“Freixo” da Colômbia é deposto pelo presidente e tornado inelegível por 15 anos
Prefeito que estatizou a coleta de lixo e combateu milícias da
ultra-direita é destituído pelo presidente Juan Manuel Santos e declarado
inelegível por 15 anos. Gustavo Petro é a maior figura pública da oposição
colombiana e seria candidato à presidência da república.
Por
Thiago Ávila em 20/03/2014.
A Colômbia é um país altamente desconhecido pelo povo brasileiro. Pouco
se sabe de sua história e suas lutas além do que diz o senso comum e a campanha
criminalizadora dos Estados Unidos e das agências de notícias internacionais.
Este país vive um conflito ininterrupto há 64 anos e possui 13 bases
estadunidenses instaladas em seu país. É também o terceiro país que
mais recebe ajuda militar dos Estados Unidos e cumpre um papel
chave na política imperialista de Washington, que não permite a existência de
qualquer movimento de oposição, mesmo que seja na esfera institucional.
No último dia 19 de março o prefeito de Bogotá, Gustavo Petro,
do Pólo Democrático Alternativo (uma espécie de partido de Frente
Ampla que surgiu em 2005 no auge dos governos de Álvaro Uribe/Bush), foi
destituído e punido com inegibilidade por 15 anos pelo presidente Juan Manuel
Santos e o Procurador Geral Alejandro Ordonez. Trata-se de um golpe da
direita para impedir a participação política no país, que
anseia por mudanças após 66 anos de conflito e Terrorismo de Estado.
O motivo alegado foi um processo de improbidade administrativa quando,
em 2012, a cidade ficou três dias sem a coleta de lixo, por conta do boicote
das empresas privadas que estavam sendo substituídas por um modelo público de
coleta. Segundo o prefeito, que foi guerrilheiro do M-19 em sua juventude,
esta medida era fundamental para reverter os contratos fraudulentos e
a evasão de dinheiro público que acontecia neste setor, além
de garantir maiores direitos aos trabalhadores da limpeza
urbana e um serviço de maior qualidade à população com
iniciativas de coleta seletiva e outras ações que visam a sustentabilidade
e o respeito ao meio-ambiente. A destituição foi levada a cabo pelo
Inspetor Geral Alejandro Ordonez, notório opositor do casamento gay no país e
das negociações de paz com as FARC. O próprio boicote foi uma tentativa de
reverter a manutenção do modelo público no setor, seguindo o modo de agir das
oligarquias em outros países como a Venezuela (com o desabastecimento),
Bolívia, entre outros.
Esta ação é um golpe claro aos diálogos de paz com a guerrilha, que
estão acontecendo em Havana. A Delegação de Paz das FARC, liderada por Iván
Márquez, número dois da guerrilha, manifestou-se dizendo que “se trata de uma
absurda decisão política do presidente que toma a Prefeitura de Bogotá através
de um golpe, que gera um impacto muito negativo na mesa de diálogos e afeta
gravemente a confiança e a certeza em torno do que se está aprovando”.
“Nos traz muitas dúvidas e interrogações em torno da eficácia dos
acordos parciais sobre o tema da participação política”, afirmou Iván Márquez
relembrando o consenso alcançado no ano passado sobre este ponto, o segundo da
agenda de diálogos de paz. Segundo o movimento guerrilheiro, trata-se de uma
medida com claro propósito eleitoral, como o que depôs a senadora Piedad
Córdoba em 2010, tornando-a também inelegível por 18 anos, quando foram
alegadas ligações dela com a guerrilha, durante suas intervenções em favor do
Intercâmbio Humanitário e o início das negociações de paz. Piedad Córdoba,
assim como Gustavo Petro, era a mais provável candidata de seu partido às
eleições presidenciais na Colômbia, com consideráveis chances de vitória. Ambos
são alvos frequentes de ameaças e atentados contra sua vida e vivem rodeados de
seguranças.
O Ministro da Justiça, Alfonso Gomez Mendez, espantado com o acontecido,
disse à imprensa: “Nós precisamos revisar a norma constitucional que permite a
destituição de um oficial escolhido por voto popular”. Segundo a Constituição
deste país, a Procuradoria Geral possui o poder de pedir a destituição de
funcionários do Estado, inclusive os que foram escolhidos democraticamente. A
medida precisa ser referendada pelo presidente em exercício, no caso, seu
adversário político Juan Manuel Santos, que não hesitou em dar executar a
destituição.
O mandado de Gustavo Petro iniciou-se em 2012 e iria até o final de
2015. Ele também já ocupou o mandato de senador, exercendo um papel chave no
escândalo que desmascarou diversos políticos da ultra-direita e suas ligações
com o paramilitarismo e os esquadrões da morte. É uma história de incrível
semelhança com a do deputado brasileiro Marcelo Freixo, que também já foi alvo
de dezenas de ameaças de morte e atentados contra sua vida. O golpe dado pelo
presidente colombiano também torna-se mais gritante, se comparado à situação
vivida pelo Rio de Janeiro no carnaval diante da greve dos garis. Se, no Rio de
Janeiro, o prefeito Eduardo Paes fez de tudo para criminalizar os trabalhadores
e negar-lhes direitos, na Colômbia Petro fazia o contrário: tornava público o
serviço para que pudesse realizar as reformas necessárias neste setor.
A justiça colombiana já negou todas os últimos recursos de amparo que
poderiam reverter a decisão e, considerando os antecedentes da história
colombiana de repressão e impedimento da participação política, as chances de
reversão não são nada animadoras. Nesta terça-feira, a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos convocou uma reunião para a próxima segunda-feira e, de
antemão, solicitou ao governo colombiano que “suspenda imediatamente os efeitos
da decisão emitida e ratificada pela Procuradoria Geral da Nação, a fim de
garantir os direitos políticos do senhor Gustavo Francisco Petro Urrego”. O
governo colombiano já recusou sua participação nesta reunião. Caso mantenha a
decisão, será a primeira vez desde a criação da CIDH que o governo colombiano
não assistiria à Comissão em Washington. Dependendo agora completamente de uma
decisão internacional favorável, Petro se manifestou dizendo que “não sabemos
se o sistema interamericano nos protege ou não. Se não o faz, não restará para
nós um único centímetro quadrado de justiça”.
Relembrando a necessidade de seguir na luta, Gustavo Petro disse: “Quero
que Bogotá não perca o otimismo. Tenham a segurança de que NÃO PASSARÃO.
Tranquilidade e Força”. Ao final da tarde de ontem, dezenas de milhares de
manifestantes lotaram a praça Bolívar e as ruas adjacentes, no centro de
Bogotá, exigindo a restituição do prefeito ao cargo. Foi a maior demonstração
de apoio a um prefeito da capital do país andino em décadas.
É dever de cada um e cada uma de nós acompanhar atentamente o que
acontece neste país irmão, pois diz respeito diretamente ao nosso futuro. A Paz
na Colômbia é um passo fundamental para derrotar o imperialismo em nosso
continente e retomar o processo de integração através dos povos pelos quais
viveram Che, Bolívar, José Martí, Abreu e Lima, Sandino, Zapata, Farabundo e
tantas e tantos outros internacionalistas latinoamericanos.
*Thiago Ávila é historiador do conflito colombiano e da América Latina e
membro da Insurgência.
20/03/2014