Que se abram os arquivos!!!
Necessitamos
abrir esses arquivos. Chegou a hora de conhecer a verdade pura e
limpa, as causas e a identidade, com nomes e sobrenomes, dos máximos
responsáveis que têm nos impedido em 190 anos de vida republicana
sair do obscuro labirinto de exclusão e violência política que
aflige e que ainda mantém a Colômbia acorrentada ao despotismo da
guerra. Necessitamos, como o ar para respirar, da paz; e para
construir nossa reconciliação sobre a rocha da NÃO REPETIÇÃO e
do NUNCA MAIS.
Nos
dizem que, como resultado de certas medições de opinião, uma
grande porcentagem de pesquisados pede cárcere para aqueles que,
motivados pelo altruísmo e a solidariedade humana, empunhamos um
direito natural, universal: o da rebelião contra um regime injusto.
Há perguntas que induzem a uma resposta. Se ao povo simples se lhe
pergunta se deseja cárcere para a casta política de privilegiados e
corruptos, que, crendo-se donos do país, desencadearam a violência
oriunda do poder, impulsionaram e financiaram o paramilitarismo,
provocaram os falsos positivos que são crimes de lesa-humanidade, se
enriqueceram e geraram a pobreza, a resposta seria contundente:
cárcere para todos eles; para os que sustentam a ordem social
vigente que reproduz a desigualdade, a miséria, a exclusão.
Se
supõe que as armas foram confiadas pela sociedade ao Estado para a
defesa da soberania e das garantias sociais; porém, quando o
estabelecimento, quando os governos ordenam ao exército apontar
essas armas contra seu próprio povo, produzindo vitimizações
coletivas, extermínio de forças políticas opositoras, ou
assassinatos seletivos de líderes do movimento social, o uso dessas
armas perde totalmente sua legitimidade e seus crimes adquirem a
dimensão de lesa-humanidade. Daí que a responsabilidade sistêmica
seja um milhão de vezes maior que a dos rebeldes.
Sim.
Reiteramos: não viemos a Havana para negociar impunidades com
ninguém. Por isso propusemos analisar doutrinas jurídicas aceitadas
pela Comunidade Internacional que nos ajudem aos colombianos a
combinar fórmulas que saquem este processo ao outro lado. Jamais se
poderá equiparar o direito à rebelião ao terrorismo de Estado.
Em
1957 houve um acordo de paz entre a oligarquia liberal-conservadora
para frear a barbárie da violência desencadeada por ela mesma pela
infame causa da distribuição dos cargos burocráticos do Estado.
Houve pelo menos 300 mil mortos, 1 milhão de deslocados,
desmembramentos de pessoas, decapitações ou “cortes de flanela”,
violações sexuais, incêndios, despojo de terras e repressão
generalizada. Se enfastiaram do sangue derramado, porém sua maior
preocupação não era tanto a morte de inocentes senão que seu
distanciamento pela guerra civil dos negócios e dos lucros. E nenhum
dos responsáveis, porém absolutamente nenhum, pagou cárcere, nem
sequer uma missa pelos mortos.
Esses mesmos
personagens, acobertados sempre pela impunidade, estão promovendo
hoje que os rebeldes têm que terminar detrás das grades para que
haja um encerramento jurídico confiável. Porém não falam de sua
responsabilidade suprema nem de lugares de reclusão para os
determinadores, e sim para os “maus” que se sublevam. E nos falam
de cortes e tribunais, e doutrinas obsoletas apegadas à gramática
que não veem o espírito nem o contexto, nem a verdade histórica,
que encerram, porque lhes dá vontade, os olhos ao direito dúctil, a
paz como direito síntese, a margem nacional de apreciação, à
justiça prospectiva e à possibilidade de que sejamos os próprios
colombianos quem adotemos fórmulas de acordo com nossa
idiossincrasia e soberania para conquistar a reconciliação; quando
podemos combinar mecanismos extrajudiciais inovadores, inclusive de
sanção, que, partindo da verdade que as vítimas do conflito
reclamam, a reparação integral e a não repetição, encontrem o
caminho certo da concórdia e da paz.
Agora querem
converter o processo de paz num processo jurídico contra as FARC.
Os colombianos
devemos entender que acima de qualquer Corte está a paz da Colômbia.
Por
que reivindicamos que se abram os arquivos? Porque a paz necessita da
verdade, identificar aos responsáveis supremos do conflito social e
armado, para, a partir da verdade histórica, acordar fórmulas de
solução, sejam políticas, sejam jurídicas. Não compartilhamos
que se objete à abertura dos arquivos argumentando normativas
obstrucionistas inventadas para ocultar a verdade. Não estamos
pedindo que se abram os arquivos da política internacional da
Colômbia e sim aqueles referentes à violação sistemática dos
DDHH e do DIH, paramilitarismo, falsos positivos, crimes de
lesa-humanidade e todos aqueles que desvelam a existência de
vitimizações sistêmicas.
Em
seu Decreto 0434 de primeiro de março de 1956, do general chefe
supremo Gustavo Rojas Pinilla, presidente da Colômbia, a instâncias
de uma potência estrangeira, assumiu que:
“quem tome parte em atividades políticas de índole comunista incorrerá em presídio de um a cinco anos ou em relegação a colônia agrícola penal por igual prazo; em interdição do exercício de direitos e funções públicas por dez anos; em incapacidade para atuar como dirigente sindical por o mesmo tempo e ficará impedido absolutamente para pertencer no futuro às Forças Armadas. Se se tratar de um membro delas, a sanção se aumentará pelo dobro e se imporá, ademais, a degradação pública”.
“quem tome parte em atividades políticas de índole comunista incorrerá em presídio de um a cinco anos ou em relegação a colônia agrícola penal por igual prazo; em interdição do exercício de direitos e funções públicas por dez anos; em incapacidade para atuar como dirigente sindical por o mesmo tempo e ficará impedido absolutamente para pertencer no futuro às Forças Armadas. Se se tratar de um membro delas, a sanção se aumentará pelo dobro e se imporá, ademais, a degradação pública”.
Se
mirarmos a atual legislação de segurança cidadã, esse mesmo
espírito e tendência criminal prevalece e continua vivo... Em
Colômbia se penaliza o direito constitucional ao protesto, que para
que seja protesto tem que ocupar vias e obstruir o transporte
público. Se massacra arbitrariamente e se encarcera a quem lance
objetos contra a polícia repressora. Ainda há presos das detenções
massivas uribistas em 2006; e no marco dessa arbitrária Lei de
Segurança Cidadã acabam de condenar a 8 anos de cárcere um dos
dirigentes dos protestos campesinos do Catatumbo.
Com
premeditação, as elites em Colômbia baniram de colégios e
universidades o ensino da história. Nos querem ignorantes,
desligados de nossa trajetória histórica como nação, para
submeter-nos pela via da mentira, pretendendo fundir nosso destino
com seus interesses particulares. Não há direito a esse ex
abrupto. Por
isso devemos restabelecer o currículo ou a cátedra de história em
todos os níveis acadêmicos, para que sempre tenhamos presente de
onde viemos e o que foi que se propôs o pai fundador desta
República.
Porque
a transição deve ser para a justiça social e a democracia,
propomos mecanismos de verdade, justiça e reparação derivados de
um acordo político entre as partes e que tenha em conta a história
do conflito e suas responsabilidades. O que rechaçamos são normas
penais elaboradas para um só destinatário –direito penal do
inimigo-, apresentadas unilateralmente pelo Governo ante o Congresso
e a Corte Constitucional sem levar em conta, absolutamente, a opinião
de seus interlocutores de paz na Mesa, sabendo de antemão que o
Estado não pode ser juiz e parte ao mesmo tempo, e muito menos
quando o jus
puniendi
ou atribuição dos estados para sancionar colapsou por motivo da
impunidade dos crimes de Estado.
Que
paradoxo o que se dá em Colômbia: enquanto os determinadores da
violência entrincheirados no poder pedem cárcere, cárcere e mais
cárcere, anistias condicionadas pensando na armadilha e na traição,
os humildes vitimizados pedem reconciliação, reparação e não
repetição. Que desprendimento e que lição de humanidade e amor
pela pátria! Alguns poderosos não querem compromissos de Não
Repetição, porque isso implica mudanças estruturais, porque no
fundo aspiram a que tudo continue igual.
Nos
congratulamos por ter alcançado um acordo de criação de uma
comissão de esclarecimento da verdade, que é parte de um sistema
integral de verdade, justiça, reparação e não repetição que
está por encerrar-se.
Vamos
seguir trabalhando para acordar, ademais, outros mecanismos que nos
permitam alcançar esses propósitos. É imprescindível determinar o
alcance e conteúdo do delito político derivado do exercício do
direito à rebelião.
La
Habana, Cuba, sede dos diálogos de paz, junho de 2015
DELEGAÇÃO
DE PAZ DAS FARC-EP
--
Equipe
ANNCOL - Brasil