Crise da fronteira ou crise social colombiana?
Por Javier Calderón Castillo/
Resumen Latinoamericano/ Marcha Patriótica
O fechamento da fronteira
colombo-venezuelana no caminho da Ponte Internacional Simón Bolívar, assim como
a promulgação do estado de exceção em 5 municípios do Estado de Tachira, na
Venezuela, está sendo mostrada pela imprensa hegemônica como um ataque à
Colômbia e aos colombianos. Para além das matrizes midiáticas, a medida tomada
pelo presidente Maduro desnudou um problema profundo gerado por dois modelos
diferentes de projeto político-econômico: o colombiano, profundamente
neoliberal, repressivo e contrainsurgente, que tem o paramilitarismo como sua
estratégia; e o venezuelano, um projeto pós-neoliberal, distribuidor da riqueza
e que tem como fundamento a aliança povo-forças armadas.
Para entender o que está acontecendo, é preciso
recordar que em 1999, nos preparativos do Plano Colômbia, foram mobilizados
mais de 5 mil paramilitares sob o comando do temível Mancuso, perpetrando
massacres, ameaças e tomando o controle sobre a política departamental. Mataram
ou deslocaram o movimento social e popular, a segurança privada assumiu os movimentos
de bairro, monopolizando a economia fronteiriça e a política local, tudo com o
apoio das forças armadas estatais e dos planos de guerra estabelecidos nos
manuais contrainsurgentes e antipopulares ditados pelos Estados Unidos.
Nenhum governo colombiano gerou políticas sociais
para os habitantes da fronteira, a pobreza é a regra nos departamentos (províncias)
do Norte de Santander, Guajira, Arauca, Vichada. Não chegaram políticas de
geração de emprego digno, de melhoria da saúde, de ampliação da cobertura e
qualidade da educação, nem muito menos se ampliou a democracia. Pelo contrário,
a política central e local permitiu o domínio dos credores, usurários,
traficantes de seres humanos, narcotraficantes, contrabandistas, entre outros. Uma
política de fronteira que obriga os colombianos dessas regiões a exigir de
Miraflores o que não é exigido da Casa de Nariño.
Tudo isso gerou um impacto negativo na economia
venezuelana e ocultou a ausência de políticas sociais redistributivas na fronteira.
Uma dinâmica criminosa liderada pelo narco-paramilitarismo colombiano, que gerou
uma cadeia de corrupção com lucros exorbitantes. Segundo o presidente da
Federação de Produtores Avícolas (FENAVI), da Colômbia, por mês ingressa do
país vizinho em torno de 1500 toneladas de frango de contrabando (Sandoval:
2015). Em 2006, entraram no país ilegalmente cerca de 672.000 galões de
gasolina provenientes da Venezuela (Revista Semana, 2006), o que
permite dimensionar o negócio que possui uma cadeia de valor e corrupção que
chega até os postos de gasolina na Colômbia (Egea: 2013, pág. 97)[1].
Porém, a ação narco-paramilitar não é apenas econômica.
Com a chamada parapolítica na Colômbia, ficou clara a estreita relação de
políticos de direita colombianos com o poder narco que ostentam os
paramilitares. Trata-se de uma estratégia de poder territorial que se estendeu para
todos os departamentos de fronteira e que se irradia para a Venezuela na forma
de ingerência estrangeira na política venezuelana (El Tiempo; infografía: 2009).
É coincidência que dos 335 municípios
existentes na Venezuela a oposição governe 68 e que destes, 68,32% estejam na
fronteira com a Colômbia? Os fatos nos indicam que não é coincidência, que
corresponde a uma política apoiada pela direita colombiana e, em especial, pelo
extremista Álvaro Uribe Vélez.
O fechamento da fronteira decretado pelo governo
venezuelano é uma medida que obriga discutir a política social e econômica do
Estado colombiano, não as políticas venezuelanas. Da Colômbia, o governo e a
imprensa hegemônica exigem que os vizinhos respeitem os direitos humanos dos
migrantes, quando o governo colombiano viola sistematicamente o de sua própria
população. Exigem que a Venezuela não feche a fronteira porque ali os
colombianos recebem saúde, educação e sobrevivem dos negócios gerados pelo
contrabando da gasolina, com a comida subsidiada do MERCAL e PDVAL, entre outras
coisas. O governo colombiano e os meios hegemônicos exigem que a Venezuela
outorgue direitos à população colombiana, já que o governo neogranadino não
outorga aos cucuteños nem a nenhum outro colombiano.
O presidente Santos faz uso do negacionismo quando
minimiza o êxodo de colombiano/as para a Venezuela. No país vizinho existem
mais de 300 mil refugiados ou solicitantes de refúgio deslocados pelo
paramilitarismo, e mais de 3,5 milhões de migrantes ou exilados pela crise
social e econômica colombiana. Muitos colombianos receberam casa própria pela
missão de habitação Venezuela, receberam estudo superior pela missão Miranda. Todos
querem a cidadania venezuelana para que chegue algo de bem-estar que nunca
chegou de Bogotá.
Santos e a direita colombiana negam cinicamente a
existência do paramilitarismo, porém continua sendo uma política de Estado apoiada
por empresários e latifundiários, que pretendem permanecer no poder a sangue e
fogo, como demonstram os fatos. Estes paramilitares representam os setores do
poder que não querem a paz com justiça social, que pretendem continuar
incendiando as fronteiras para promover uma crise na Venezuela, colocando em
xeque a região e, com isso, os próprios diálogos de paz, nos quais o país
vizinho atua como facilitador e desempenha um papel central como acompanhante
do sonho da solução política ao conflito que mobiliza o povo colombiano.
O Estado colombiano deve se encarregar do subsídio da
gasolina na fronteira, da assistência médica íntegra e gratuita da população, das
políticas de emprego digno e bem remunerado, que subsidie os alimentos, que
gere planos de habitação social, que amplie a oferta educativa estatal em todos
seus níveis. Que o Estado nacional se encarregue dos direitos dos habitantes da
fronteira com a Venezuela, o que é uma tarefa do movimento político e social
colombiano que está emergindo como alternativa. É preciso um governo que gere
tantos direitos sociais na Colômbia, que viajar para a Venezuela ou para
qualquer outro país, seja uma opção de turismo ou de mobilidade e não a única
opção para viver dignamente. Isso só será possível quando se derrotar o
neoliberalismo.
O governo venezuelano deveria incluir o movimento
popular e social colombiano na busca de soluções ao que se denominou crise
fronteiriça, gerar uma ponte real com os projetos americanistas na Colômbia que
trabalham na busca de uma sociedade pós-neoliberal. O povo venezuelano e
colombiano são irmãos e não podem permitir que surjam distâncias entre duas
nações que são as duas asas do mesmo ideário bolivariano. A diplomacia dos
povos pode se converter na alternativa para lutar conjuntamente contra o
paramilitarismo e o neoliberalismo, dos quais padecem os colombianos e que se
pretende impor na Venezuela.
A crise que existe, então, é a pobreza generalizada
na Colômbia, produto do modelo neoliberal e da repressão sistemática. A crise é
entre dois modelos antagônicos que estão em disputa em Nossa América.
Por Javier
Calderón Castillo
Marcha
Patriótica Internacional