Carta das FARC-EP a Oficiais da Associação Colombiana de Oficiais Reformados das Forças Militares.
Senhor
Brigadeiro General (r)
JAIME
RUIZ BARRERA
Presidente
Nacional de ACORE
Com
cópia para o senhor General, Jorge Enrique Mora Rangel.
Nos
dirigimos à Associação Nacional de Oficiais Reformados das Forças
Militares, ACORE, com a intenção de expressar-lhes respeitosa,
clara e sinceramente nossos pontos de vista sobre as medidas que em
matéria de justiça, entendemos, são necessárias para alcançar um
Acordo de Paz que ponha fim ao conflito armado que dessangra a nossa
pátria desde há mais de 50 anos.
As
FARC-EP têm exercido o mesmo direito à rebelião que contra a
injustiça e a opressão tomaram em suas mãos os comuneiros e depois
o Exército Libertador e todo o povo para libertar-nos do então jugo
opressor espanhol. Agora, como naquela época, as atuações
realizadas pelos rebeldes em prol de alcançar seus legítimos
objetivos devem ser tratadas como delitos políticos e como tal
anistiadas. Este é o mandato da Constituição Política, apesar de
que, ao longo dos últimos vinte anos, o Estado tentou negar à
insurgência a condição de alçados em armas, reduzindo assim uma
essencial característica de nossa história a uma simplista
qualificação de terrorismo.
Entendemos
que as medidas que em matéria de Justiça sejam adotadas nestas
conversações de paz não podem ser simétricas para todos os que
nos enfrentamos nesta guerra, posto que cada beligerante desfruta de
diferentes estatutos jurídicos. Porém, sem dúvida alguma, todos
devem desfrutar de equidade, tratamento equilibrado e benefícios
jurídicos, proporcionais à necessária verdade que devemos oferecer
ao país, à nossa determinação para assumir responsabilidades e a
nosso compromisso com a reparação às vítimas do conflito. Não se
pode esperar outra coisa daqueles aos quais a valentia se lhes
pressupõe.
Assentada
a anterior premissa, afirmamos que as Conversações de Paz não
podem converter-se num processo judicial contra as FARC-EP nem contra
as Forças Militares, sendo a natureza dos Diálogos eminentemente
política, pelo que esse mesmo caráter deverá ter a solução que
alcancemos para terminar a guerra. Por isso afirmamos que condicionar
o êxito do processo de paz ao encarceramento de qualquer beligerante
é uma mera opção política, não jurídica, que está condenada ao
fracasso.
Para
qualquer consciência democrática, os Crimes de Estado são a maior
das possíveis perversões do poder público, já que a legitimidade
do Estado para exercer o monopólio das armas provém de sua
obrigação de respeitar a legalidade e usar a força unicamente com
a finalidade de defender o bem comum e os direitos fundamentais dos
cidadãos. Porém, igualmente, cremos que não se pode atribuir
exclusivamente às Forças Armadas e policiais colombianas a
responsabilidade última por esses graves crimes, porque num Estado
democrático a cadeia de mando tem sua cúpula no poder político, e
a este não lhe alcança imunidade quando atua contra os direitos
fundamentais de seu povo. Em Colômbia, com frequência as forças do
Estado têm sido utilizadas pelos dirigentes políticos e poderes
econômicos para a execução de feitos criminais em benefício de
interesses particulares, habitualmente também mediante alianças com
organizações mafiosas e narcotraficantes.
Pelo
acima exposto, opinamos que o Foro Penal Militar se oferece aos
membros das Forças Militares para que, aceitando-o e submetendo-se a
ele, se reconheçam individualmente como máximos responsáveis pelos
crimes de Estado. Sua aprovação suporá a expressa acusação à
instituição militar e a seus integrantes como máximos responsáveis
pelos delitos cometidos pelo Estado e por seus auxiliadores durante o
conflito armado interno, ademais de impedir-lhes de desfrutar dos
benefícios jurídicos oriundos do processo de paz.
A
Verdade, o fim da impunidade, a Reparação e Restauração do dano
causado e as garantias de Não Repetição são, para nós outros, os
componentes do modelo de Justiça que deve se aplicar após o Acordo
de Paz.
Negamos
que a obrigação do Estado de procurar Justiça equivalha a um
imperativo de julgar num processo judicial, senão que consiste numa
obrigação de pôr em marcha processos de caráter sancionador que
esclareçam responsabilidades, sancionando ou eximindo de
responsabilidade em seu caso. No caso do direito interno colombiano,
mediante norma constitucional, se contemplam expressamente
“instrumentos de justiça transicional de caráter [...]
extrajudicial que permitam garantir os deveres estatais de
investigação e sanção”, que podem impor sanções de caráter
restaurativo, produzindo efeito de coisa julgada universal e
impedindo assim futuras reclamações ante qualquer instância ou
jurisdição nacional ou internacional. Por distintas considerações,
especialmente éticas, esta opção deve e pode contar com a
necessária aprovação das vítimas do conflito, o qual acreditamos
possível.
Por
tudo isso, os convidamos a um encontro com a Delegação de Paz das
FARC em Havana, onde, com a assistência de nossos assessores
jurídicos, possamos falar detidamente dos cenários que contemplamos
para alcançar uma solução em matéria de Justiça aceitável para
todos. Nos assiste a certeza de que sem sua opinião não é possível
a construção de uma paz estável e duradoura para a Colômbia.
Finalmente,
lhes sugerimos, muito comedidamente, compartilhar o conteúdo desta
missiva com os oficiais e soldados do exército e com as organizações
de reformados da Polícia Nacional.
Esperamos
de sua parte uma resposta positiva às motivações desta carta.
Cordial
saudação,
DELEGAÇÃO
DE PAZ DAS FARC-EP
--
Equipe
ANNCOL - Brasil