"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Paz: De Guatemala a Colômbia ¿Se repetirá a historia?



Por Horacio Duque Giraldo
O processo de paz que atualmente se promove na Mesa de Diálogos de Havana deve examinar os pactos de paz da Guatemala de 1996 que, nos dias de hoje, são um completo fracasso. Oxalá não se repita a história em nosso caso. A fórmula é ampliar a participação do povo nos diálogos e acordos que se construam.
Sempre é aconselhável examinar outras experiências, especialmente internacionais, quando se pretende superar um problema tão complexo e arraigado como o da guerra civil que envolve a toda uma sociedade como a nossa.
O rumo que possam tomar as negociações de paz de Havana nos meses seguintes, os resultados dos acordos, os avanços na construção da paz, o papel das massas na tomada de decisões e a implementação dos consensos são pontos que podem bem ser considerados à luz da péssima experiência da Guatemala. Não se deveria repetir os erros dali; há que blindar cada pacto e estabelecer com clareza as obrigações do Estado.
Nesse sentido, a paz deve ser assumida como processo mais que como agenda e documento; como desafio social mais que institucional; como mobilização massiva; como cultura de transformação e não como razão pragmática; como construção conjunta, coletiva, plural, permanente e entusiasta, em vez da atual tragédia do desencanto, síntese do que não foi.
Guatemala assiste hoje a uma grande manifestação popular e social contra a corrupção. Presidente e Vice-Presidenta estão no cárcere como consequência de seus atos criminais. Porém, muitos apresentam a necessidade de superar os limites desta mobilização para colocar-se num plano de ações mais profundas que rompam as estruturas oligárquicas subjacentes do sistema. Há que ir por mais!, é a palavra de ordem popular nestes momentos de grandes ações de massas.
Em Guatemala, historicamente, a maioria da população vive muito mal. 54% estão abaixo da linha de pobreza. A isso se lhe soma um conjunto de problemas igualmente complexos que fazem da vida cotidiana quase um calvário: racismo, machismo, corrupção, violência desenfreada e impunidade.
Guatemala viveu um conflito armado interno, no qual se manifestaram atos de crueldade, desprezo à vida e à dignidade da população, através de métodos cuja degradação causam horror.
Porém, em Guatemala, terminou uma guerra interna de 36 anos e nada mudou, pelo contrário, piorou. Os problemas caracterizados continuam intactos. O retorno desta precária democracia já faz quase 30 anos, depois de ter despertado algumas esperanças, se mostra hoje em dia como outro fiasco mais. Se sucedem as eleições a cada quatro anos, e tudo continua igual. Ou pior!, como diz Marcelo Colussi, em várias de suas brilhantes análises sobre a nação centro-americana.
As esperanças que se poderia ter alguns anos atrás, terminada a longa guerra com a Firma dos Acordos de Paz em 1996, já se diluíram. Hoje, a situação geral do país é uma panela de pressão pronta para explodir a qualquer momento. Sucede, no entanto, que não há direção para tanto mal-estar. As forças da esquerda estão dizimadas, fragmentadas e o protesto popular é basicamente reativo [as mobilizações contra as indústrias mineiras e energéticas no fundamental], insiste Colussi.
No caso da Guatemala, os acordos de paz de 28 de dezembro de 1996 terminaram sendo um fiasco porque o grosso da sociedade se marginalizou da tomada de decisões. Nessa nação, as reformas pactuadas no acordo de paz foram negadas num referendo que se fez três anos depois que este fora firmado.
Que se votou nesse referendo?
Basicamente, eram três componentes substanciais: o primeiro, independência judicial e reforma no setor justiça; segundo, os direitos dos povos indígenas, que é o tema que menos se tem cumprido no país; e terceiro, a questão da carga tributária, que na América Latina é a mais baixa.
Vejamos o processo guatemalteco em seu desenvolvimento.
O enfrentamento armado em Guatemala começou na década dos sessenta e se pode considerar como principal causa, entre outras, o bloqueio dos espaços políticos e de participação provocado pelos governos anticomunistas, depois de ter derrocado, com o apoio dos Estados Unidos, ao segundo governo da revolução, presidido por Jacob Arbenz Guzmán. O movimento guerrilheiro teve entre seus principais fundadores ex-oficiais do Exército da Guatemala, os quais haviam participado num frustrado levantamento contra o governo do General Miguel Ydígoras Fuentes.
O processo de negociação da paz iniciou em 1987 e concluiu a 29 de dezembro de 1996, com a firma do Acordo de paz firme e duradoura, o qual sintetiza os acordos firmados pelo Governo e a URNG para pôr fim ao Conflito Armado Interno.
O ponto de partida para a busca da paz foi a subscrição do Acordo de Esquipulas II, em 7 de agosto de 1987, pelos presidentes de Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica, para definir o procedimento que permitiria estabelecer a paz firme e duradoura em Centro-América, com base na Declaração de Esquipulas e na Ata de Contadora para a paz e a cooperação na América Central.
O temário geral e o procedimento a partir dos quais se levou a cabo a negociação dos Acordos de Paz foram definidos no Acordo de México, subscrito a 26 de abril de 1991.
Os presidentes da Guatemala que participaram na negociação dos Acordos de Paz, que contemplam 300 compromissos específicos, são Vinicio Cerezo Arévalo, quem governou de 1986 a 1991, Jorge Serrano Elías, de 1991 a 1993, Ramiro de León Carpio, de 1993 a 1996, e Álvaro Arzú Irigoyen, de 1996 a 2000.
Depois de 36 anos de conflito, finalmente, em 29 de dezembro de 1996, se levou a cabo em Guatemala a assinatura da paz firme e duradoura entre a Unidade Nacional Revolucionária Guatemalteca [URNG] e o Estado de Guatemala, acontecimento que pôs fim ao conflito.
O Acordo de Paz Firme e Duradoura, firmado a 29 de dezembro de 1996, introduz as bases necessárias para um desenvolvimento em paz a augurar um futuro moderno para o país.
O acordo contém 17 pontos, antes de tudo, declarações de vontade política. A adesão aos princípios orientados a garantir e proteger a plena observância e o respeito dos direitos humanos, o compromisso de investigar as violações dos direitos humanos ocorridos no marco do enfrentamento interno para contribuir a fortalecer o processo de conciliação nacional e a democratização no país, o reconhecimento da identidade e direitos dos povos indígenas como base para a construção de uma nação multiétnica, pluricultural e multilíngue. Forma parte do catálogo de objetivos políticos a necessidade de um desenvolvimento socioeconômico participativo orientado para o bem comum. Alcançar uma situação social mais justa se relaciona com a necessidade de um sistema fiscal mais equitativo e eficiente. Erradicar a pobreza e o desemprego, melhorar a saúde, a educação e capacitação e a seguridade social são consideradas tarefas prioritárias do desenvolvimento. Outro aspecto apresentado é a reforma do Estado e do Exército.
Os consensos alcançados se formalizaram nos seguintes acordos:
  1. Acordo marco sobre democratização para a busca da paz por meios políticos [Acordo de Querétaro]. Querétaro [México], 25 de julho de 1991.


  1. Acordo global sobre direitos humanos. México, D.F. [México], 29 de março de 1994.


  1. Acordo para o reassentamento das populações desarraigadas pelo enfrentamento armado. Oslo [Noruega], 17 de junho de 1994.


  1. Acordo sobre o estabelecimento da Comissão para o esclarecimento histórico das violações aos direitos humanos e os fatos de violência que causaram sofrimentos à população guatemalteca. Oslo [Noruega], 23 de junho de 1994.


  1. Acordo sobre identidade e direitos dos povos indígenas. México, D.F. [México], 6 de maio de 1995.


  1. Acordo sobre aspectos socioeconômicos e situação agrária. México, D.F. [México], 6 de maio de 1996.


  1. Acordo sobre fortalecimento do poder civil e função do Exército numa sociedade democrática. México, D.F. [México], 19 de setembro de 1996.


  1. Acordo sobre o definitivo cessar-fogo. Oslo [Noruega], 4 de dezembro de 1996.


  1. Acordo sobre reformas constitucionais e regime eleitoral. Estocolmo [Suécia], 7 de dezembro de 1996.


  1. Acordo sobre bases para a incorporação da Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca à legalidade. Madri [Espanha], 12 de dezembro de 1996.


  1. Acordo sobre o cronograma para a implementação, cumprimento e verificação dos acordos de paz. Guatemala [Guatemala], 29 de dezembro de 1996.


  1. Acordo de paz firme e duradoura. Guatemala [Guatemala], 29 de dezembro de 1996.


Nada disso se materializou. O Exército continua sendo um foco de violência e corrupção no Estado e na sociedade. Todos os oficiais comprometidos em massacres e atos de violência contra as comunidades indígenas continuam na impunidade e convertidos em agentes políticos protagônicos de primeira ordem.
Se repetirá a história em Colômbia?
Tomara que não.


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