"O tema da justiça é uma mula morta no caminho da paz": Iván Márquez
O
chefe da Delegação de Paz das FARC falou sobre as tensões que a
Mesa de Diálogos vive pelos fatos de guerra. Fonte: El
Espectador
Por:
Alfredo Molano Jimeno
Numa
das rodadas mais tensas nos mais de dois anos de processo de paz
entre o Governo e as FARC, o chefe da Delegação de Paz da guerrilha
explica que, após a morte de mais de 40 guerrilheiros na última
semana, a confiança da Mesa está mal ferida e assinala que só um
cessar-fogo bilateral pode ajudar a que o processo avance com maior
celeridade. Também fala do assunto da justiça transicional, da
Assembleia Nacional Constituinte e do avanço de um acordo sobre uma
comissão da verdade. Afirma que o diálogo com os militares imprimiu
um melhor ritmo à Mesa, e pede pela rápida instalação de um
processo de paz com o ELN.
Se
fala de que a Mesa entrou num momento de estancamento... O que há de
certo?
É
assim. Eu diria que estamos atravessando uma turbulência. Havíamos
conseguido aproximar-nos numa visão em torno à comissão de
esclarecimento da verdade. No ciclo anterior dissemos que esperávamos
que nesta rodada poderíamos dar ao país a notícia de sua
composição. Porém os fatos ocorridos no campo militar
lamentavelmente adiaram este assunto e é que essa comissão vai nos
mostrar as responsabilidades que cada quem tem. Se se vai falar de
justiça, se necessita da verdade porque aqui se fala de justiça,
porém aplicável aos “maus”, mas não dos responsáveis
supremos, que é o Estado. No dia em que o Estado assuma como o
máximo responsável, creio que teremos começado a suprimir o
caminho da guerra.
Há
mais de um ano se discute o ponto de vítimas, por que tem parada a
discussão?
O
tema de justiça se atravessou como uma mula morta no caminho dos
acordos. Há que remover esse obstáculo e dedicar-nos a resolver o
tema das vítimas. Neste processo se deram coisas novas, como as
audiências com as vítimas do conflito. Porém, ocorre que não se
move nada a favor das vítimas. Enquanto discutimos o tema, continuam
matando defensores de direitos humanos reclamantes de terra,
continuam perseguindo aos líderes do movimento social. A Marcha
Patriótica já leva mais de cem mortos. Porém, ademais pusemos
sobre a mesa uma combinação de propostas para discuti-las, que são
mais de 140. Porém estão represadas ainda que, sim, houve alguns
avanços. Agora estamos falando da comissão da verdade, que é um
instrumento muito importante para levantar o freio à discussão. Ao
mesmo tempo, estamos discutindo assuntos relativos ao fim do
conflito, enfocados em dois aspectos: o cessar-fogo e a deixação
das armas. Aí se está fazendo um bom exercício e ganhamos muito em
confiança e, ainda que pareça incrível, tem havido uma grande
sintonia entre os altos oficiais da Força Pública e os Comandantes
guerrilheiros. A que se dá entre os guerreiros e estamos muito
satisfeitos de poder falar com os destacados oficiais designados pelo
Governo e com eles pudemos constatar que eles querem a paz como a
querem a maioria dos colombianos.
Quando
se fala de justiça, inevitavelmente, alguém pensa no cárcere, você
crê que se isso se resolve se poderia avançar na paz?
O
que ocorre é que se tem pretendido difundir que as FARC rechaçam as
ideias de justiça transicional. Nós outros buscamos uma justiça
combinada entre as partes. Entendo a justiça transicional como um
acordo político. Porém, em Colômbia se tem dado que o Governo, de
maneira unilateral apresentou, sem ter em conta a seu igual na mesa,
se foi pelo atalho do Marco Jurídico para a Paz. Isso não deixa um
bom sabor. Nós outros cremos que podemos encontrar uma fórmula de
reconciliação sobre as bases de verdade histórica, justiça
transformadora, reparação integral e não repetição. Creio que
ali está a chave para sanar as feridas. Necessitamos remover as
estruturas injustas que geraram o levantamento armado, como direito
universal. Tudo isto está ligado a transformações estruturais, que
estão contempladas na agenda de Havana. A paz da Colômbia não se
resolve traçando linhas vermelhas.
Quais
são essas linhas vermelhas que se apresentaram?
Diz
o Governo que não está em discussão a política econômica, porém
é que a Colômbia não pode estar condenada à injustiça, ao
saqueio dos recursos naturais por parte das transnacionais, e dos
políticos corruptos. Não nos opomos à extração
mineiro-energética, porém a queremos a serviço do povo.
E
no tema de sanções, que se viu como a noz do problema da justiça,
quais são as alternativas que vocês apresentam?
Os
colombianos devemos refletir sobre a mensagem que as vítimas nos
trouxeram. Elas disseram que vinham despojadas de ódio e de
vingança, a pedir-nos que não nos levantássemos da Mesa até
firmar o acordo final. Isso é o que há que entender. Nos disseram
que as benditas pesquisas dizem que a maioria pede cárcere para as
FARC e alguém se pergunta se não estarão mal apresentados os
questionários das pesquisas. Que passaria se lhes perguntam se estão
de acordo com que a casta política corrupta vá para o cárcere? Nós
outros não viemos a Havana para intercambiar impunidades. Há que
abrir as portas à margem nacional de apreciação, que nos convida a
fazer uma reflexão em torno às origens do conflito, porque um
tribunal internacional não conhece nossa história, nossos costumes.
Não sabem que aqui houve uma época de violência que produziu
300.000 mortos e não se pagou por eles nem uma missa. Há que
extrair as fórmulas de nossa história e encontrar os responsáveis.
Aí falaremos de justiça.
Porém,
diga-me, quais são as fórmulas de justiça que vocês propõem?
O
problema radica em pensar a justiça como um tema punitivo. O
importante é levar adiante este processo e conseguir a paz. É um
tribunal estrangeiro, que não conhece Guapi, nem Quibdó. Se é uma
instituição razoável, tem que fazer-se a um lado por falta de
elementos de juízo. Agora, a pergunta sobre o cárcere a devolvemos:
pergunte aos dirigentes políticos, aos ex-presidentes, aos
empresários. Será
que eles estão dispostos a pegar cárcere?
Porém,
que garantías jurídicas podem ter sem o aval da justiça
internacional?
É
que aqui se disse que com vigência do Tratado de Roma é impossível
as anistias gerais e os indultos, porém isso não é certo. Onde
está o documento que diz isso? Esse tema está aberto à observação
dos diferentes países, porém, como em Colômbia há obcecados em
colocar detrás das grades a guerra, punitivistas de última hora que
inventam ficções jurídicas que dizem que se não cárcere não há
nada. Porém, falemos de determinadores. Imagine-se a um general
falando de falsos positivos, que vai dizer?, que é produto de uma
diretriz presidencial, e o presidente vai para o cárcere? É que não
se tem apreciado o assunto, porque este não é um processo jurídico,
é um processo de paz.
Então
vocês veem a Assembleia Constituinte como a única garantia jurídica
dos acordos?
Se
necessita de um cadeado jurídico e isso só o dá uma Assembleia
Nacional Constituinte. Que seja o povo, o constituinte soberano o que
diga de que maneira se resolve isto. Uma paz estável e duradoura tem
que ser o resultado de um grande acordo político, no qual
participemos a maioria dos colombianos e isso só se consegue numa
constituinte.
Porém,
como seria essa constituinte?
Se
necessita que nos ponhamos de acordo em três aspectos: o conteúdo,
a composição e a duração. Uma constituinte para a paz, para isso
a queremos. Não para blindar ninguém. O povo é sábio e saberá
resolver esta situação.
Explique
esses três aspectos...
O
conteúdo terá que ver com as ressalvas que não pudemos nos pôr de
acordo na Mesa; também sobre os temas de discussão e das reformas
ao sistema eleitoral, à justiça, à democracia etc. Em segundo
lugar, temos que acordar uma composição. Nós outros propusemos que
se criem circunscrições especiais para os que nunca foram ouvidos,
por exemplo, que os campesinos, os jovens, os afros ou os indígenas
elejam seus representantes. E a duração, que pode ser de seis
meses. Aí está a constituinte, onde os guerrilheiros devemos marcar
presença, derivada do próprio acordo. Isso abre um horizonte muito
extenso.
E
não é perigoso que nessa constituinte, em vez de ampliar-se, se
apequene a democracia?
Estamos
falando de um acordo político prévio. No fundo, é preciso estar
louco para opor-se à paz. Suspeitamos da loucura de Uribe, porém
talvez não o esteja. Nós temos que fazer mudanças estruturais em
Colômbia. Não estamos dizendo que se imponha um modelo, dizemos que
há que fortalecer a democracia. Por que não pode haver um
representante dos trabalhadores na junta do Banco da República? É
que estão acostumados à exclusão. Se pode adotar uma política
econômica que dignifique o povo.
Que
impactos tiveram na Mesa os últimos acontecimentos de guerra em
Colômbia?
Estremeceram
a Mesa e Conversações. Porém os que estamos neste processo
sentimos que é necessário dedicar nossos esforços para superar
este mau momento. Os garantidores do processo, Cuba e Noruega,
expressaram sua preocupação por perder os acordos alcançados e
sugerem trabalhar na desescalada do conflito e propõem a necessidade
de avançar para o cessar-fogo bilateral e nisso damos uma resposta
positiva.
A
desescalada demonstrou que os únicos gestos duradouros são os
acordados pela Mesa, e não as decisões unilaterais das partes...
Porém,
o que podíamos fazer se o Governo se nega ao cessar-fogo bilateral
aduzindo que outorgaria vantagens militares à guerra? Declaramos por
várias vezes cessar-fogo unilateral, o último por tempo
indeterminado. Foram cinco meses de cumprimento cabal, se evitaram
muitas mortes e atos de guerra, permitimos que as multinacionais
petroleiras fizessem sua devastação, porém o Governo aproveitou
para desdobrar suas forças. Para ocupar territórios de controle
guerrilheiro. Foram muitos os guerrilheiros mortos neste cessar-fogo
unilateral.
Porém
a morte dos soldados do Cauca foi a que produziu a reativação dos
bombardeios...
Quem
não vê esses episódios desde o ponto de vista militar não o
entende. Isso foi em defesa própria. Houve um desembarque de tropas
que avançavam contra nossas unidades, então se produziu este
resultado. Agora o presidente diz que se cometeram erros militares, e
isso terá que esclarecer. Então veio o ataque a Guapi, no qual
morreram 27 guerrilheiros e isso acabou de derrubar o cessar
unilateral e foi contra nossa vontade. O Governo nos provocou durante
cinco meses. Pinzón fez até o impossível para sabotar este esforço
e o conseguiu.
Como
solucionar isso?
Com
o cessar bilateral de fogos. É
que nos mataram mais de 40 guerrilheiros, entre eles os comandantes
Román Ruíz e dois delegados da Mesa que estavam cumprindo tarefas
de pedagogia de paz em unidades guerrilheiras, que são Jairo
Martínez e Emiro.
Isso
em que afeta o plano de desminado humanitário?
Pois,
em que, a cada vez que se vão a fazer estas operações, que exigem
o translado de guerrilheiros da Mesa à Colômbia, os que estamos em
Havana ficamos tensos porque pode surgir qualquer situação. Porém,
o importante é que este acordo tem se levado de maneira muito
responsável por parte dos generais que estão na Mesa. Porém
a confiança está minada.
Que
significa para a guerrilha trabalhar com seu adversário no campo de
batalha?
Já
estamos trabalhando juntos e para nós outros isso tem sido decisivo
porque vai nos permitir fazer uma tarefa eficaz. Porém há algo
absurdo em tudo isto e é que se tem pretendido que só a guerrilha
semeia minas e não é. O Exército abandona artefatos explosivos. Há
uns dias os plenipotenciários apareceram com a bota da calça
arregaçada pela morte de uma menina que supostamente tinha pisado
numa mina. Pois, vão se encarregar de desarregaçar a calça porque
a informação diz que se tratava de uma granada de morteiro
abandonada pelo Exército. E é que em Buenos Aires [Cauca] não há
campos minados. Esperamos que comece seriamente o desminado para
beneficiar as comunidades.
Vocês
também falaram que nos bombardeios de Guapi foram exterminados os
guerrilheiros, que provas têm?
Os
sobreviventes ouviram seus companheiros feridos clamando por auxílio
e os militares os eliminaram com tiros de misericórdia. Por isso
pedimos que uma equipe de forenses internacionais nos informem o que
se passou e seria bom que se fizesse o mesmo com o cadáver de
Alfonso Cano, que foi assassinado em estado de indefensabilidade.
O
que o encontro com altos oficiais da Força Pública tem contribuído
com a Mesa?
Tem
significado uma oportunidade muito grande para propulsionar o
processo de paz. Entre guerreiros os acordos fluem com mais
facilidade. Aí não há retórica. Um militar não pode mentir para
um guerrilheiro, nem um guerrilheiro para um militar sobre assuntos
do campo de batalha. Ademais, tem sido um bom exercício
conhecer-nos. Isso nos tem permitido constatar que somos gente do
povo, humildes, e se acrescentou a vontade de buscar o fim do
conflito. Esta guerra tem sido entre pobres. Os guerrilheiros não
ouviram os disparos dos filhos dos presidentes ou empresários. As
batidas se dão nos bairros pobres.
A
cada vez que se conhece uma visita de Timochenko a Havana, em
Colômbia se arma um escândalo...
Se
Timochenko viaja a Havana não é para reunir-se com Gabino, é para
reunir-se com as FARC. Ele é o chefe das FARC e com ele se acordam
as decisões sobre o rumo da Mesa, como o faz o Governo. Eles, a cada
oito dias, vão à Casa de Nariño a prestar contas ao Presidente.
Nós outros não temos essa possibilidade. É mais difícil que
viajemos à Colômbia do que ele venha. Alguns se escandalizam,
porém, então, como vamos tomar decisões para chegar ao
entendimento com o Governo? Nós não temos um avião para ir falar
com Timoleón, que tem que estar conduzindo os blocos no país.
Se
falou de uma reunião entre Timochenko e Gabino, para as FARC é
imprescindível que o ELN se incorpore ao processo de paz?
Sim,
sem nenhuma dúvida. Necessitamos que o ELN contribua para a
construção da paz. Tem muito o que dizer e se necessita para
preparar o terreno para levantar o novo edifício da Colômbia.
Que
falta para esgotar o ponto das vítimas?
Sentar-nos
a redigir acordos. Nós não somos o problema, já apresentamos
nossas propostas. Quiséramos que fosse o mais rápido possível,
porém isto não se resolve com um cronômetro na mão. Oxalá neste
tema de vítimas não se apresentem desacordos. E estamos de acordo
em que se necessita acelerar a marcha da paz.
Novos
ares em Havana
Depois
de várias semanas de tensão gerada pela reativação do conflito
armado em Colômbia, com a qual se deram importantes baixas tanto de
guerrilheiros como de militares que puseram as negociações num
ponto de não avanço, os negociadores do Governo e das FARC tomaram
um novo ar na discussão e ratificaram na sexta-feira, numa rodada de
imprensa, o compromisso de continuar com o diálogo até conseguir a
firma do acordo para a terminação do conflito.
Com
este renovado ânimo conciliador, se deu a chegada de dois novos
negociadores do Governo: a chanceler María Ángela Holguín, a
encarregada de articular os acordos com os compromissos normativos
internacionais que o país tem, e o empresário Gonzalo Restrepo,
quem tem como missão estabelecer estratégias para a reinserção
laboral dos guerrilheiros que deixem as armas e evitar a alta
porcentagem de reincidência delinquencial que os desmobilizados têm.
O
histórico desminado conjunto
Um
dos avanços mais importantes alcançados na Mesa de Negociações de
Havana e que se pôs em prática sem estar firmada a totalidade do
acordo é o desminado. O plano piloto, segundo disse o chefe
negociador do Governo, Humberto de la Calle, foi na vereda El Orejón,
em Antioquia, onde asseguram que há mais minas que população
civil.
“É
uma primeira mostra do que se pode conquistar mediante o trabalho
coordenado, já que pela primeira vez um batalhão do Exército
colombiano e as FARC em forma conjunta levam a cabo ações que
favorecem a uma população afetada em forma dramática”, disse De
la Calle, quem também fez referência ao cumprimento das FARC quanto
à entrega de mapas de localização das minas, sobre o qual
assegurou que para isso estão os acordos, “para cumpri-los”.
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Equipe
ANNCOL - Brasil