A praga dos agrotóxicos e o veneno da corrupção
O
Portal IG informa que, no ano passado, o Brasil consumiu um bilhão
de litros de agrotóxicos, ou cinco mil mililitros de substâncias
que podem provocar, entre outras doenças, de câncer a problemas
neurológicos, por habitante.
Detemos,
hoje, o assustador título de maiores importadores de agrotóxicos do
planeta, entre eles, quatorze substâncias mortais já proibidas em
outros países, que têm sido livremente usadas no Brasil.
Algumas
delas aparecem na esmagadora maioria das amostras de leite materno e
de urina da população de Lucas do Rio Verde, uma das capitais
brasileiras do agronegócio, município no qual se usa, por ano, 136
litros de veneno por habitante, e no qual já houve surtos de
contaminação aguda de crianças e idosos em 2007.
Mas,
mais grave ainda: segundo a matéria, a Presidência da República
teria aprovado uma portaria, no final do ano passado, dando
exclusividade ao Ministério da Agricultura — sem ouvir a área
ambiental — para decretar emergência fitossanitária ou
zoossanitária, permitindo em tese a utilização diferenciada, ou
sem licença prévia, de substâncias proibidas, nos casos em que
ataques de pragas estejam prejudicando seriamente a agricultura ou a
economia nacional.
Essa
situação — que facilita a entrada de novos agrotóxicos no Brasil
— foi tema de uma carta aberta à população e a outras
instituições, por parte da Fundação Osvaldo Cruz, chamando a
atenção para o forte lobby do agronegócio no Governo, e para a
ameaça dos agrotóxicos para a saúde e o meio ambiente no Brasil.
Mas
o problema não é apenas político. A Polícia Federal teria aberto
inquérito — a pedido de um ex-funcionário da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária, que hoje trabalha na FIOCRUZ, Luiz Claúdio
Meirelles — para investigar a ocorrência de fraude e corrupção
no setor de toxicologia da ANVISA.
As
fraudes teriam se dado no processo de aprovação de pelo menos seis
diferentes agrotóxicos, nos últimos anos, pela instituição.
A
produção de alimentos, em todo o mundo, é reconhecida como um
extraordinário diferencial geopolítico.
Castigados
pela fome e pela guerra, países como o Japão, a China e a Coreia, e
blocos como a União Europeia, colocam o conceito de segurança
alimentar — ou a possibilidade de suprir de alimentos sua população
— no alto de suas considerações estratégicas, a ponto de
subsidiarem, assim como fazem também os EUA, direta e indiretamente,
com bilhões de dólares, os seus agricultores.
A
isso se somam, naturalmente, a cobiça e os interesses de grandes
tradings e companhias químicas internacionais, que movimentam
centenas de bilhões de dólares por ano, na compra e venda de grãos
e de commodities agrícolas, e na produção e comercialização de
insumos e agrotóxicos.
Temos,
na EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, uma das
mais avançadas instituições do mundo. É preciso aumentar, via
pesquisa, a oferta de novas sementes e cultivares que possam
substituir ou diminuir o uso de agrotóxicos no Brasil, antes que
eles contaminem, por completo, nossos rios, lagos e aquíferos, e
destruam, pela quebra do equilíbrio ecológico, a nossa
biodiversidade e um dos mais ricos patrimônios naturais do planeta.
Seria,
no entanto, ingenuidade, esquecer que problemas são muitas vezes
intencionalmente criados, apenas para engendrar e colocar,
subsequentemente, no mercado, novas “soluções”, voltadas para
gerar cada vez mais lucro, em detrimento da natureza e da saúde
humana.
O
crescimento do Brasil no mercado global de alimentos — este ano
passaremos os Estados Unidos como o maior exportador de soja do mundo
— não incomoda apenas os produtores agrícolas de outras nações.
Ele
também excita a cobiça dos fabricantes de insumos e agrotóxicos.
Nesse
contexto, é preciso aumentar ao máximo a fiscalização e a
vigilância de nossas extensas fronteiras. Em uma mala pequena, no
bolso de uma camisa, em um par de sapatos, podem ser contrabandeados
agentes biológicos como ovos de insetos, fungos e esporos, que, em
uma viagem de poucas semanas, podem ser facilmente disseminados por
milhares de estradas vicinais, situadas à margem de milhões de
hectares de plantações de commodities de grande penetração nos
mercados internacionais, como o milho, a soja, o cacau, os cítricos,
o algodão.
A
cada ano, surgem, no campo brasileiro, novas pragas, que antes só
atingiam outros países, que aumentam, em milhões de reais, os
custos para os nossos produtores. Essa situação é favorecida por
um quadro, em algumas regiões, de virtual monocultura, ou de plantio
rotativo restrito a um ou dois produtos de exportação, que
caracteriza boa parte do agronegócio nacional.
A
essas pragas, como a Helicoverpa Amígera, parece que teremos que
acrescentar, agora, como indica a investigação em andamento na
ANVISA, o veneno, sempre presente, da velha praga da corrupção.
Antes,
quando a responsabilidade cabia apenas ao executivo, por meio do
Ministério da Agricultura, da Saúde e do Meio Ambiente, esse perigo
já existia, mas podia ser detectado e combatido com mais facilidade,
por meio da fiscalização do próprio governo, da polícia e, em
última instância, do eleitor.
Com
o advento de comitês e subcomitês mistos e das “agências
reguladoras” a partir do vendaval neoliberal dos anos 90,
aumentaram, como já se viu em outras áreas como a telefonia, a
burocracia, a troca de cadeiras, o conluio e conúbio entre o público
e o privado, com inegáveis prejuízos para o consumidor.