando o caminho da solução política.
Desde o
campo popular, num contexto de crise capitalista mundial, de uma
evidente fissura das políticas neoliberais e de uma mobilização e
protesto social em ascensão, a consolidação do processo de
diálogos e negociação, ademais de constituir-se em necessidade,
representa a possibilidade de desatar as forças para uma mudança
política democrática que produza a correlação
requerida
para empreender o caminho de uma Assembleia Nacional Constituinte.
Tradução: Joaquim Lisboa Neto