Sérias perturbações pairam sobre a paz
Por
Timoleón Jiménez, Comandante-Chefe das FARC-EP
"É
fácil observar que, apesar de tanto otimismo, o Estado colombiano
continua se preparando e abastecendo-se para a guerra".
Durante
o ciclo 39, a Mesa avançou em distintas temáticas.
Houve
informe
sobre o desenvolvimento do plano piloto de descontaminação de
explosivos, um primeiro encontro entre os assessores jurídicos das
partes para o tema de justiça, progressos em torno ao sistema
integral de Verdade, Justiça, Reparação e Não Repetição, ao
tempo em que se discutiram na Subcomissão respectivas fórmula sobre
o Cessar-fogo e de hostilidades bilateral e definitivo.
Finalizando
o ciclo, se fez presente de maneira oficial em Havana o Subsecretário
Geral para Assuntos Políticos da ONU, Miroslav
Jenca, quem,
em conjunto com outros funcionários da organização internacional,
se reuniu por separado com cada uma das partes, com o objetivo de
explorar o papel a desempenhar por essa entidade no eventual
Cessar-fogo e de hostilidades bilateral e definitivo que se discute
na Subcomissão Técnica.
Se
consideramos, ademais, os acordos parciais alcançados previamente
sobre os pontos 1, 2 e 4 da Agenda, podemos asseverar, com franco
otimismo, que Mesa
de Conversações de Havana está cumprindo, de modo mais que
satisfatório, com o propósito que se perseguiu quando as duas
partes combinaram instalá-la.
Que
se teria podido avançar ainda mais, segundo o critério fácil da
impaciência, não resta a menor importância ao efetivamente
conseguido.
Agora,
bem, só um obcecado inimigo da reconciliação pode se negar a
valorizar, em sua real dimensão humanitária, a enorme significação
do trabalho por consolidar nos fatos as ações de desescalada
anunciadas. Se bem que o Governo Nacional se opôs de modo terminante
desde o princípio a qualquer forma de armistício, trégua
ou cessar-fogo, não se pode desconhecer que nossa disposição a
esse respeito foi ganhando alguma vantagem.
Sem
que se trate de lugares comuns, podemos
afirmar que o processo de paz marcha satisfatoriamente e que se acham
abertas importantes perspectivas para a materialização efetiva do
fim do longo conflito armado.
O qual não quer dizer que nos encontremos num liso tobogã pelo qual
descender a toda pressa até um Acordo Final. Consegui-lo requererá
uma convergente mobilização nacional pela mais ampla democracia e
justiça social.
Existe,
evidentemente, um conjunto de perturbações que só um protagonismo
real das grandes maiorias populares conseguirá dissipar. Em primeiro
lugar se acha o assunto das ressalvas
pendentes,
temas nos quais não foi possível chegar a um acordo com os
delegados governamentais. E que terão que ser retomados e dirimidos
em algum momento. O
Governo Nacional fala e atua como se não existissem, o qual resulta
preocupante.
Maior
preocupação ainda desperta o fato de que o pactuado na Mesa não
exista de nenhum modo para a administração de Juan Manuel Santos,
quem, aparentemente, levou muito a sério sua fórmula de que nada
está acordado até que tudo esteja acordado. Distintas reformas
constitucionais e legais promovidas no Congresso operam decididamente
contra os acordos parciais, como se estes fossem tão somente
formalidades para a galeria.
Muitas
foram as vozes que se levantaram para denunciar o que vários
expertos denominaram o despropósito do Plano Nacional de
Desenvolvimento,
a carta de navegação do segundo governo Santos. Resultou de vulto o
propósito de tramitar pela via mais rápida um conjunto de reformas
de corte neoliberal em matéria de terras, mineração, saúde,
educação e privatizações, entre outras, para benefício do
capital transnacional e dos setores mineiro, financeiro e
terra-tenente.
Sem
importar que já se haviam pactuado na Mesa de Conversações de
Havana pontos que resultavam contornados. O
conhecido critério segundo o qual não se acham em discussão na
Mesa nem o modelo econômico nem as instituições põe de presente a
negação radical do Estabelecimento para considerar a solução às
causas objetivas que geraram e prolongam o levantamento armado.
Com igual indiferença se insiste agora no tema das ZIDRES e das
fumigações.
O
Presidente espera que para o natal estejam definidos os dois pontos
mais volumosos, justiça e fim do conflito, e assim semeia a ideia do
perto que está um Acordo Final. Não me compete contradizê-lo,
oxalá fosse assim. Porém
é fácil observar que, apesar de tanto otimismo, o Estado colombiano
continua preparando-se e se abastecendo para a guerra. Se
propõe incrementar o orçamento militar enquanto contrai em forma
alarmante os recursos para o campo.
São
cifras do orçamento nacional proposto ao legislativo, em que também
se reduzem consideravelmente os bilhões destinados ao investimento e
aos recursos destinados ao setor trabalho. Se a este último lhe
somamos a ideia do ministro de saúde de incrementar as contribuições
das classes médias e obrigar o setor informal a contribuir, enquanto
se mantém incólume ao setor empresarial porque já contribui
demasiado com o erário, fica claro a quem o governo serve.
A
legislação sobre o foro militar, assim como o projeto de código de
polícia,
que aponta para a institucionalização da política de repressão e
impunidade, entre outras matérias em questão de expressões
populares de inconformidade e protesto, não somente blindam contra
qualquer acordo na Mesa sobre o tema de justiça como também
contrariam
o acordado com relação à participação popular. É
fácil ler em tudo isto que a intenção oficial não é a paz.
Porém,
o que mais semeia hoje intranquilidade no que diz respeito a uma boa
chegada um acordo final é
a declarada posição governamental de apagar de uma canetada o
caráter político de nossa organização,
assim como a responsabilidade do Estado colombiano e das classes no
poder em matéria de crimes e terrorismo estatal. Há em curso uma
planejada estratégia ideológica, política e midiática encaminhada
a apresentar as FARC-EP como uma organização criminosa.
De
acordo com esta, a
violência e massiva vitimização ocorridas no último meio século
de história nacional cabe imputá-las exclusivamente a nós outros,
qualificados
juridicamente pela Promotoria como empresa dedicada a cometer crimes
de guerra e lesa-humanidade, enquanto se sustenta com o maior cinismo
o caráter civilista e democrático do apodrecido regime político
colombiano. A onipotência dos grandes meios de comunicação se
encarrega de reforçar a calculada infâmia.
O
que se iniciou como um processo de paz em que dois adversários
longamente enfrentados se empenhariam em achar uma saída política
ao histórico conflito armado, sucedeu assim por obra da perversa
determinação dos interesses no poder, num procedimento
penal
expedito para julgar e condenar a mais que justa rebeldia popular de
décadas. Esta
possui, desde logo, sua própria verdade, porém o Estabelecimento
assumiu plenamente o claro propósito de desaparecê-la.
Ademais,
depois
da suspensão ordenada pelo Presidente Santos, nos bombardearam em 27
de julho na vereda Huitoto, canal do Caño Puntilla, município de
Puerto Guzmán, Putumayo, e no dia 4 de agosto na vereda Dios Peña
do município de San Miguel, também no Putumayo, para
não falar de uma série de provocações por terra contra nossas
unidades em distintas regiões do país. Ao contrário de nós, o
governo descumpre uma vez mais sua palavra. Busca o quê?
Montanhas da Colômbia, agosto de 2015
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Equipe
ANNCOL - Brasil