Stédile: Não é justo nem democrático que a propriedade da terra esteja cadavez mais concentrada
20 de
janeiro de 2014
Por Roldão Arruda
Do Estadão
Do Estadão
O Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra, o MST, completa trinta anos neste mês de janeiro. Sua
criação foi formalizada durante um encontro realizado em Cascavel,
no Paraná, entre 20 e 23 de janeiro de 1984, com a presença de
quase oitenta pessoas, de diversas partes do País.
Entre elas encontrava-se João Pedro
Stedile, que havia começado a participar de ações em defesa da
reforma agrária por meio da Comissão Pastoral da Terra (CPT),
ligada à Teologia da Libertação.
Na entrevista abaixo, Stedile, que
faz parte da coordenação nacional do MST, analisa algumas das
principais mudanças ocorridas em três décadas e as perspectivas do
movimento.
Ele afirma que defensores da reforma
agrária são minoria no governo da presidente Dilma Rousseff, que
estaria privilegiando cada vez mais o agronegócio. Na avaliação
dele, é uma política errada, uma vez que o agronegócio promove a
concentração de terras e “dá lucro para alguns, mas condena
milhões à pobreza”.
O MST surgiu numa conjuntura
muita diferente. O Brasil era mais rural, o agronegócio estava menos
estruturado, a produção de alimentos era precária, os índices de
pobreza rural e urbana eram mais altos. De lá para cá, o
agronegócio se tornou altamente competitivo, a produção de
alimentos cresceu e o Brasil é apontado como uma potência mundial.
Faz sentido continuar insistindo na bandeira da reforma agrária?
A reforma agrária está na ordem do
dia como necessidade para construirmos uma sociedade democrática e
ter o desenvolvimento social.
A terra é um bem da natureza e todos
os brasileiros que quiserem trabalhar na terra tem esse direito. Não
é justo nem democrático que a propriedade da terra esteja cada vez
mais concentrada. Em torno de 1% dos proprietários controlam metade
de todas as terras.
E agora, pior, estão entregando a
propriedade para empresas estrangeiras em detrimento das necessidades
do povo. O Brasil nunca será democrático se não democratizar o
acesso à terra, para que as pessoas tenham trabalho, renda e
dignidade.
Na sua avaliação, o
agronegócio não contribui para o desenvolvimento do País?
O agronegócio é uma falácia. É um
modelo de produção que interessa aos grandes fazendeiros e às
empresas transnacionais que controlam o comércio mundial. Nos último
dez anos tivemos uma enorme concentração da propriedade da terra e
da produção agrícola.
Cerca de 80% das terras são
utilizadas apenas para soja, milho, cana, pasto e eucalipto. Tudo
para exportação. É um modelo que dá lucro para alguns, mas
condena à pobreza milhões. Veja o caso do Mato Grosso, tido como
modelo: mais de 80% dos alimentos consumidos pelo povo dali têm que
vir de outros Estados.
Nós temos 40 milhões de brasileiros
que dependem do Bolsa Família para comer e 18 milhões de
trabalhadores adultos que não sabem ler. Foram fechadas 20 mil
escolas no meio rural e os índices de pobreza não diminuíram. Essa
é a consequência do agronegócio.
A maioria da população tem
uma imagem favorável do agronegócio.
Ela pode até apoiar, enganada pela
propaganda permanente. As consequências perversas do agronegócio
atingem a toda população, quando destrói o meio ambiente e altera
o clima até nas cidades, quando só produz usando venenos. Esses
venenos destroem a biodiversidade, contaminam as águas e os
alimentos.
A capacidade do MST para
mobilizar pessoas e organizar ocupações de terras diminuiu. O
Programa Bolsa Família é apontado como uma das principais causa
dessa mudança. Outra causa seria o mercado de trabalho, que se
tornou mais favorável à mão de obra menos qualificada,
especialmente no setor da construção civil. Concorda com essa
avaliação?
A diminuição das ocupações se
deve a uma conjugação de diversos fatores. Do lado do latifúndio,
houve uma avalanche de capital que foi para agricultura atraído
pelos preços das commodities – que dão elevados lucros, aumentam
o preço das terras e, com isso, bloqueiam a reforma agrária.
Do lado dos trabalhadores, os
salários aumentaram nas cidades, o que reforçou o êxodo rural. Há
um bloqueio da reforma também no Judiciário e no Congresso, que não
consegue nem regulamentar a lei que proíbe trabalho escravo. E tem a
inoperância do governo, que abandonou as desapropriações.
Os trabalhadores, percebendo que as
desapropriações estão paradas, acabam desanimando, pois vêem seus
parentes ficarem durante cinco, oito anos debaixo da lona preta,
esperando por terra, sem solução. Mas tudo isso é conjuntural.
Acha que essa situação é
passageira?
Sim. O problema da pobreza do campo e
do número de trabalhadores rurais sem terra não foi resolvido. A
retomada da luta, com mais força, é apenas uma questão de tempo.
A presidente Dilma Rousseff
deixou claro desde a campanha eleitoral que não está preocupada com
a criação de novos assentamentos, como quer o MST. O objetivo dela
é reduzir a pobreza, com a elevação dos índices de produção das
famílias já assentadas. Como vê isso?
O governo Dilma é hegemonizado pelos
interesses do agronegócio. Os setores do governo que ainda defendem
a reforma agraria são minoritários.
O Estado brasileiro, por meio do
Judiciário, do Congresso, das leis e a mídia, é controlado pela
burguesia, que usa esses instrumentos para impedir a reforma. Nesse
governo, a incompetência e a má vontade política são
impressionantes.
Há dois anos, durante uma reunião
do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, a presidenta nos prometeu
que iria priorizar assentamento de famílias sem terra nos projetos
de irrigação do Nordeste, que é onde vivem os mais pobres.
Pois bem, há 86 mil lotes vagos nos
projetos há existentes, nos quais o governo poderia assentar 86 mil
famílias. Mas ninguém toma providências.
Por que?
Porque, no botim dos partidos, o
Ministério da Integração foi gerido a serviço das oligarquias
nordestinas.
Como vê a situação dos
assentamentos já existentes?
Enfrentam muitos problemas. Um deles
é o da moradia. Temos um déficit de mais de 150 mil casas. Também
é preciso ampliar os programas de compra direta de alimentos e da
merenda escolar, uma conquista obtida durante o governo Lula.
Ainda há falta de escolas no meio
rural, porque o MEC continua incentivando as prefeituras a levarem as
crianças para cidade, com o oferecimento de vans.
A presidente Dilma assinou um decreto
determinando que os recursos destinados aos assentamentos sejam
transferidos diretamente para as famílias beneficiadas, em vez de
passarem antes por cooperativas, como acontecia.
Isso não vai enfraquecer as
cooperativas e a organização dos assentados? Acha que a medida está
relacionada às afirmações de que o MST sobrevivia com o dinheiro
repassado às cooperativas?
Isso é irrelevante. Os recursos de
crédito nunca passaram por cooperativas e associações. O assentado
precisa sempre fazer o contrato direto no banco. A não ser, em raros
casos, de existência de cooperativa de crédito rural.
Ao mesmo tempo que se verifica o
refluxo das ações na zona rural, aumentam as manifestações
urbanas e surgem novas organizações. Como vê isso? O que achou das
manifestações ocorridas em junho?
Toda mobilização social na política
é muito positiva. E o lugar natural do povo participar ativamente da
política é a rua. É o lugar para se manifestar, lutar e defender
seus direitos e interesses. Vimos as mobilizações com bons olhos e,
na maioria das cidades, nossa militância também participou. Elas
deram um sinal de que precisamos de mudanças.
Que tipo de mudanças?
Nas áreas de moradia, transporte
público, educação, saúde para todos, reforma agrária. Para fazer
as mudanças, porém, precisamos de uma reforma política, que
garanta a representatividade do povo na administração do Estado.
A política foi sequestrada pelo
financiamento privado das campanhas, que deixa todos os eleitos
reféns de seus financiadores. Por isso, nós, dos movimentos
sociais, estamos pautando a necessidade de lutarmos por uma reforma
politica, que democratize a forma de eleger os representantes.
É possível fazer a reforma
com esse Congresso?
Claro que não. Diante disso, estamos
articulados numa grande plenária nacional de movimentos populares e
entidades da sociedade para lutarmos por uma constituinte soberana e
exclusiva, convocada para promover a reforma política. Durante todo
esse ano vamos fazer um mutirão de debates e na semana do 7 de
Setembro faremos um plebiscito popular, para que o povo vote e diga
se quer ou não uma assembleia constituinte.