A espada de Bolívar... Venezuela reconhece a insurgência colombiana
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USA / Paul Wolf
“Agora, vão golpear Amalek e destruam violenta e completamente tudo o que tenham, e não os perdoem, matem a ambos, ao homem, a mulher e a criança, as criações de bois, ovelhas, camelos e asnos”. (Jeová, mandamento a Samuel na Bíblia, I Samuel 15.3)
Na semana passada, o presidente da Venezuela Hugo Chávez tomou de surpresa ao mundo quando pediu ao governo colombiano deixar de chamar as FARC e ao ELN terroristas. Também, Chávez apelou à comunidade internacional para que reconhecesse formalmente o status de força beligerante a estes dois grupos de insurgentes. Seguidamente, veio uma resolução da Assembléia Nacional de Venezuela respaldando a petição do presidente Chávez. Isto veio a ser quase um reconhecimento legal das FARC e do ELN pelo governo venezuelano. Isto não foi algo tão emocionante como a recente liberação dos retidos pelas FARC, porém, seguramente, foi algo mais significativo.
O governo colombiano reagiu à declaração venezuelana apavorado e com muito nervosismo. Reforços foram pedidos aos Estados Unidos (EE.UU), o Almirante Michael Mullin, Chefe do Estado-Maior Conjunto, quem voou a Bogotá para publicamente declarar que, supostamente, as guerrilhas colombianas são terroristas. Então, no dia de ontem o presidente Álvaro Uribe Vélez voou para a Europa para o lançamento de uma “ofensiva diplomática”, pois está temeroso de que a União Européia possa considerar remover as guerrilhas de sua lista oficial de terroristas. Ainda mais, as implicações vão mais além de pôr etiquetas e sobrenomes.
Primeiro que tudo, o reconhecimento das FARC e do ELN como força beligerante proveria a Venezuela com uma base legal que pode ser utilizada para intervir no conflito colombiano, já bem seja armando as guerrilhas ou intervir mais diretamente. No entanto, não há nenhuma indicação que a Venezuela queira tratar de fazer isso, porém, o reconhecimento legal é um passo nessa direção. No entanto, o governo venezuelano pode tratar ao governo e à insurgência da mesma maneira. Realmente, isto é ameaçador para o governo colombiano.
Uma nota mais positiva do reconhecimento do status de força beligerante é que traz consigo a responsabilidade de que as guerrilhas deverão atuar de acordo com as Convenções de Genebra, que, entre outras coisas, proíbe o seqüestro, o assassinato de civis e o uso indiscriminado de armas. Abrindo estas portas às FARC poderiam, pela primeira vez em 50 anos, oferecer-lhes um incentivo ao grupo que melhore suas posições. Para o ELN, que está dizimado pela morte de milhares de seus membros nas últimas décadas, lhes ofereceria a possibilidade de uma saída à situação assinalada, o ELN está em negociações com o governo colombiano, as quais se levam a cabo com a mediação de Cuba. Estas negociações vão lentas e o ELN não se desmobilizou. Porém, isto poderia mudar.
Enquanto isso, os políticos colombianos estão ocupados esfregando-se as mãos sobre o que eles antecipam será o debate disto na Europa, e alguns políticos conservadores estão alertando de que a Venezuela poderia intervir militarmente no conflito colombiano. Isto está muito longe de que se produza e que o presidente Chávez o tente. Creio que deveria considerar-se que é provavelmente a melhor maneira de trazer a insurgência sob controle. A implacável campanha dos meios de comunicação na Colômbia, cujo objetivo é sempre denunciar as guerrilhas como terroristas, poderia estimular as tropas, porém tem um efeito igual e oposto nas guerrilhas. O uso repetitivo desta palavra, terrorista, está calculado a inflamar o conflito e não a resolvê-lo. Por isso, não teria nenhuma significação dialogar acerca de negociações quando uma das partes não baixa o tom de sua retórica.
Pois, como o reconhecimento do status de força beligerante pode ajudar a trazer a paz? Primeiro que tudo, não haveria nenhuma desculpa para não comprometer-se a dialogar com as guerrilhas. O governo colombiano seria forçado a negociar e essa é a única maneira para que o conflito pudesse terminar para sempre. As guerrilhas teriam incentivos para não comprometer-se em condutas que o governo rapidamente poderia assinalar. Estas são duas boas razões para apoiar a posição do presidente Chávez.
É muito útil lançar uma mirada às leis que se aplicam, neste caso, para entender que é o que está em jogo e para que direção se dirigem as coisas na Colômbia. Vamos desviar-nos pelo momento e considerar como a palavra terrorista é utilizada para igualar os inimigos com a gente responsável de explodir o edifício das Torres Gêmeas de Nova Iorque (World Trade Center). Essa é a comparação que fazem as pessoas quando usam a palavra terrorista.
Sempre a guerra tem sido um negócio espantoso. A guerra é a máxima expressão da capacidade de barbarismo do ser humano. Os esforços feitos para pôr freio aos piores horrores que alcançaram seu auge na Segunda Guerra Mundial, na forma de tratados multilaterais que puseram claramente que a humanidade não toleraria mais a tortura, o genocídio e o bombardeio indiscriminado em grande escala sobre as cidades. Acreditou-se que as guerras do futuro seriam conduzidas pelo humanitarismo. Desgraçadamente, as táticas de guerra não se converteram em nada menos, senão em algo mais brutal.
As guerras não são hoje como era a regra geral através das fronteiras nacionais dos oponentes. Elas se travam nas casas, ruas, universidades e lugares públicos de reunião através de subversão, infiltração e guerra de guerrilhas. Os combatentes de hoje incluem civis, guerrilhas, forças de operações especiais, esquadrões da morte de paramilitares.
Estes fatos são desafortunados, porém são fatos inegáveis. De todos os modos há revoluções genuínas, ou guerras lançadas pelo poder de alguém para alcançar uma dominação global, os combatentes modernos de hoje podem facilmente ser descritos como terroristas.
Tradicionalmente, as leis das guerras são tão cavalheirescas como impraticáveis para os modernos guerreiros de hoje. Para os revolucionários é a falta de capacidade para a guerra regular ou de facilidades para tomar o cuidado dos prisioneiros, como queira que seja o governo, sempre está escasso do apoio da população necessário para separar aos quadros da insurgência da população civil. A realidade é que ambas as partes se envolvem em terrorismo para desestimular a população civil de apoiar a um bando ou vice-versa ao outro. Os governos não respondem à insurgência de acordo com os cânones legais e de procedimento, porém com base em prudentes cálculos, apesar de que os fatos seus cidadãos valorizam evitar o sofrimento gratuito e a destruição. De igual maneira, a insurgência promete a construção de uma sociedade melhor enquanto justifica métodos brutais da guerra de guerrilhas com base a que eles não têm outra alternativa para ganhar. Ambas as partes vêem as leis da guerra como algo sentimental e ingênuo quando se deve aplicar a seu lado.
Os direitos humanos encontram seu uso na justificativa moral da propaganda da guerra e na denúncia de suas atrocidades cometidas pelo inimigo. Supostamente, é muito raro os defensores dos direitos humanos criticarem seus próprios erros. Ainda, esta foi a nobre intenção dos fundadores da Liga de Nações e das Nações Unidas, as quais acreditaram em criar um mundo mais humano.
Pois, como deveriam os grupos insurgentes como as FARC, ELN, Hezbollah, Hamas e a Frente Popular para a Libertação da Palestina (PLFP) ser tratados pela comunidade internacional? Deveríamos fazer uma lista dos grupos que usam métodos irregulares – uma lista que possa incluir praticamente a cada insurgência do mundo – e chamá-los? Isto pareceria algo violento e não realístico tratar de impor ordem no mundo pondo etiquetas e considerando-os inimigos da humanidade. Então, Simón Bolívar e George Washington, pelos modelos de hoje, seriam candidatos à lista de terroristas. Como as leis do direito internacional vão tratar a estes grupos insurgentes?
Tradicionalmente, o status legal dos grupos insurgentes dependia do grau de seu êxito. Quando um grupo insurgente era capaz de manter e sustentar uma campanha e controlar uma porção substancial do território nacional, o governo contrário podia acordar o status por terceiros estados, que poderia, daí em diante, estar obrigando-os a tomar em conta a condição da guerra em suas relações com o estado. Em caso de que as hostilidades persistam, lhes era permissível e, talvez, ainda obrigatório reconhecer a condição de beligerância, provendo que as forças insurgentes estivessem atuando sob uma autoridade responsável observando as regras de guerra, e se ali havia alguma necessidade de terceiros para definir suas atitudes com respeito ao conflito. Para que isto possa ocorrer é necessário que os rebeldes se façam fortes em algumas áreas geográficas que o terceiro governo encontre necessário negociar com os rebeldes como também com o governo estabelecido. O reconhecimento se faz simples com uma declaração pública. Procedimentos formais de reconhecimento de terceiras partes nunca existiram, exceto em raros casos onde as partes acordem submeter suas disputas a um tribunal de arbitramento.
O exemplo clássico sobre uma beligerância é a guerra civil dos Estados Unidos. O norte, através da Corte Suprema, declarou ao Norte e ao Sul estarem num estado de beligerância com o propósito de solicitar às nações européias com respeito a bloquear os portos sulistas. No Prize Cases, o juiz supremo Grier sustentou que a insurreição em grande escala constitui uma guerra no sentido legal.
A insurreição contra um governo poderia ou não culminar numa rebelião organizada, porém a guerra civil sempre começa com uma insurreição contra a autoridade legal do governo.
Uma guerra civil nunca é declarada solenemente; começa por acidentes – o número, o poder e a organização das pessoas, os que a iniciaram e a levam a cabo. Quando a parte em rebelião ocupa e se mantém com formas hostis em certa porção do território, e declarou sua independência, e interrompeu sua aliança, tem um exército organizado, e começou hostilidades contra sua antiga soberania, o mundo tem o conhecimento deles como beligerantes, e a resposta é guerra... Por conseguinte, somos da opinião que o Presidente tem um direito de jure belli para instituir um bloqueio a portos em possessão dos estados em rebelião, os quais são neutros com respeito a suas fronteiras.
Isto foi um raro exemplo de uma nação formalmente declarando um estado de beligerância dentro de seus limites, com o propósito de obter assistência estrangeira para bloquear os rebeldes. Tais declarações são raramente feitas porque o reconhecimento beligerante também implica um formal reconhecimento de outro direito legal dos insurgentes.
Qualquer governo seria mal aconselhado para que tome conhecimento da existência dos direitos dos insurgentes. De fato, formalmente, nenhum governo tem reconhecido o status beligerante dos insurgentes dentro de seu território desde a Segunda Guerra Mundial.
No mundo de hoje, não há quase dependência de terceiros estados com respeito às tradicionais definições legais de rebelião, insurgência e beligerância. Em lugar dos governos determinarem normalmente suas relações com as facções em competição baseadas em suas próprias políticas e objetivos. Isto, amiúde, se traduz num apoio às forças da “lei e da ordem” dos estados aliados e as forças da autodeterminação nos estados rivais. No entanto, o status legal dos insurgentes deveria ser uma coisa séria que compete à corte, a qual está suposta a decidir os casos baseados em objetivos legais normais, em vez de depender de um acusado que é um membro da lista oficial de inimigos. Isto é uma regra de culpável por associação. O novo crime é prover apoio material a uma organização terrorista, isto de fato nos regressa aos dias da Inquisição. É um crime ajudar a um grupo na lista oficial dos inimigos dos Estados Unidos ou da União Européia.
Recentemente, a Corte de Copenhague descartou as acusações contra as pessoas que estavam vendendo camisetas com o logotipo das FARC e da PFLP. Os acusados haviam anunciado que 5 euros da venda de cada camiseta seriam doados às organizações acima mencionadas. A corte encontrou fatos reais de que as FARC e a PFLP não estão sob a lei dinamarquesa de organizações terroristas, porque suas ações não tentam derrocar governos e não aterrorizam civis.
Nos Estados Unidos, esta classe de designação política não é revisada pela corte, ainda que haja determinados direitos das pessoas “terroristas”. Quando o guerrilheiro das FARC Simón Trinidad foi levado a julgamento pela conspiração para tomar reféns, tomaram sua admitida participação de negociador em seu grupo para o intercâmbio de prisioneiros, a corte não revisou o status das FARC como organização terrorista, porém também sustentou que Trinidad não podia ser um prisioneiro de guerra, porque os Estados Unidos e a Colômbia não estão em guerra. Simón Trinidad é o primeiro “terrorista internacional” extraditado e julgado nos Estados Unidos sob as provisões da nova lei que trata do apoio material que dá uma pessoa a uma organização assinalada como terrorista.
O chamamento à comunidade internacional que fez o presidente Chávez terá amplas implicações para os insurgentes internacionais que são julgados como ordinários criminais em lugares como Washington, D.C. Para os colombianos normais que têm medo de ser seqüestrados ou explodidos por uma mina antipessoal ou pela irracional venda da “guerra global ao terrorismo”.
Como queira que esta seja, poderia começar a desfazer-se do imenso dano que esta mera palavra – terrorista – tem infligido ao mundo nestes anos recentes.
* Paul Wolf é advogado com prática em Direito Internacional Humanitário na cidade de Washington, DC.
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