Colômbia. “O grande tema é o das garantias políticas”
Em um intervalo nas negociações de
paz entre a guerrilha e o governo colombiano que se entabulam em
Cuba, um dos
10 membros mais importantes das FARC
falou sobre os avanços obtidos e as tarefas pendentes.
Emiro del Carmen Ropero
Suárez, codinome Rubén
Zamora (foto), é um homem de fala
pausada, de gestos mínimos, quase inexpressivos. Talvez seja por sua
vida na selva ou por seus anos nômades como guerrilheiro. Como ele
mesmo recorda, durante esta entrevista concedida em Havana,
quando jovem era militante comunista, mas “pressionado pelas
circunstâncias, em 1987, aos 24 anos, decidiu entrar nas FARC”.
Nesse ano o Exército legal e o paralelo desataram na Colômbia
um genocídio contra o partido de esquerda União
Patriótica. Foram assassinados dois
candidatos a presidente, 11 prefeitos, 13 deputados e mais de 5.000
militantes. “Eu era alvo do terrorismo de Estado, por isso decidi
colocar em prática meus ideais na luta guerrilheira”, destaca
Zamora que
agora, aos 51 anos, é um dos 10 homens mais importantes das FARC.
A entrevista é de Telma
Luzzani e publicada no jornal argentino
Página/12,
26-01-2014. A tradução é de André
Langer.
Eis a entrevista.
Que cargo ocupa nas FARC?
Eu faço parte do Estado Maior.
Comandante da Frente 33, em Catatumbo.
Aqui participei da Mesa de Diálogo no primeiro e no segundo ponto e
agora faço parte da equipe de assessores.
Como andam as negociações?
Há resultados importantes, mas ainda
há temas estratégicos pendentes e não sabemos até onde vai o
compromisso do governo para discuti-los.
O que ficou pendente do
primeiro ponto, o do acesso a terra?
Primeiro, discutir os tratados de
livre comércio. Há mais de 30. E a economia. A Colômbia
não está em condições de competir com a Europa,
Estados Unidos,
Coreia do Sul,
Japão...
Este tema é muito importante para os movimentos sociais que, em
agosto passado, participaram de um grande
protesto, reprimido pelo governo. O segundo tema: a
estrangeirização da posse da terra
para os projetos agroflorestais. Terceiro, a grande mineração: mais
de 50% do território nacional está nas mãos das multinacionais,
por concessão, das áreas de mineração e energia. Isto coloca em
séria ameaça a soberania alimentar e provoca deslocamentos de
comunidades nativas arraigadas nessas terras há séculos. Quarto, o
latifúndio, que abarca quase 40% do território nacional.
E do segundo ponto?
Na Colômbia,
o Estado encontra-se deslegitimado pela corrupção política, pelo
clientelismo, pela penetração do dinheiro do narcotráfico, pelos
vínculos com o paramilitarismo... Nós propomos uma reforma política
do Estado que permita a participação aberta da sociedade, que nos
dê plena garantia política, uma reforma eleitoral. Também uma
reforma da Justiça: a eleição democrática dos procuradores e dos
defensores do povo.
É possível que vocês criem
um partido político e abandonem a luta armada?
Como dizia o ex-juiz Carlos
Gaviria: “ser opositor na Colômbia é
um ato heróico”. O grande tema é o das garantias
políticas. Pedimos que se cumpra de uma vez por todas o Estatuto
da Oposição, que figura na Constituição de 1991. Outro tema é o
do acesso aos meios de comunicação. Na Colômbia,
os meios, além de estarem estrangeirizados, estão nas mãos de
grupos financeiros, de grandes conglomerados econômicos, que são os
que realmente têm o poder político.
Quais são?
O Grupo
Prisa, dono do influente Caracol
radio e Caracol
televisão. O grupo financeiro de Carlos
Ardile Lülle,
um dos homens mais ricos do mundo, dono da RCN
(Rádio Cadeia Nacional). E existe o grupo Luis
Carlos Sarmiento Angulo (proprietário
de vários bancos e empresas construtoras), que controla o jornal El
Tiempo.
El Tiempo não é da família
do presidente Juan Manuel Santos?
Eles foram os fundadores. Perderam o
poder econômico, mas conservam muito poder político dentro do
jornal. Hoje, 98% são do grupo financeiro Sarmiento
Angulo, que entre outras coisas fez
lavagem de ativos do narcotráfico e controla grande parte da terra
da Colômbia.
Os meios de comunicação estão liderando uma campanha para a
entrega das terras colombianas a grupos econômicos e financeiros
como Mónica Semillas
do Brasil,
que comprou enormes extensões; a norte-americana Cargill;
há empresas israelenses... A China
está interessada em adquirir 400.000 hectares de terra. Em muitos
casos para grandes projetos agroflorestais e agrocombustíveis.
Acredita que o governo acena
para o desarme das FARC justamente para avançar com esse projeto
econômico sobre as terras que hoje estão ocupadas por vocês?
Nós não estamos ocupando terras.
Nós não somos donos de terras na Colômbia.
Não, claro. Refiro-me ao
fato de que a presença das FARC no território não permite a
expansão das fronteiras para a agroindústria, por exemplo.
É muito possível que estejam
apostando no desarmamento insurgente para consolidar esses projetos
econômicos. Por isso, não podemos nos arriscar ao desarme sem que
haja um processo de transição onde se veja que a implementação
dos acordos é efetiva. Isto não pode ser um pacote de promessas por
parte deles e ações concretas da nossa parte. Por isso, além de
Cuba e da Noruega como países fiadores é muito importante que haja
apoio popular e muito apoio institucional em nível internacional
para que este processo não fracasse.
Por que os Estados Unidos
poderiam estar interessados no sucesso das negociações?
Por um lado, pela crise. Manter as
guerras está saindo muito caro para eles. Por outro lado, há
pressão das petroleiras, das mineradoras e outros investidores na
Colômbia, a quem convém a paz. As FARC
são um obstáculo para os interesses dos Estados
Unidos. Eles tentaram nos liquidar
fisicamente com o Plano Colômbia e, embora não possamos negar que
fomos golpeados, eles não
podem negar que não foram capazes de nos derrotar militarmente.
Agora querem nos derrotar na mesa de diálogo.
Vocês se opõem aos
investimentos estrangeiros?
Não, mas depende dos termos. Os
investimentos estrangeiros devem estar submetidos ao desenvolvimento
econômico do país e não podem destruir o meio ambiente ou impor
regras lesivas à soberania nacional. Na Noruega,
as multinacionais pagam ao Estado 76% pelas explorações
energéticas. Na Colômbia,
se reduziu para 10%. E, às vezes, nem sequer pagam impostos, como a
empresa Drummond,
que financiou projetos paramilitares, mas deixou de pagar 50 milhões
de dólares. Sangram o país ambientalmente, financeiramente, com o
crime político, com o deslocamento de famílias camponesas e com os
massacres do paramilitarismo. Temos que revisar os investimentos
estrangeiros no país.
Vocês têm vínculos com o
narcotráfico?
A lavagem é o grande negócio dos
grupos financeiros ligados à oligarquia colombiana. Ainda hoje o
narcotráfico controla as instituições do país. É um flagelo que
atravessa toda a sociedade. Nós estamos nos territórios onde se
produzem drogas. Fizemos um esforço para regular a produção, para
evitar a depredação do meio ambiento. Mas é muito difícil
resistir ao grande capital do narcotráfico. A luta não é fácil
numa zona agrária onde a crise e o abandono do Estado chegam a
condições terríveis. O narcotráfico e a guerrilha não têm
possibilidade de oferecer bem-estar e desenvolvimento econômico. A
única coisa que podemos fazer é tratar de impor limites e cobrar
impostos do negócio da droga.
Como se financiam?
Com impostos e doações. As
petroleiras, as mineradoras, as bananeiras nos pagam impostos, assim
como pagam ao Estado. Também, obviamente, os empresários que se
dedicam ao tráfico de drogas. Mas as FARC
não cultivam nem traficam drogas. Um consumidor de drogas não pode
ser militante da nossa organização. Quanto às doações, há
amigos do projeto político das FARC
que dão contribuições.
Quantos militantes têm
atualmente?
Isso é informação reservada, mas
posso lhe dizer que são muitos. Além do Exército guerrilheiro, há
uma organização política clandestina, o Partido
Comunista Clandestino, que está nas
universidades, fábricas, empresas, nos bairros. Também há um corpo
de milícias, que são companheiros das unidades camponesas e
comunidades urbanas: as Milícias
Bolivarianas.
Estão vinculados à
Venezuela?
De forma alguma. Nós somos
bolivarianos. O único vínculo é o ponto de vista do pensamento
latino-americano.
Que temas são inegociáveis?
A reforma agrária, as reformas
sociais, a soberania nacional. A democracia. A integração
latino-americana. O pensamento do nosso Libertador Simón
Bolívar. Isso não se negocia.