2014 começa com vitória para o socialismo
Haroldo
Lima *
Os
socialistas e comunistas do mundo inteiro receberiam como um grato
Feliz Ano Novo a notícia de que estão indo bem as experiências
socialistas no mundo e de que, sob algum aspecto importante, o
socialismo acaba de marcar um tento sobre o capitalismo. Pois noticia
desse tipo vem de aparecer nessa primeira quinzena de 2014. Ela vem
do Oriente.
A
China – porta-estandarte das experiências socialistas em curso –
acaba de superar os Estados Unidos – porta-estandarte do
capitalismo no planeta – em uma questão crucial: na condição de
país com o maior movimento comercial da atualidade.
Já
em 2012, a balança comercial da China chegara a um empate técnico
com a dos Estados Unidos. Cada uma atingiu aproximadamente 3,8
trilhões de dólares. Mas, em 2013, a evolução de ambos os países
foi contrastante. Enquanto a sociedade americana não conseguiu
avançar em sua produção interna e em seu comércio mundo afora, a
China, na base do dinamismo extraordinário do seu socialismo de
mercado, continuou aumentando a produção e troca de seus produtos
e, finalmente, desempatou o jogo, cravando a impressionante cifra de
4,2 trilhões de dólares na soma de suas exportações e
importações. Ficou isolada em primeiro lugar no ranking dos países,
sob o critério das balanças comerciais realizadas.
Esse
fato tem um significado simbólico. É que os Estados Unidos,
representante máximo do capitalismo, detinham, de forma absoluta e
aparentemente inatingível, há mais de cem anos, o título de maior
potência comercial do mundo. Jamais um país socialista, nem
qualquer outro, chegou perto dessa marca. No século XIX, quem deteve
essa posição foi a Inglaterra.
Outras
implicações tem essa boa notícia do Ano Novo de 2014. É que ela é
a preliminar de um anúncio maior que vem por aí, o da superação
de uma página da história mundial, a da hegemonia absoluta que os
Estados Unidos exerceram no mundo sob todos os aspectos, com a maior
truculência, conquistando, ocupando e saqueando países, massacrando
física e espiritualmente povos cujos sonhos de liberdade e
independência sepultavam.
A
virada que agora começa, de forma alguma significa que o
imperialismo está batido. Ele está, meramente, abatido, perdendo
posições. Sua natureza e sua pujança não mudaram. Ser desbancado
da posição de maior potência comercial existente mostra que ele
pode ser ultrapassado, como, aliás, enfatizou, em 1956, o grande
dirigente chinês Mao Tse Tung, em famosa entrevista à jornalista
Anna Louise Strong, na qual disse que “estrategicamente o
imperialismo é um tigre de papel”, ao que o próprio Mao aduziu
que, a curto prazo, contudo, ele deve inspirar muito cuidado, pois
tem “dentes de aço”.
Ao
se examinar as condições que permitiram acontecer este evento
espetacular, há que se dar o crédito, em primeiro lugar, à
sociedade chinesa, protagonista principal do fato, e ao modo de
produção que ali se constrói, sob a direção do Partido Comunista
da China, o “socialismo com peculiaridades chinesas”.
Boa
parte dos teóricos ocidentais, em geral formada nas escolas do
capital, mostra-se perplexa e aturdida ante o fenômeno do maior país
do mundo crescer por 34 anos ininterruptos a uma média de quase 10%
ao ano, retirando da faixa de pobreza mais gente do que todo o resto
do mundo junto.
Para
explicar este processo insólito, sem dar qualquer crédito ao
socialismo, há quem faça o maior malabarismo intelectual, arrole
uma porção de dados, entrelace enorme quantidade de raciocínios e
formule várias teorias, todas falsas, porque escamoteiam o dado
básico, a informação central de que todo aquele processo
monumental é dirigido minuciosa e diretamente pelo Partido Comunista
da China, que não se cansa de dizer e repetir que está construindo
a “etapa primária do socialismo na China”, fruto de décadas de
experimentações e ajustes, a partir do que formulou, estrutura e
desenvolve o “socialismo com peculiaridades chinesas”, que é “um
socialismo de mercado”, com inúmeras formas novas e criadoras.
Boa
parte desses estudiosos, entre os quais alguns que se consideram de
esquerda, e até marxistas, passam ao largo desses temas centrais e
assim não tratam do caminho prático e atual do socialismo. Com isso
excluem-se de participar do esforço de compreensão sobre o que está
acontecendo no grande país asiático, onde uma formação social
complexa, sedimentada na propriedade social dos grandes meios de
produção, das finanças e da terra, consegue pôr em ação
gigantesca quantidade de forças produtivas, organizadas das mais
diferentes e originais formas, tudo integrado em sistema que articula
planejamento e direção centralizados dos objetivos estratégicos
com execução descentralizada dos empreendimentos imediatos, e que
estrutura a convivência de múltiplas formas de propriedade,
inclusive da propriedade privada, com a propriedade social,
predominante sobre todas as outras.
Mas,
se a emergência da China como maior potência comercial do mundo
funda-se no alto desempenho do socialismo com peculiaridades
chinesas, ela não teria se dado sem o concurso de outros países.
Destaque-se aí o papel dos emergentes.
No
caso que nos toca mais de perto, que é o da América Latina, houve
um aprofundamento comercial sem precedentes das relações com a
China. O volume do comércio entre essas duas partes cresceu quase
100% em 2011, relativamente a 2009.
Naturalmente
que nessa relação o destaque é o Brasil. E também aí houve
mudança importante, tendo a China desbancado os Estados Unidos da
condição de maior parceira comercial brasileira.
Esse
quadro amplo de mudanças que ocorre se insere numa alteração mais
geral ainda, a do deslocamento do centro de gravidades das economias
industrializadas, que sai dos países tradicionalmente desenvolvidos
para os emergentes. Por trás da chamada expansão da classe média
desses países está o crescimento dos seus mercados internos, muitas
vezes expandidos, porque no meio dos emergentes estão grandes
países.
Por
último há que se registrar preocupações existentes no Brasil e
América Latina no sentido de que o novo patamar de relações
comerciais com a China não venha significar um aprofundamento da
condição histórica de exportadora de bens primários por parte dos
latino-americanos. Aí cabem, ao Estado brasileiro e aos de outros
países dessa parte do mundo, cuidar da modernização de sua
indústria, da garantia de sua competitividade, da subordinação dos
interesses financeiros aos interesses da produção, da expansão do
mercado interno, a partir do que poderemos estar, com relação à
China e a todo o mundo, com uma pauta de exportação e importação
mais equilibrada, produzindo e exportando produtos de maior valor
agregado.
Ex-Diretor
Geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis e membro do Comitê Central do Partido Comunista do
Brasil.
Publicado
no portal Vermelho, 16 e 17 de janeiro de 2014.