"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


terça-feira, 1 de setembro de 2015

Ante o esgotamento da democracia representativa, urge mirar para as democracias sul-americanas

17 agosto 2015| Itzamná Ollantay
Blog

Se bem que a democracia representativa foi filha predileta da modernidade, a mesma não pôde alcançar sua maioridade por suas contradições internas e pela excessiva ganância das elites de poder. No entanto, isso não significou o desaparecimento de outras práticas democráticas participativas, comunitárias e assembleístas, ainda que estes tipos de democracia foram sistematicamente excluídos do constitucionalismo liberal e dos ordenamentos legais internos.
Desde fins do século passado, o neoconstitucionalismo sul-americano, com seus novos atores sociopolíticos coletivos, incorporou, nos ordenamentos jurídicos internos de primeiro grau, em vários países com governos progressistas, mecanismos de participação cidadã direta para democratizar as democracias formais. Novas constituições políticas, como a da Bolívia, estabelecem até três tipos de democracia: participativa, comunitárias e representativa.

Que inovações democráticas nos propõe o neoconstitucionalismo sul-americano?

Revogação de Mandato. No caso da República Bolivariana de Venezuela e do Estado Plurinacional da Bolívia, suas respectivas constituições políticas em vigência incorporaram a figura da Revogação de Mandato para remover a todos os seus funcionários de eleição popular que percam legitimidade social. Nestes dois países, desde o Presidente ou a Presidenta do país, passando por deputados/as, até prefeitos/as podem removidos de seus cargos [mediante consulta popular] quando existam evidentes atos de corrupção ou descumprimento dos programas de Governo com os quais foram eleitos.
Em Colômbia, Peru, Equador e outras nações existe esta figura jurídica, porém só para destituir prefeitos e deputados. Bolívia e Venezuela são os dois únicos países onde se pode revogar o mandato dos presidentes mediante consulta popular. Hugo Chávez e Evo Morales se submeteram ao referido mecanismo popular de controle e sanção política.


Eleição popular de Magistrados do Órgão Judicial. No caso da Bolívia, os magistrados da Corte Suprema de Justiça e do Tribunal Constitucional Plurinacional são eleitos por voto popular. Sim, ainda que você não acredite, e ainda que a doutrina constitucionalista tradicional se incomode. Bolívia é o único país onde a cidadania elege, por voto popular, a seus máximos administradores de justiça, e se garanta o caráter plurinacional em sua conformação.
Desta maneira, se tenta evitar a manipulação política que os partidos políticos regularmente exercem em função de Governo sobre a administração de justiça, colocando [nomeando] em postos chaves os seus “afilhados”.
No imaginário coletivo latino-americano, governantes e deputados são os principais “ladrões” dos povos, porém, nos fatos, quase nenhum ex-governante ou deputado/a é julgado ou encarcerado por seus atos. A explicação é mais que evidente.

Iniciativa legislativa cidadã. No caso de Venezuela, Equador e Bolívia, a cidadania, com o respaldo de uma média de 10 por cento de assinaturas, na circunscrição eleitoral, pode propor ao Congresso ou a Assembleia Nacional um anteprojeto de Lei de interesse popular. E as deputadas e os deputados estão obrigados a conhecer e debater a referida proposta.
Tradicionalmente, nas democracias representativas, deputados, presidentes, ministros e magistrados judiciais monopolizavam o direito de propor anteprojetos de Lei. E, assim, quase nunca a vontade popular se convertia em Lei.

Referendo e plebiscitos para controlar e sancionar aos governantes. Em países como Venezuela, Bolívia e Equador o recurso à consulta popular, seja para aprovar ou desaprovar leis, é uma prática que faz parte da cultura política em processo de construção.
O plebiscito [outro mecanismo de participação/consulta popular direta] é exercido para remover ou ratificar a governantes e representantes eleitor por voto popular.
No caso boliviano, o referendo, por exemplo, serviu para a nacionalização das reservas hidrocarbônicas do país e, graças à referida vontade popular, a Bolívia se converteu num fenômeno socioeconômico continental nos últimos anos.

Assembleia Constituinte Popular. O constitucionalismo tradicional estabelecia que as mudanças ou reformas às constituições se realizavam única e exclusivamente mediante os representantes [deputados], respeitando os artigos pétreos [imodificáveis] constitucionais.
Em países como Guatemala ou Honduras ainda se fala de deputados constituintes e artigos pétreos.
O novo constitucionalismo sul-americano estabelece que as mudanças ou reformas às constituições políticas se realizam mediante processos constituintes populares. Já não existem artigos pétreos, nem deputados constituintes, mas sim povos constituintes. Este é o caso de Bolívia, Equador e Venezuela.

Partidos políticos perdem o monopólio da representação política.
A aposta pela democracia participativa, em alguns dos países mencionados, significou a legalização de outros canais de representação política, além de partidos políticos. No caso da Bolívia, as agrupações cidadãs e povos indígenas disputaram o monopólio de representação política com os partidos políticos.
Estas novas organizações políticas cidadãs, com novos métodos organizativos [mais horizontais] e novos discursos programáticos, impulsaram os processos de refundação dos estados, e administram, agora, aos novos estados idealizados nos processos de assembleias constituintes populares. Os partidos políticos neoliberais de direita e esquerda, se não morreram, ainda não saem de seu assombro daquelas inéditas sublevações políticas cidadãs.

Orçamentos participativos e redistribuição da riqueza. Os reconhecidos e evidentes avanços econômicos e sociais nestes países se deve, antes de tudo, à inédita participação cidadã em assuntos econômicos. O exercício dos orçamentos participativos em Brasil, Bolívia, Equador, Venezuela etc. fez com que o investimento e as políticas sociais crescessem e se distribuíssem nos bolsões sociais mais deprimidos.

Sem democracia participativa, nem a democratização da economia, milhões de brasileiros, equatorianos, bolivianos continuariam sobrevivendo na miséria.



Estes e outros mecanismos de participação democrática direta evitaram que vários países, sob a égide neoliberal, ingressassem na constelação da violenta desintegração social e política como sociedades e estados. A constitucionalização e a implementação destes mecanismos de participação evitou que Bolívia ou Equador fossem, neste momento, países desesperados, convulsivos e violentos, como o são Guatemala, Honduras ou México.
Urge superar os limites teóricos impostos [como cerco doutrinário] pelos agentes da democracia representativa excludente e transitar para a democratização da política e da economia. Necessitamos incorporar nas constituições políticas dos estados os diferentes mecanismos de participação e decisão popular direta. Ao mesmo tempo, idealizar novas instituições e políticas públicas que possibilitem a construção de novos sujeitos sociopolíticos e estados plurais de acordo com as democracias participativas.




Tradução de Joaquim Lisboa Neto