“Na mesa não cabem pressões, imposições, nem ultimatos”
Em
entrevista com o delegado das FARC-EP Carlos Antonio Lozada, [ele]
diz que essa guerrilha chegou à mesa de negociação convencida de
encontrar uma saída dialogada a um conflito de caráter político e
socioeconômico, porém o governo Santos continua pensando numa saída
militar.
Carlos
Antonio Lozada,
membro do Secretariado do Estado-Maior Central das FARC-EP, assumiu
há poucos meses um importante papel na Delegação de Paz de Havana,
em particular nas subcomissões sobre o fim do conflito e desminado
humanitário, fundamentais para diminuir a intensidade do conflito e
aplanar o caminho para a paz estável e duradoura.
A
Lozada, o mataram em manchetes de imprensa. Alguns meios de
comunicação e militares chegaram a comemorar, porém não foi
assim, está vivinho e puxando o touro pela cauda como protagonista
da construção de um acordo para a paz com democracia e justiça
social.
Há
algumas semanas esteve em Colômbia, explicando à guerrilheirada do
Bloco Oriental os avanços e dificuldades do processo e o especial
significado que tem o acordo pactuado sobre o desminado humanitário.
Outro
dos tantos gestos de paz da insurgência. (Ver
detalhes da viagem à Colômbia)
VOZ
entrevistou ao comandante guerrilheiro depois
do massacre de seus companheiros em Guapi (Cauca),
ainda que não se conhecia nesse momento que entre os caídos estava
Jairo Martínez, quem havia atuado em Havana como membro da Delegação
de Paz e se encontrava em Guapi fazendo pedagogia de paz, atividade
política que as FARC-EP encarrega a vários quadros de sua
organização. Martínez, por muitos anos membro do Estado-Maior do
Bloco Sul, era conhecido pelo papel que desempenhou na zona de
distensão do Caguán e nas posteriores libertações humanitárias.
Carlos
Antonio Lozada se
pergunta: Que
sentido tem continuar provocando morte, dor e sofrimento entre
irmãos? Para
advertir que o caminho é o do cessar bilateral de fogos na busca da
paz definitiva.
A
suspensão do cessar unilateral de fogos
— Por
que suspenderam
o cessar unilateral de fogos,
se o Governo Nacional diz que estão dialogando em meio à guerra?
— O
massacre de Guapi, no estado do Cauca, onde morrem 27 guerrilheiros,
é um fato demonstrativo do uso desproporcional da força por parte
do Estado colombiano. Ante uma situação desta natureza não
tínhamos outra alternativa que suspender nossa decisão de
cessar-fogo unilateral e por tempo indeterminado. Dialogar em meio ao
conflito tem sido a teimosa decisão do Governo.
As
FARC-EP, desde o início do processo, têm insistido na necessidade
de um cessar-fogo bilateral. Para nós outros é uma questão de
princípios, de humanismo. Se chegamos à mesa convencidos de que
este conflito, por sua natureza política e socioeconômica, não tem
solução militar, então, que
sentido tem continuar provocando morte, dor e sofrimento entre
irmãos?
— Segundo
o ministro Juan Fernando Cristo, as FARC-EP já haviam rompido o
cessar unilateral de fogos.
— A
declaratória do cessar-fogo unilateral e por tempo indeterminado foi
um gesto essencialmente humanitário e esperávamos que esta decisão
unilateral fosse correspondida de maneira equivalente por parte do
Governo; no entanto, o que se produziu foi um incremento das
operações nas áreas, tal como o denunciamos de maneira reiterada
em nossos comunicados e foi documentado pela Frente Ampla pela Paz,
em cumprimento de sua patriótica empreitada de seguimento e
verificação do cessar-fogo. Nesse contexto de assédio permanente a
nossas unidades é que se produzem os fatos na vereda Buenos Aires,
no Cauca, onde morrem 11 soldados e mais 20 ficam feridos. Ver
mais detalhes deste acontecimento
No
momento em que decretamos
o cessar-fogo unilateral, deixamos claro ante o país que se nos
atacassem nos veríamos obrigados a responder.
Essa é a realidade.
— Alguns
meios de comunicação asseguram que é a guerrilha quem põe em
perigo os diálogos de paz com a suspensão do cessar-fogo
unilateral.
— Se
algo caracteriza a maioria dos meios de comunicação
colombianos, é sua falta de ética,
sua parcialidade a serviço dos interesses dos que se consideram
donos do país. Não é senão verificar a
quem pertencem estes meios
para compreender que interesses defendem e por que apresentam de
maneira distorcida as notícias e as análises que fazem das mesmas.
A informação sobre o processo de paz não é a exceção.
Quem
põe em risco os diálogos de paz é o Governo com suas vacilações,
sua ambivalência e falta de firmeza para assumir a defesa do
processo frente a seus inimigos. Também a mídia tem uma grande cota
de responsabilidade na rarefação do ambiente contra o processo.
Basta
analisar a forma em que se apresentam as notícias para compreender o
papel que jogam instigando os ódios e
a guerra. (Recomendo:
A paz, os editoriais e a má imprensa)
Crises
e soluções
— Continuam
sentados na mesa? Há uma crise no processo?
— Ao
contrário do que passa com o presidente Santos, nas FARC-EP não há
dúvidas acerca de que a saída política é a única alternativa que
os colombianos temos para
superar este conflito. Apesar das dificuldades, seguiremos insistindo
em encontrar caminhos que nos levem a deter a confrontação e
encontrar o caminho da reconciliação da família colombiana. Este é
um compromisso indeclinável para com nosso povo, que é quem
finalmente põe os mortos nesta guerra injusta que nos impuseram.
— As
FARC mantêm a proposta do cessar bilateral de fogos?
— Sim,
essa é outra bandeira irrenunciável e os fatos estão nos dando a
razão. Todos os processos de paz anteriores fracassaram por fatos
gerados no marco da confrontação. Acordar um cessar-fogo bilateral,
já, é a melhor maneira de blindar o processo; porém, é ademais
uma necessidade ética, um compromisso moral inevitável para com os
milhões de compatriotas vítimas deste conflito.
— Que
passa com o Governo Nacional e o presidente Santos? Concessões
ao militarismo? Estão
cansados? Descumprem com os eleitores que votaram nele para que
promova a paz e não a guerra.
— São
vários os fatores que há por trás das vacilações
do Governo.
Em
primeiro lugar, está sua ideia de uma paz limitada à desmobilização
da guerrilha, sem soluções de fundo para os desajustes políticos,
econômicos e sociais que deram origem ao conflito armado e o
alimentaram durante estes anos.
Porém,
ademais, a classe dominante, incluindo os setores que neste momento
apostam na solução política, continua
crendo na possibilidade da derrota militar da guerrilha.
Daí a arrogância e o tom de ameaça com o qual apresentam o que
consideram vitórias militares, que não são outra coisa que
covardes massacres
de guerrilheiros.
Por
outro lado, tampouco renunciam ao terrorismo estatal e paraestatal
contra o movimento popular, algo evidente nos contínuos assassinatos
de dirigentes sindicais e populares, de defensores dos direitos
humanos;
nas ameaças, na criminalização e penalização do protesto social.
Porém,
está também o oportunismo de Santos que, quando o pediu, utilizou
os diálogos para buscar respaldo e apoio dos setores majoritários
que desejam a paz, como o fez em sua campanha reeleitoral, sem que
isto se traduza em fatos concretos na mesa.
Todo
o anterior explica por que o
Governo não tem sabido assumir uma posição decidida em defesa do
processo de paz frente a seus inimigos
e, pelo contrário, cada vez são maiores as concessões à ultra
direita guerreirista.
Defender
os diálogos
- Para vocês, o que garante a continuidade do diálogo e chegar ao ponto de não retorno?
— Frente
as vacilações de Santos e as crescentes pressões do militarismo
contra o processo de paz, a única garantia de continuidade e
consolidação definitiva do mesmo é que os setores majoritários
que creem na saída política ao conflito se mobilizem em sua defesa.
A paz com justiça social para nosso povo não será uma dádiva da
oligarquia; teremos que conquistá-la na mais árdua batalha contra
seus inimigos. Mais
de 900 organizações pedem cessar-fogo bilateral
Ainda
que tenhamos avançado nesse sentido, como o evidenciou a marcha
do 9 de abril,
é claro que ainda
não se consegue estruturar uma frente ampla que aglutine e mobilize
de maneira decidida todas as forças sociais e políticas que desejam
uma paz
com mudanças democráticas, com soluções aos mais sentidos
problemas econômicos e sociais das massas.
Ali
há um desafio grande para aqueles que apostamos na solução
incruenta do conflito. Não há, não pode haver tarefa mais
importante neste momento que a mobilização e a luta pela saída
política. A esta tarefa devem estar subordinadas as demais. É
necessário entender que, se não consigamos conquistar a paz, se
novamente se impõem os que se nutrem e vivem da guerra, não haverá
espaços para a participação política
com plenas garantias e direito a ser governo para as propostas
alternativas que hoje emergem em Colômbia. A paz com justiça social
não será o produto de um acordo de insurgência com o Governo; será
o resultado da mais ampla mobilização e luta de todos os setores
que cremos num amanhã melhor para nossa pátria.
A
paz digna
- O Governo volta a expresar o tema do tempo. Paz express, tempos fatais ou tempos razoáveis?
— Esse
é um tema recorrente. Se
equivoca novamente o presidente Santos
se crê que com pressão
militar e política vai impor na mesa uns
prazos que não consultam a realidade do problema que estamos
tratando de resolver. Esse conto vulgar de que ao povo colombiano se
lhe está acabando a paciência, o que esconde
é uma inaceitável ameaça.
Assim não vamos avançar; pelo contrário, o que se consegue é
entorpecer o normal desenvolvimento das discussões que nos devem
levar a encontrar consenso frente aos complexos temas que nos faltam
por abordar.
— Que
significa a paz digna para as FARC-EP?
— O
conflito armado em Colômbia não tem vencedores nem vencidos. A
Agenda, como um acordo entre partes iguais, é um documento que
reflete e recolhe essa realidade.
Sendo assim, na mesa não cabem pressões, imposições, nem muito
menos ultimatos.
Do
que se trata, então, é de chegar a consenso uns mínimos, umas
mudanças de ordem econômica, política e social que assentem as
bases para que seja possível a participação política aberta em
igualdade de condições, com plenas garantias
de segurança e direito a ser governo, das forças alternativas ao
regime opressor que hoje existe em Colômbia;
e aqui nos referimos não só às forças rebeldes alçadas em armas;
essas mesmas condições devem se dar para todas as organizações
sociais e políticas que lutam por abrir esses espaços dentro do
estreito marco do sistema atual.
Em
poucas palavras: Se
trata de criar as condições para que os colombianos possamos
resolver nossas diferenças sem necessidade de recorrer às armas,
porque existem as garantias para fazê-lo de outra maneira. Avanços
na mesa Comissão para o esclarecimento da verdade, da convivência e
da não repetição.
--
Equipe
ANNCOL - Brasil