Francisco e a Criação segundo o Papa Francisco
“A contínua aceleração das mudanças da
humanidade e do planeta se une hoje à intensificação dos ritmos de
vida e de trabalho, naquela que alguns chamam, em espanhol,
“rapidación” (aceleração). Embora a mudança faça parte da
dinâmica dos sistemas complexos, a velocidade que as ações humanas
lhe impõem hoje contrasta com a natural lentidão da evolução
biológica. A isso se acrescenta o problema que os objetivos desta
veloz e constante mudança não são necessariamente orientados ao
bem comum e a um desenvolvimento humano, sustentável e integral”,
escreve o Papa Francisco
no XVIII
parágrafo de sua encíclica, dedicada aos temas do ambiente, a
“casa comum” da qual cada um deve cuidar.
Eis algumas antecipações do texto publicadas pelo
jornal Corriere della Sera,
16-06-2015. A tradução é de Benno
Dischinger.
Da contaminação dos rejeitos ao
superaquecimento global
“Existem formas de poluição que atingem
cotidianamente as pessoas. A exposição aos poluentes atmosféricos
produz um amplo espectro de efeitos sobre a saúde, em particular dos
mais pobres [...]. A Terra, nossa casa, parece transformar-se sempre
mais num imenso depósito de imundície. Em muitos lugares do
planeta, os anciãos recordam com nostalgia as paisagens de outros
tempos, que agora aparecem submersos por lixo [...]. Estes problemas
estão intimamente ligados à cultura do rejeito, que golpeia tanto
os seres humanos excluídos quanto as coisas que se transformam
velozmente em lixo”.
“O clima é um bem comum, de todos e para todos.
Esse, em nível global, é um sistema complexo em relação com
muitas condições essenciais para a vida humana. Existe um consenso
científico muito consistente que indica que estamos em presença de
um preocupante aquecimento do sistema climático. [...] A humanidade
é chamada a tomar consciência da necessidade de modificações de
estilos de vida, de produção e de consumo, para combater este
aquecimento ou, pelo menos, as causas humanas que o produzem ou o
acentuam. [...]. Se a tendência atual continuar, este século
poderia ser testemunha de mudanças climáticas inauditas e de uma
destruição sem precedentes dos ecossistemas, com graves
consequências para todos nós”.
As mudanças climáticas e os migrantes
abandonados
“As mudanças climáticas são um problema global
com graves implicações ambientais, sociais, econômicas,
distributivas e políticas, e constituem um dos principais desafios
atuais para a humanidade. Os impactos mais pesados recairão
provavelmente nas próximas décadas sobre Países em via de
desenvolvimento. Muitos pobres vivem em lugares particularmente
golpeados por fenômenos conexos ao aquecimento [...]. É trágico o
aumento dos migrantes que fogem da miséria agravada pela degradação
ambiental, os quais não são reconhecidos como refugiados nas
convenções internacionais e, portanto, carregam o peso da própria
vida abandonada sem nenhuma tutela normativa. Infelizmente há uma
indiferença generalizada diante destas tragédias, que acontecem
atualmente em diversas partes do mundo. A falta de reações diante
destes dramas dos nossos irmãos e irmãs é um sinal da perda
daquele senso de responsabilidade pelos nossos semelhantes sobre os
quais se fundamenta toda sociedade civil”.
A água, direito fundamental e o respeito
pela biodiversidade
“A água potável e limpa representa uma questão
de primária importância, porque é indispensável para a vida
humana e para sustentar os ecossistemas terrestres e aquáticos.
[...]. Enquanto a qualidade da água disponível piora
constantemente, em alguns lugares avança a tendência de privatizar
este recurso escasso, transformado em mercadoria sujeita às leis do
mercado. Na realidade, o acesso à agua potável e segura é um
direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a
sobrevivência das pessoas, e por isso é condição para o exercício
dos outros direitos humanos. Este mundo tem um grave débito social
com os pobres que não têm acesso à água potável, porque isso
significa negar a eles o direito à vida, radicado em sua inalienável
dignidade”.
“Também os recursos da terra são depredados por
causa de modos de entender a economia e a atividade comercial
produtiva, demasiado ligadas ao resultado imediato. A perda de
florestas e bosques implica ao mesmo tempo na perda de espécies que
poderiam constituir no futuro recursos extremamente importantes, não
só para a alimentação, mas também para a cura de doenças e para
múltiplos serviços. [...] Mas, não basta pensar nas diversas
espécies somente como eventuais “recursos” desfrutáveis,
esquecendo que têm um valor em si mesmos. A cada ano desaparecem
milhares de espécies vegetais e animais que não poderemos mais
conhecer, que os nossos filhos não poderão ver, perdidas para
sempre. A imensa maioria se extingue por razões que têm a ver com
alguma atividade humana. Por nossa causa, milhares de espécies não
darão glória a Deus com sua existência nem poderão comunicar-nos
a própria mensagem. Não temos esse direito”.
A renúncia ao paradigma tecnocrático
Existe um modo de compreender a vida e a ação
humana que é desviado e que contradiz a realidade até o ponto de
arruiná-la. Porque não podemos parar e refletir sobre isto? “De
nada servirá descrever os sintomas, se não reconhecermos a raiz
humana da crise Proponho, portanto, que nos concentremos sobre o
paradigma tecnocrático dominante e sobre o lugar que aí ocupam o
ser humano e sua ação no mundo”. “Em tal paradigma ressalta uma
concepção do sujeito que progressivamente, no processo
lógico-racional, compreende e de tal modo possui o objeto que se
encontra fora. Tal sujeito se explica no modo de estabelecer o método
científico com sua experimentação, que já é explicitamente uma
técnica de posse, domínio e transformação [...]. Por isso, o ser
humano e as coisas têm cessado de dar-se amigavelmente a mão,
tornando-se, ao invés, contendentes.
Daqui se passa facilmente à ideia de um crescimento
infinito ou ilimitado [...]. Isso supõe a mentira sobre a
disponibilidade infinita dos bens do planeta, que conduz a
“espreme-lo” até limite e além”.
O ponto de vista dos excluídos também na
ecologia
“Gostaria de observar que com frequência não se
tem clara consciência dos problemas que golpeiam particularmente os
excluídos. Eles são a maioria do planeta, bilhões de pessoas. Hoje
são mencionados nos debates políticos e econômicos internacionais,
mas em geral parece que os seus problemas sejam colocados como um
apêndice, como uma questão que se acrescente quase por obrigação
ou de maneira periférica, quando não são considerados como um mero
dano colateral. [...] Mas hoje não podemos deixar de reconhecer que
uma real concepção ecológica se torna sempre uma concepção
social, que deve integrar a justiça nas discussões sobre o
ambiente, para escutar tanto o clamor da terra quanto o clamor dos
pobres”.