Jesús Santrich: “Se há firma do Acordo Final, o que vem é uma etapa de implementação na qual já não deve haver confrontação"
DICK
EMANUELSSON, ANNCOL (DE): Há uns dias foi publicada em vários meios
colombianos e internacionais a notícia de que os comandantes do
Secretariado das FARC que atualmente se encontram em Havana já
teriam cidadania nicaraguense no caso de que o processo da paz
fracassasse ou que o eventual acordo implicaria cárcere para os
comandantes. Que comentário têm as FARC sobre essa declaração?
JESÚS
SANTRICH (JS): A
temática a que se refere em sua pregunta faz parte de uma grande
mentira midiática da qual não sabemos sua finalidade. Porém, os
que a puseram a andar parece que não têm a menor ideia sobre como
as FARC pensam. Não nos conhecem.
Viemos
a Havana para tratar de chegar a um entendimento com o governo, que
permita resolver os imensos problemas de ordem política, econômica
e social que nosso país tem e que têm afetado as maiorias durante
várias décadas. Esse é o propósito e nisso trabalhamos com todo
nosso empenho e com as máximas esperanças em que conseguiremos
alcançar um acordo final que permita ao povo continuar no caminho da
construção de uma Colômbia diferente na qual se supere a
desigualdade, a miséria e a carência de democracia. Cremos que está
claro, então, que este não é nem pode ser um processo de submissão
da insurgência. Neste sentido, não é possível o cenário de
guerrilheiros purgando penas de prisão por terem exercido o direito
à rebelião contra um regime injusto, e tampouco é sequer
imaginável ver a direção revolucionária partindo para o exílio.
O destino da Colômbia não pode ser o da guerra e por isso
trabalhamos pela paz. Não é positivo pensar agora em rupturas ou em
que não conseguiremos firmar o acordo. Há que pôr otimismo e fazer
os máximos esforços para que todos os colombianos e colombianas
possamos acabar com a confrontação e forjar o país sem exclusões.
O
AVANÇO NO TEMA DAS VÍTIMAS
DE:
Você crê que neste Ciclo se possa chegar à conclusão das
discussões em torno do quinto ponto da Agenda sobre Vítimas?
JS: Esse
é nosso desejo e cremos que há elementos suficientes sobre a Mesa
para chegar a um entendimento em breve. Os avanços alcançados
durante o Ciclo 37, que foi o anterior, são de grande significado
dentro deste propósito. Relembre que pudemos apresentar um acordo
sobre Comissão de Esclarecimento da Verdade, da Convivência e da
Não Repetição nos aspectos fundamentais, porém sem ainda
encerrá-lo totalmente porque tal instrumento faz parte de um
“Sistema de Verdade, Justiça, Reparação e Não Repetição” em
relação ao qual, agora, o que estamos é precisando dos elementos
que integram tal mecanismo. Isto se faz analisando as propostas que
as vítimas do conflito levaram até o cenário dos diálogos.
Estamos empenhados em levar adiante um Acordo sobre as reivindicações
essenciais que beneficiem as vítimas, e isso certamente implicará
fortalecer programas existentes, criar novos, corrigir procedimentos
que não foram efetivos etc. Já veremos, não obstante e para não
trazer a debate aspectos que são ainda internos da Mesa, podemos
dizer que grande parte de nossas propostas públicas, por exemplo,
isso da criação do Fundo Especial para a Reparação Integral
[FERI], ou o concernente à elaboração de um “Plano Nacional para
a Reparação Integral” serão elementos a levar em conta.
Haveria
que acrescentar que os dias dos ciclos não são usados somente em
abordar o ponto quinto da Agenda. Simultaneamente, estamos tratando
do tema da cessação do fogo, ou o que tem a ver com o plano de
descontaminação de restos explosivos, ou iniciativas de desescalada
que são urgentes para evitar que a confrontação continue se
aprofundando, e tudo isto consome tempo.
CESSAR-FOGO
BILATERAL?
DE:
A propósito da desescalada e da busca do fim do conflito, ainda
creem que seja possível conseguir o cessar-fogo bilateral antes de
se chegar à firma do Acordo Final?
JS:
Isto
seria o correto, porque é óbvio que, se há firma do Acordo Final,
o que vem é uma etapa de implementação na qual já não deve haver
confrontação. Porém, do que se trata agora é de fazer um esforço
de sensatez e entender que, se não criamos um clima de concórdia
que alivie as dores da guerra, sobretudo no campo, o que estamos
fazendo é colocar obstáculos no caminho que podem ser perigosos
para o processo. Não tem sentido que continue havendo destruição e
morte se estamos sentados numa Mesa de Diálogo.
Enquanto
durou o cessar-fogo unilateral declarado pelas FARC, é absolutamente
comprovável que, apesar dos assédios da força pública tantas
vezes denunciados pela insurgência, o país pôde observar um
ambiente de tranquilidade. Os combates e as mortes alcançaram os
níveis mais baixos e até o empresariado pôde realizar com folga
seus propósitos. Então, não entendemos porque persistir nessa
posição guerreirista e absurda que se resume nesse mito de que se
pode dialogar em Havana como se não houvesse guerra na Colômbia, e
que se pode manter a guerra como se não houvesse conversações em
Havana. A realidade tem mostrado que esse argumento é um sofisma. O
cessar-fogo bilateral se converteu numa necessidade e num dever que
já não aguenta mais adiamentos.
DE:
As FARC pensaram em algum momento em se levantarem da Mesa de
Conversações?
JS:
Nunca.
O mandato que temos de parte de todos os nossos combatentes, homens e
mulheres, é empenhar-nos ao máximo na busca da paz, porque esse é
o clamor majoritário do povo colombiano.
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Equipe
ANNCOL - Brasil