Paz: De Guatemala a Colômbia ¿Se repetirá a historia?
Por
Horacio Duque Giraldo
O
processo de paz que atualmente se promove na Mesa de Diálogos de
Havana deve examinar os pactos de paz da Guatemala de 1996 que, nos
dias de hoje, são um completo fracasso. Oxalá não se repita a
história em nosso caso. A fórmula é ampliar a participação do
povo nos diálogos e acordos que se construam.
Sempre
é aconselhável examinar outras experiências, especialmente
internacionais, quando se pretende superar um problema tão complexo
e arraigado como o da guerra civil que envolve a toda uma sociedade
como a nossa.
O
rumo que possam tomar as negociações de paz de Havana nos meses
seguintes, os resultados dos acordos, os avanços na construção da
paz, o papel das massas na tomada de decisões e a implementação
dos consensos são pontos que podem bem ser considerados à luz da
péssima experiência da Guatemala. Não se deveria repetir os erros
dali; há que blindar cada pacto e estabelecer com clareza as
obrigações do Estado.
Nesse
sentido, a paz deve ser assumida como processo mais que como agenda e
documento; como desafio social mais que institucional; como
mobilização massiva; como cultura de transformação e não como
razão pragmática; como construção conjunta, coletiva, plural,
permanente e entusiasta, em vez da atual tragédia do desencanto,
síntese do que não foi.
Guatemala
assiste hoje a uma grande manifestação popular e social contra a
corrupção. Presidente e Vice-Presidenta estão no cárcere como
consequência de seus atos criminais. Porém, muitos apresentam a
necessidade de superar os limites desta mobilização para colocar-se
num plano de ações mais profundas que rompam as estruturas
oligárquicas subjacentes do sistema. Há
que ir por mais!,
é a palavra de ordem popular nestes momentos de grandes ações de
massas.
Em
Guatemala, historicamente, a maioria da população vive muito mal.
54% estão abaixo da linha de pobreza. A isso se lhe soma um conjunto
de problemas igualmente complexos que fazem da vida cotidiana quase
um calvário: racismo, machismo, corrupção, violência desenfreada
e impunidade.
Guatemala
viveu um conflito armado interno, no qual se manifestaram atos de
crueldade, desprezo à vida e à dignidade da população, através
de métodos cuja degradação causam horror.
Porém,
em Guatemala, terminou uma guerra interna de 36 anos e nada mudou,
pelo contrário, piorou. Os problemas caracterizados continuam
intactos. O retorno desta precária democracia já faz quase 30 anos,
depois de ter despertado algumas esperanças, se mostra hoje em dia
como outro fiasco mais. Se sucedem as eleições a cada quatro anos,
e tudo continua igual. Ou pior!, como diz Marcelo Colussi, em várias
de suas brilhantes análises sobre a nação centro-americana.
As
esperanças que se poderia ter alguns anos atrás, terminada a longa
guerra com a Firma dos Acordos de Paz em 1996, já se diluíram.
Hoje, a situação geral do país é uma panela de pressão pronta
para explodir a qualquer momento. Sucede, no entanto, que não há
direção para tanto mal-estar. As forças da esquerda estão
dizimadas, fragmentadas e o protesto popular é basicamente reativo
[as mobilizações contra as indústrias mineiras e energéticas no
fundamental], insiste Colussi.
No
caso da Guatemala, os acordos de paz de 28 de dezembro de 1996
terminaram sendo um fiasco porque o grosso da sociedade se
marginalizou da tomada de decisões. Nessa nação, as reformas
pactuadas no acordo de paz foram negadas num referendo que se fez
três anos depois que este fora firmado.
Que
se votou nesse referendo?
Basicamente,
eram três componentes substanciais: o primeiro, independência
judicial e reforma no setor justiça; segundo, os direitos dos povos
indígenas, que é o tema que menos se tem cumprido no país; e
terceiro, a questão da carga tributária, que na América Latina é
a mais baixa.
Vejamos
o processo guatemalteco em seu desenvolvimento.
O
enfrentamento armado em Guatemala começou na década dos sessenta e
se pode considerar como principal causa, entre outras, o bloqueio dos
espaços políticos e de participação provocado pelos governos
anticomunistas, depois de ter derrocado, com o apoio dos Estados
Unidos, ao segundo governo da revolução, presidido por Jacob Arbenz
Guzmán. O movimento guerrilheiro teve entre seus principais
fundadores ex-oficiais do Exército da Guatemala, os quais haviam
participado num frustrado levantamento contra o governo do General
Miguel Ydígoras Fuentes.
O
processo de negociação da paz iniciou em 1987 e concluiu a 29 de
dezembro de 1996, com a firma do Acordo de paz firme e duradoura, o
qual sintetiza os acordos firmados pelo Governo e a URNG para pôr
fim ao Conflito Armado Interno.
O
ponto de partida para a busca da paz foi a subscrição do Acordo de
Esquipulas II, em 7 de agosto de 1987, pelos presidentes de
Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica, para
definir o procedimento que permitiria estabelecer a paz firme e
duradoura em Centro-América, com base na Declaração de Esquipulas
e na Ata de Contadora para a paz e a cooperação na América
Central.
O
temário geral e o procedimento a partir dos quais se levou a cabo a
negociação dos Acordos de Paz foram definidos no Acordo de México,
subscrito a 26 de abril de 1991.
Os
presidentes da Guatemala que participaram na negociação dos Acordos
de Paz, que contemplam 300 compromissos específicos, são Vinicio
Cerezo Arévalo, quem governou de 1986 a 1991, Jorge Serrano Elías,
de 1991 a 1993, Ramiro de León Carpio, de 1993 a 1996, e Álvaro
Arzú Irigoyen, de 1996 a 2000.
Depois
de 36 anos de conflito, finalmente, em 29 de dezembro de 1996, se
levou a cabo em Guatemala a assinatura da paz firme e duradoura entre
a Unidade Nacional Revolucionária Guatemalteca [URNG] e o Estado de
Guatemala, acontecimento que pôs fim ao conflito.
O
Acordo de Paz Firme e Duradoura, firmado a 29 de dezembro de 1996,
introduz as bases necessárias para um desenvolvimento em paz a
augurar um futuro moderno para o país.
O
acordo contém 17 pontos, antes de tudo, declarações de vontade
política. A adesão aos princípios orientados a garantir e proteger
a plena observância e o respeito dos direitos humanos, o compromisso
de investigar as violações dos direitos humanos ocorridos no marco
do enfrentamento interno para contribuir a fortalecer o processo de
conciliação nacional e a democratização no país, o
reconhecimento da identidade e direitos dos povos indígenas como
base para a construção de uma nação multiétnica, pluricultural e
multilíngue. Forma parte do catálogo de objetivos políticos a
necessidade de um desenvolvimento socioeconômico participativo
orientado para o bem comum. Alcançar uma situação social mais
justa se relaciona com a necessidade de um sistema fiscal mais
equitativo e eficiente. Erradicar a pobreza e o desemprego, melhorar
a saúde, a educação e capacitação e a seguridade social são
consideradas tarefas prioritárias do desenvolvimento. Outro aspecto
apresentado é a reforma do Estado e do Exército.
Os
consensos alcançados se formalizaram nos seguintes acordos:
- Acordo marco sobre democratização para a busca da paz por meios políticos [Acordo de Querétaro]. Querétaro [México], 25 de julho de 1991.
- Acordo global sobre direitos humanos. México, D.F. [México], 29 de março de 1994.
- Acordo para o reassentamento das populações desarraigadas pelo enfrentamento armado. Oslo [Noruega], 17 de junho de 1994.
- Acordo sobre o estabelecimento da Comissão para o esclarecimento histórico das violações aos direitos humanos e os fatos de violência que causaram sofrimentos à população guatemalteca. Oslo [Noruega], 23 de junho de 1994.
- Acordo sobre identidade e direitos dos povos indígenas. México, D.F. [México], 6 de maio de 1995.
- Acordo sobre aspectos socioeconômicos e situação agrária. México, D.F. [México], 6 de maio de 1996.
- Acordo sobre fortalecimento do poder civil e função do Exército numa sociedade democrática. México, D.F. [México], 19 de setembro de 1996.
- Acordo sobre o definitivo cessar-fogo. Oslo [Noruega], 4 de dezembro de 1996.
- Acordo sobre reformas constitucionais e regime eleitoral. Estocolmo [Suécia], 7 de dezembro de 1996.
- Acordo sobre bases para a incorporação da Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca à legalidade. Madri [Espanha], 12 de dezembro de 1996.
- Acordo sobre o cronograma para a implementação, cumprimento e verificação dos acordos de paz. Guatemala [Guatemala], 29 de dezembro de 1996.
- Acordo de paz firme e duradoura. Guatemala [Guatemala], 29 de dezembro de 1996.
Nada
disso se materializou. O Exército continua sendo um foco de
violência e corrupção no Estado e na sociedade. Todos os oficiais
comprometidos em massacres e atos de violência contra as comunidades
indígenas continuam na impunidade e convertidos em agentes políticos
protagônicos de primeira ordem.
Se
repetirá a história em Colômbia?
Tomara
que não.
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