"Por um sistema Integral de Verdade, Justiça, Reparação e Não Repetição"
La
Habana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 2 de agosto de 2015
Tal
como havíamos acordado na Mesa de Diálogos, estamos na construção
de um inédito e inovador Sistema Integral de Verdade, Justiça,
Reparação e Não Repetição. Nunca antes num processo de paz se
havia decidido pôr em marcha, com o protagonismo das vítimas, um
sistema com a pretensão de consolidar a paz e a convivência,
oferecer verdade exaustiva à sociedade, reconhecer publicamente as
responsabilidades de todos os envolvidos no conflito, reparar os
danos causados, garantir o cumprimento da obrigação do Estado de
acabar com a impunidade e construir as imprescindíveis medidas que
garantam a não repetição da violência política e do conflito.
Estes
são objetivos irrenunciáveis de uma justiça restaurativa para o
pós-acordo, que, claramente, se realmente se quer a reconciliação
e a convivência, deve estar desligada de anacrônicas concepções
medievais vingativas, como o olho por olho e o dente por dente da lei
do Talião, o qual implica antepor a paz como direito síntese e o
bem-estar das futuras gerações sobre qualquer outra consideração.
Dentro
de nossa concepção, garantir a justiça restaurativa deve
significar a conquista da aplicação de uma justiça distributiva
que vá mais além do meramente corretivo e aponte a criar novas
condições de existência dentro do caminho do bem viver.
Para
encontrar entendimento a respeito dos mencionados assuntos, a Mesa
decidiu pela criação de uma comissão integrada pelos renomados
juristas Juan Carlos Henao, Álvaro Leyva, Enrique Santiago, Manuel
José Cepeda, Diego Martínez e Douglas Cassel. Todos expressaram sua
plena disposição a trabalhar em função de tão louvável
propósito, contando com o apoio de outros profissionais do direito,
o qual é garantia de que neste campo conseguiremos um acordo
consistente que blindará jurídica e politicamente o processo de
paz.
Está claro que, ao
lado do protagonismo das vítimas, a essência do Sistema Integral é
a verdade aportada por todos, de tal maneira que vem a ser a Comissão
de Esclarecimento da Verdade, da Convivência e da Não Repetição
um mecanismo de primeira ordem para a resolução do conflito, o qual
deverá ser posto em funcionamento no mais curto prazo possível.
Sem dúvida, a trégua
unilateral declarada pelas FARC e a decisão do cessar de bombardeios
que, em correspondência, o governo anunciou dentro do marco de
desescalada do conflito, desencadearam este novo ambiente de
confiança que permitiu agilizar as conversações e avançar em
novos consensos.
Não obstante,
estimamos que falta coerência entre o que ocorre na Mesa e o que
sucede no território nacional. Deveria o Estado considerar um cessar
unilateral à fustigação contra líderes políticos e sociais de
oposição, porque não pode ser que em pleno desenvolvimento do
processo de paz se escale a perseguição, o encarceramento e a
morte.
Enquanto em Havana se
fala de Reforma Rural Integral, com a desculpa de recuperar terras
das FARC, se despoja a campesinos que são legítimos detentores de
propriedades ociosas. Enquanto se fala de ampla participação cidadã
e expansão da democracia, se bloqueia os espaços para o exercício
das liberdades em Colômbia. Quem deu licença à Promotoria para
prejulgar e processar através da mídia, fazendo do devido processo
e do direito à defesa um rei de enganações? Ainda que pareça um
paradoxo, terá que buscar um indulto para tanto inocente
judicializado.
Porém, não só há
caça de bruxas para encarcerar, como também para tornar impossível
a vida dos lavradores; atualmente, os campesinos do Catatumbo são
objeto da mais crua repressão. As operações militares que incluem
metralhamentos e fumigações aéreas com glifosato sobre suas terras
não cessam.
Esta é a resposta aos
acordos que o governo havia pactuado em Tibú com suas organizações
de base.
Para cúmulo da
insensatez, numa espécie de reedição do extermínio da UP, a
Marcha Patriótica já acumula 102 de seus militantes assassinados,
ao redor de 300 encarcerados, mais dezenas de judicializados. É
claro que o Promotor, como se estivesse em competição com o
Procurador, caminha na contramão do processo de paz.
Apesar desta crua e
desalentadora realidade, não queremos nos deixar envolver pelo
pessimismo e é por isso que chamamos a refletir mais na forma de
aprofundar os importantes avanços conquistados na Mesa de Diálogos
de Havana. Ainda que reparamos certa flexibilização nas anacrônicas
posturas punitivas do Estado, não se passa ainda, de maneira
decidida, a uma prática consequente. E isto não se consegue, sem
dúvida, aprofundando as iniciativas legislativas neoliberais ou
marchando na contracorrente dos acordos parciais. O que urge é pôr
freio já à repressão institucional, ao paramilitarismo, à
negligência frente às exigências dos pobres que reclamam condições
dignas de vida, justiça social, e fechar a brecha da desigualdade.
Se o discurso
governamental considera que nos encontramos às portas do fim do
conflito, como é que esta certeza não se traduz numa nova
distribuição do gasto público que resolva as necessidades básicas
insatisfeitas do povo? Não se pode utilizar argumentos como a queda
dos preços do petróleo e do ouro, ou a crise exportadora, uma época
de vacas magras, enquanto por uma parte se sustentam inflexíveis
gastos de funcionamento e de serviço da dívida, e por outra um
gasto militar de 30 bilhões de pesos anuais –mais de dez bilhões
de dólares.
Tamanha
contradição nos demonstra a validade de nossa insistência em que
não é possível uma verdadeira paz com justiça social sem as
mudanças estruturais que a nação exige.
DELEGAÇÃO
DE PAZ DAS FARC-EP
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Equipe
ANNCOL - Brasil