Ante o esgotamento da democracia representativa, urge mirar para as democracias sul-americanas
17
agosto 2015| Itzamná
Ollantay
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Desde
fins do século passado, o neoconstitucionalismo sul-americano, com
seus novos atores sociopolíticos coletivos, incorporou, nos
ordenamentos jurídicos internos de primeiro grau, em vários países
com governos progressistas, mecanismos de participação cidadã
direta para democratizar as democracias formais. Novas
constituições políticas, como a da Bolívia, estabelecem até três
tipos de democracia: participativa, comunitárias e representativa.
Que
inovações democráticas nos propõe o neoconstitucionalismo
sul-americano?
Revogação
de Mandato.
No caso da República Bolivariana de Venezuela e do Estado
Plurinacional da Bolívia, suas respectivas constituições políticas
em vigência incorporaram a figura da Revogação de Mandato para
remover a todos os seus funcionários de eleição popular que percam
legitimidade social. Nestes dois países, desde o Presidente ou a
Presidenta do país, passando por deputados/as, até prefeitos/as
podem removidos de seus cargos [mediante consulta popular] quando
existam evidentes atos de corrupção ou descumprimento dos programas
de Governo com os quais foram eleitos.
Em
Colômbia, Peru, Equador e outras nações existe esta figura
jurídica, porém só para destituir prefeitos e deputados. Bolívia
e Venezuela são os dois únicos países onde se pode revogar o
mandato dos presidentes mediante consulta popular. Hugo Chávez e Evo
Morales se submeteram ao referido mecanismo popular de controle e
sanção política.
Eleição
popular de Magistrados do Órgão Judicial.
No caso da Bolívia, os magistrados da Corte Suprema de Justiça e do
Tribunal Constitucional Plurinacional são eleitos por voto popular.
Sim, ainda que você não acredite, e ainda que a doutrina
constitucionalista tradicional se incomode. Bolívia é o único país
onde a cidadania elege, por voto popular, a seus máximos
administradores de justiça, e se garanta o caráter plurinacional em
sua conformação.
Desta
maneira, se tenta evitar a manipulação política que os partidos
políticos regularmente exercem em função de Governo sobre a
administração de justiça, colocando [nomeando] em postos chaves os
seus “afilhados”.
No
imaginário coletivo latino-americano, governantes e deputados são
os principais “ladrões” dos povos, porém, nos fatos, quase
nenhum ex-governante ou deputado/a é julgado ou encarcerado por seus
atos. A
explicação é mais que evidente.
Iniciativa
legislativa cidadã.
No caso de Venezuela, Equador e Bolívia, a cidadania, com o respaldo
de uma média de 10 por cento de assinaturas, na circunscrição
eleitoral, pode propor ao Congresso ou a Assembleia Nacional um
anteprojeto de Lei de interesse popular. E as deputadas e os
deputados estão obrigados a conhecer e debater a referida proposta.
Tradicionalmente,
nas democracias representativas, deputados, presidentes, ministros e
magistrados judiciais monopolizavam o direito de propor anteprojetos
de Lei. E, assim, quase nunca a vontade popular se convertia em Lei.
Referendo
e plebiscitos para controlar e sancionar aos governantes.
Em países como Venezuela, Bolívia e Equador o recurso à consulta
popular, seja para aprovar ou desaprovar leis, é uma prática que
faz parte da cultura política em processo de construção.
O
plebiscito [outro mecanismo de participação/consulta popular
direta] é exercido para remover ou ratificar a governantes e
representantes eleitor por voto popular.
No
caso boliviano, o referendo, por exemplo, serviu para a
nacionalização das reservas hidrocarbônicas do país e, graças à
referida vontade popular, a Bolívia se converteu num fenômeno
socioeconômico continental nos últimos anos.
Assembleia
Constituinte Popular.
O constitucionalismo tradicional estabelecia que as mudanças ou
reformas às constituições se realizavam única e exclusivamente
mediante os representantes [deputados], respeitando os artigos
pétreos [imodificáveis] constitucionais.
Em
países como Guatemala ou Honduras ainda se fala de deputados
constituintes e artigos pétreos.
O
novo constitucionalismo sul-americano estabelece que as mudanças ou
reformas às constituições políticas se realizam mediante
processos constituintes populares. Já não existem artigos pétreos,
nem deputados constituintes, mas sim povos constituintes. Este é o
caso de Bolívia, Equador e Venezuela.
Partidos
políticos perdem o monopólio da representação política.
A
aposta pela democracia participativa, em alguns dos países
mencionados, significou a legalização de outros canais de
representação política, além de partidos políticos. No caso da
Bolívia, as agrupações cidadãs e povos indígenas disputaram o
monopólio de representação política com os partidos políticos.
Estas
novas organizações políticas cidadãs, com novos métodos
organizativos [mais horizontais] e novos discursos programáticos,
impulsaram os processos de refundação dos estados, e administram,
agora, aos novos estados idealizados nos processos de assembleias
constituintes populares. Os partidos políticos neoliberais de
direita e esquerda, se não morreram, ainda não saem de seu assombro
daquelas inéditas sublevações políticas cidadãs.
Orçamentos
participativos e redistribuição da riqueza.
Os reconhecidos e evidentes avanços econômicos e sociais nestes
países se deve, antes de tudo, à inédita participação cidadã em
assuntos econômicos. O exercício dos orçamentos participativos em
Brasil, Bolívia, Equador, Venezuela etc. fez com que o investimento
e as políticas sociais crescessem e se distribuíssem nos bolsões
sociais mais deprimidos.
Sem
democracia participativa, nem a democratização da economia,
milhões de brasileiros, equatorianos, bolivianos continuariam
sobrevivendo na miséria.
Estes e outros
mecanismos de participação democrática direta evitaram que vários
países, sob a égide neoliberal, ingressassem na constelação da
violenta desintegração social e política como sociedades e
estados. A
constitucionalização e a implementação destes mecanismos de
participação evitou que Bolívia ou Equador fossem, neste momento,
países desesperados, convulsivos e violentos, como o são Guatemala,
Honduras ou México.
Urge superar os
limites teóricos impostos [como cerco doutrinário] pelos agentes da
democracia representativa excludente e transitar para a
democratização da política e da economia. Necessitamos incorporar
nas constituições políticas dos estados os diferentes mecanismos
de participação e decisão popular direta. Ao mesmo tempo,
idealizar novas instituições e políticas públicas que
possibilitem a construção de novos sujeitos sociopolíticos e
estados plurais de acordo com as democracias participativas.
Este
conteúdo foi publicado originalmente por teleSUR sob o seguinte
endereço:
http://www.telesurtv.net/bloggers/-Ante-el-agotamiento-de-la-democracia-representativa-urge-mirar-hacia-las-democracias-suramericanas-20150817-0001.html.
http://www.telesurtv.net/bloggers/-Ante-el-agotamiento-de-la-democracia-representativa-urge-mirar-hacia-las-democracias-suramericanas-20150817-0001.html.
Tradução
de Joaquim
Lisboa Neto